GUERRA DE PROPAGANDA NA EUROPA
A estratégia da extrema-direita para os media
Uma investigação da revista austríaca Falter apresenta em
detalhe as estratégias que os partidos da extrema-direita utilizam para obter o
controlo dos meios de comunicação social e influenciar a opinião pública. Uma
das principais constatações é a de que o Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ)
é um modelo a seguir pela extrema-direita do resto da Europa. A avaliar pelos
resultados das europeias, esta teia mediática parece estar a resultar. Este
trabalho foi finalista do European Press Prize.
Nina Horaczek /Falter 2 de Junho de 2019, 6:23
Pegando mais uma vez num copo de vodka e Red Bull naquela
noite fatídica na ilha de Ibiza, Heinz-Christian Strache, então líder do
partido populista de direita austríaco FPÖ, disse: “De qualquer maneira, os
jornalistas são as maiores putas do planeta”. No Verão de 2017, o principal
rosto do FPÖ dizia a uma suposta sobrinha de um oligarca russo que queria
construir uma teia mediática como aquela que o primeiro-ministro Viktor Orbán
tinha erguido na Hungria. Strache aconselha a alegada sobrinha rica a entrar no
capital do jornal diário austríaco de maior circulação, o Kronen Zeitung, para
que, a partir desse título, o FPÖ pudesse ser levado até à liderança política
do país. Em troca, e assim que o FPÖ vencesse as eleições e chegasse ao Governo
com o seu apoio, Strache prometia à mulher russa que as empresas que ela viesse
a criar receberiam grandes encomendas do sector público, como a construção de
auto-estradas.
O chamado “vídeo de Ibiza” foi secretamente gravado em 2017
e dura mais de seis horas. Foi tornado público há duas semanas e por causa do
seu conteúdo Strache, então vice-chanceler, foi obrigado a renunciar ao cargo,
provocando também a queda do Governo austríaco, que era liderado por Sebastian
Kurz (do Partido Popular, ÖVP). Para além da tempestade política que provocou,
este vídeo põe a nu a conduta moral do populismo de direita, de uma forma que
ainda não tinha sido vista na Áustria. Mas também revela como os populistas e
extremistas de direita de toda a Europa estão a trabalhar numa estratégia de controlo
hegemónico dos media dos seus países.
A presença de meios de comunicação social de extrema-direita
está a tornar-se mais comum na Europa. A situação política em cada país pode
ser diferente, mas a estratégia para dominar os media nacionais é
surpreendentemente parecida: a partir da oposição política, construir uma
máquina de propaganda na comunicação social disfarçada de “notícias
alternativas”; após chegar ao governo, colocar os meios do serviço público sob
controlo e condicionar os media independentes e críticos. Pode-se dividir esta
estratégia em sete passos:
Primeiro passo
Construir o nosso próprio império de comunicação social
Berlim, Jakob Kaiser-Haus, sala 6630. Por trás desta porta,
num prédio anónimo na zona administrativa de Berlim, existe um estúdio de
gravação do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (Alternative
für Deutschland, AfD). É uma sala pequena, com uma parede divisória azul
decorada com o símbolo da AfD, uma tela chroma key verde, uma câmara e
projectores. Com a ajuda da equipa da AfD de Unter den Linden, é aqui que o
partido pretende produzir as emissões noticiosas com as quais espera afastar os
alemães das Tagesschau, os muito populares serviços públicos de notícias, e em
seu lugar atraí-los para a AfD-News, fiel ao partido.
O equipamento para este assalto ao serviço público de
notícias provém de Viena. Foi aí que Joachim Paul, deputado da AfD na
Renânia-Palatinado, foi durante algum tempo o chamado “Madchen fur Alles” (“a
rapariga faz-tudo”) do site de extrema-direita Unzensuriert.at, com sede num
edifício de uma associação pan-germânica em Viena. Regressado à Alemanha, Paul
lançou, para a AfD, o canal online AfD Rheinland-Pfalz. Agora, a AfD-News está
a alargar-se a toda a Alemanha. Segue como modelo a FPÖ-TV, a emissão de Internet
que o FPÖ, de extrema-direita, lançou na Áustria em 2012. Através da FPÖ-TV
Direkt, o Partido da Liberdade começou recentemente a oferecer um programa
noticioso para utilizadores de dispositivos móveis.
O primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán implementou uma
estratégia para os media muito antes. Depois de ter sido derrotado nas eleições
legislativas em 2002, rapidamente encontrou um culpado: os media independentes,
que tinham criticado demasiado o seu partido, o Fidesz (União Cívica Húngara).
A partir da oposição, Orbán dedicou-se a construir para si meios de comunicação
leais. Oligarcas ligados ao Fidesz tiveram um papel decisivo, adquirindo
jornais independentes e emissoras privadas. Hoje, os seguidores do Fidesz
dominam o mercado de comunicação húngaro. Um novo estudo levado a cabo pela
investigadora e especialista de media húngara Agnes Urban mostra que,
actualmente, 78% dos media na Hungria são controlados por Orbán. Nas eleições
europeias, o partido do primeiro-ministro húngaro alcançou um dos melhores
resultados a nível europeu, com 52% dos votantes a escolherem o Fidesz.
