Qualificação dos
recursos humanos da construção em tempo de “Reabilitar como Regra”
O atual panorama
da qualificação dos RH da construção em Portugal é desolador. Tal situação
radica, desde logo, na grande percentagem da generalidade da população com
baixos níveis de escolaridade.
Vítor Cóias
10 de Dezembro de
2019, 3:19
A iniciativa
Reabilitar como Regra tem por objetivo principal, enunciado no texto da
resolução do Conselho de Ministros de 2017 e reiterado no preâmbulo do
Decreto-Lei n.º 95/2019, a revisão do enquadramento legal e regulamentar da
construção para “o adequar às exigências e especificidades da Reabilitação”.
Trata-se de algo
que faz todo o sentido, dado que a maioria das obras de reabilitação é
caraterizada pela maior complexidade metodológica e tecnológica, pela grande
diversidade de situações encontradas, pela especificidade das intervenções em
termos quer de conceção quer de execução, sem esquecer o impacto direto que
frequentemente tem sobre as pessoas e o património cultural construído. A
reabilitação do edificado é, portanto, mais exigente do que a construção nova.
As exigências da reabilitação são de diversa ordem, mas há uma que se destaca
claramente: a da qualificação dos agentes que nela intervêm, nomeadamente das
empresas e, por inerência, dos recursos humanos (RH) presentes nos seus
quadros. Infelizmente, o atual panorama da qualificação dos RH da construção em
Portugal é desolador. Tal situação radica, desde logo, na grande percentagem da
generalidade da população com baixos níveis de escolaridade e da elevada
percentagem da população ativa sem competências digitais.
É sintomática da
falta de RH qualificados no setor da construção a frequência com que vêm a lume
nos meios de comunicação social as notícias sobre este problema. Num comunicado
do verão de 2019, uma das associações de empreiteiros estimava em 70 mil o
efetivo de operários especializados em falta.
Esperar-se-ia,
portanto, assistir a um grande esforço das empresas do setor para se dotarem de
mão-de-obra qualificada. Infelizmente, tal não acontece. O último inquérito à
formação profissional realizado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do
Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social aos vinte e quatro
principais setores de atividade, compara vários indicadores, entre eles o
número de horas de formação por trabalhador, a percentagem de empresas com
formação profissional inicial, a de empresas com formação profissional
contínua, e a de empresas que avaliam com regularidade as necessidades de
formação. Constata-se que a construção ocupa sempre os últimos lugares.
É também
reveladora a comparação com um setor algo semelhante, o da metalúrgica e
metalomecânica, entre a atividade dos respetivos centros de formação
profissional protocolados. Na construção, para um número de trabalhadores 1,7
vezes maior, o volume de formação é cerca de 5 vezes menor.
É portanto óbvio
que a exigência de RH qualificados, sobretudo operários e quadros intermédios,
não está a ter resposta adequada, e se a situação já é má para a qualidade da
construção corrente torna-se um obstáculo intransponível ao objetivo de mudar o
paradigma do setor elegendo a reabilitação como regra.
Olhando para a
evolução do enquadramento legislativo do setor da construção é notório o
facilitismo associado à presença da troika em Portugal: com o D.L. 53/2014, que
institui o regime excecional de reabilitação urbana e é agora revogado, com o
D.L. 136/2014, que simplifica o D.-L. 555/1999, e dispensa de controlo prévio
as obras no interior dos edifícios, e com a Lei 41/2015, que entre outras
simplificações, dispensa os empreiteiros de obras particulares de demonstrar
que possuem capacidade técnica (leia-se “qualificação”), passando tal
demonstração a ser requerida apenas aos empreiteiros de obras públicas, para os
quais, no entanto, os operários e quadros intermédios deixam de fazer parte do
número mínimo de técnicos prescrito. Mas a pulsão facilitista remonta ao D.L.
12/2004, através do qual a atribuição dos alvarás passa a ignorar a
especialização dos operários, considerando-os apenas por grupos de remuneração,
e, mais tarde, ao D.L. 69/2011, que deixa de ter em conta os operários e quadros
intermédios, e, ainda, à abolição dos Certificados de Aptidão Profissional
(CAP) pelo D.L. 92/2011.
A publicação do
D.L. 95/2019, que entrou em vigor no passado dia 15 de novembro, dá um primeiro
abanão ao edifício legislativo facilitista, com a revogação do já referido
regime excecional de reabilitação urbana e a entrada em vigor de duas partes
relevantes do Eurocódigo 8, respeitante ao projeto de estruturas para
resistência aos sismos. Mas a desejada adequação do enquadramento legal e
regulamentar às exigências de reabilitação está ainda longe de assegurada.
Para atingir este
objetivo, é necessário ou reverter o cortejo de “simplificações” introduzidas
de 2004 para cá, ou utilizar outras soluções para assegurar a adequada
capacidade técnica dos agentes, dentre as quais se destacam os sistemas de
qualificação.
A exigência de
qualificação aos diversos agentes decorre diretamente das exigências da
reabilitação, embora não seja a mesma para todas as áreas de intervenção. Mas
ela coloca-se com particular acuidade pelo menos em duas áreas: as intervenções
que se destinam à adequação da resistência sísmica dos edifícios e as que têm
por objeto o património cultural construído. São estas as duas áreas por onde
deve começar a implementação dum regime que atenda às exigências da
reabilitação de edifícios. De uma forma ou de outra, é essencial que as
empresas intervenientes nestas duas áreas façam prova de ter nos seus quadros
RH adequadamente qualificados, a todos os níveis: desde o engenheiro até ao
operário da frente de trabalho.
Paralelamente, e
num âmbito mais alargado, é necessário promover e valorizar os CAP ou diplomas
de qualificação e dignificar as profissões da construção.
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