Não é uma surpresa que no “vídeo de Ibiza”, o então líder do
FPÖ ambicionasse um sistema mediático como o de Orbán. Certo é que desde há
muito que o FPÖ tem tentado fazer o mesmo na Áustria, tendo ao longo dos
últimos dez anos investido em empresas de comunicação leais ao partido.
“Tentámos tirar partido de uma certa necessidade comunicacional”, afirmou numa
entrevista o ex-secretário-geral do partido, Herbert Kickl.
O Zur Zeit — desde há muito ligado à chamada imprensa azul
(azul refere-se à extrema-direita) — é um semanário fundado em 1997 pelo
dirigente do FPÖ Andreas Molzer. O jornal denunciou racialmente o futebolista
David Alaba, insultou o fundador do Life Ball [evento anual em Viena para
portadores de HIV/SIDA] Gery Keszler como sendo um “maricas profissional”, e
recentemente apelou a que se retirasse o direito de voto a “grupos antinativos”
e à “reintrodução de ‘workhouses’” [asilos para indigentes e trabalhadores
forçados]. De acordo com um comunicado divulgado pelos editores do Zur Zeit
duas semanas após a publicação desta notícia, o texto terá “escapado” para a
edição “por engano”.
Por seu lado, a plataforma online Unzensuriert.at, que está
muito ligada ao FPÖ e cujo director-executivo, Walter Asperl, é funcionário do
grupo parlamentar do partido, incita contra muçulmanos, refugiados e
homossexuais. A revista Info-Direkt, publicada no Norte da Áustria, é um ponto
de encontro para os identitários e nacionalistas da extrema-direita e do FPÖ.
Aí encontramos artigos como “Schluss mit dem Gutmenschenterror” (“Fim ao terror
das pessoas boas”) ou “Der Informationskrieg beginnt jetzt” (“A guerra da
informação começa agora”). O ano de 2016 foi aquele em que “o sistema dos
media” foi “atingido e ferido”, diz a Info-Direkt. “Na guerra da informação,
agora é a altura de atacar, de quebrar a opinião tradicional e do centro.” Os
jornais de extrema-direita conseguiram alcançar este objectivo com a ajuda do
FPÖ, que compra espaço de publicidade na Info-Direkt, com slogans como “Die
Islamisierung gehört gestoppt” (“A islamização tem que ser travada”).
Existe uma ligação permanente entre meios de comunicação
social austríacos e alemães. O editor-chefe da versão online da revista
Wochenblick, publicada no norte da Áustria e também apoiante do FPÖ, trabalhou
anteriormente para a Blaue Narzisse e para a Sezession, duas novas publicações
de extrema-direita ligadas à AfD. Chris Ares, um rapper nacionalista da
Alemanha (“Du mein Deutschland, Lied für Chemnitz” – “Tu, minha Alemanha,
canção para Chemnitz”), é um identitário nacionalista alemão e colunista na
Info-Direkt.
Na edição de 2016 do congresso Verteidiger Europas
(Defensores da Europa), organizado na cidade austríaca de Linz por identitários
nacionalistas, Jurgen Elsasser, editor-chefe da revista alemã Compact, foi um
dos oradores. No congresso havia bancas que, para além da Compact e de anúncios
ao site Unzensuriert.at, vendiam a Alles Roger? e a publicação de
“rechtsintellektuelle” (“direita intelectual”) Sezession, cujo fundador, Gotz
Kubitschek, esteve presente, chegando ao local com dez caixotes de revistas na
bagageira do seu automóvel. Na mesma ocasião, a Info-Direkt entrevistou Paul
Hampel, actualmente porta-voz para os Negócios Estrangeiros da AfD. Por seu
lado, Manuel Ochsenreiter, um enérgico jornalista de extrema-direita alemão,
discursou, na condição de “especialista no Médio Oriente”, sobre como a Síria é
um país suficientemente seguro para se poder deportar pessoas para lá.
Em França, o Rassemblement National (RN) de Marine Le Pen —
como a União Nacional (UN) agora se auto-intitula — está a seguir um caminho
semelhante. No ano passado, o porta-voz para a imprensa da sobrinha de Le Pen,
Marion Maréchal, fundou a L’Incorrect, uma luxuosa revista destinada a um
público jovem. A linha editorial é clara: “Vamos espremer 1968!”
A L’Incorrect não é o único meio de comunicação sob a
influência da UN de Le Pen. O alcance das publicações da extrema-direita,
especialmente no seu formato online, chegou a uma tal ubiquidade em França que
já foi cunhada uma expressão para a descrever: “fachosphère”, uma esfera
fascista na Internet. Fdesouche, por exemplo, é uma abreviatura para François
Desouche. Tal como o Unzensuriert.at, o site fdesouche incita abertamente
contra emigrantes e outras minorias e tornou-se uma das plataformas mais
populares da “fachosphère”. De acordo com o site de análise e pesquisa Alexa,
em 2016 sete dos dez sites políticos da Internet mais lidos em França
pertenciam à extrema-direita. Nas eleições europeias, a UN chegou aos 24,9% do
total de votos, tornando-se no maior partido de França.
Uma das explicações para o sucesso de Le Pen pode estar no
facto de em França a influência da extrema-direita se estender aos media
conservadores tradicionais. O diário conservador Le Figaro, por exemplo, tem
como colunista Éric Zemmour, uma das estrelas da direita, que Le Pen gostaria
de ver no cargo de ministro da Cultura. Zemmour afirma publicamente que os
empregadores têm o direito de rejeitar árabes ou negros, e disse à
apresentadora de televisão francesa Hapsatou Sy, cuja mãe é originária do
Senegal, que o seu nome próprio é “um insulto à França”.
Segundo passo
Inspirar medo através de notícias falsas
Os populistas de direita auxiliam-se mutuamente a nível internacional.
A 20 de Março de 2018, pouco antes das eleições húngaras, a Duna
Médiaszolgáltató, emissora de serviço público da Hungria, abordou a Alemanha.
Numa reportagem televisiva, um homem na rua queixou-se que tinha sido obrigado
a abandonar a sua casa porque se tinham instalado emigrantes no seu bairro; uma
mulher disse que Hamburgo estava tão perigosa que apenas saía de sua casa
armada com uma lata de gás-mostarda.
Mas os entrevistados eram, afinal, dirigentes da AfD. A
fraude foi exposta por Márta Orosz, uma jornalista húngara a trabalhar no
Correctiv, um centro de investigação e pesquisa na Alemanha. Orosz indicou pelo
menos sete ocasiões em que políticos da AfD tinham falado na televisão estatal
húngara sem terem mencionado a sua filiação partidária.
Orosz trabalhara como correspondente na Alemanha para os
canais estatais húngaros. Mas quando o seu editor em Budapeste fez cortes numa
reportagem sua sobre as eleições alemãs de 2017, nomeadamente a parte de que
“nas fileiras da AfD também se incluem extremistas de direita”, demitiu-se.
No início de 2016, outro canal de televisão estatal húngaro,
o M1, emitiu imagens de violência sexual na Praça Tahrir, no Cairo, de 2012
como sendo gravações dos incidentes da passagem de ano em Colónia. Em Junho
desse ano, os húngaros ficaram a saber, através das emissoras públicas, que a
cidade alemã de Essen tinha-se renomeado como “Fasten” (Jejum), devido ao mês
muçulmano do Ramadão. Esta história tinha sido efectivamente publicada na
Alemanha, mas numa plataforma satírica.
Os editores de media franceses de extrema-direita também
olham para o exterior. Em Outubro de 2018 surgiu uma reportagem na revista
L’Incorrect, ligada à UN, sobre as “dramáticas” condições em Viena, que estava
tão “globalizada” que em determinadas áreas já não se falava alemão.
“Bem-vindos à segunda maior cidade turca a seguir a Istambul!” era a manchete
da L’Incorrect acerca do Mercado Viktor Adler, na zona de Favoriten. “À nossa
volta, mulheres de hijab empurram os seus carrinhos de bebé.” Na Hungria, por
seu lado, “o Sol brilha até no Outono”. Porque o país “é tudo menos uma
terrível ditadura, ao contrário do que afirmam os media ocidentais”.
Já os meios de comunicação social de direita da Áustria
noticiam que os húngaros a viver na Alemanha ou na Suécia fugiram desses países
“devido à emigração em massa” (no site Unzensuriert.at) ou que Angela Merkel é
“louca pela emigração” (Info-Direkt).
Terceiro passo
Difamar quem nos critica
Antoni Szpak é acusado de ter insultado o povo polaco.
Quando o presidente da República, Andrej Duda, agradeceu ao fundador da
ultrarreligiosa estação de rádio católica Rádio Maria pelo seu apoio ao partido
no poder, PiS, o humorista Szpak comentou que “apenas num país estúpido e
tacanho pode surgir uma tal paranoia”. Por causa deste comentário, o procurador
do Ministério Público “quer levá-lo a tribunal por ter insultado o povo
polaco”, escreveu o diário alemão Süddeutsche Zeitung.
O Estado polaco também está a perseguir o conhecido
jornalista Tomasz Piatek, colunista da Gazeta Wyborcza. Este publicou um
conceituado livro acerca de ligações perigosas e suspeitas entre o ministro da
Defesa, Antoni Macierewicz, a Máfia russa e os serviços secretos. Agora o
gabinete do procurador das Forças Armadas está a investigar se Piatek não terá
atacado o ministro da Defesa. Enquanto está a ser ameaçado com perseguição em
tribunal no seu país natal, Piatek recebeu o prestigiado Prémio Leipzig para a
liberdade e o futuro dos media, na Alemanha. “Apesar das cada vez mais difíceis
condições para os jornalistas, Tomasz Piatek não fica intimidado pelas ameaças
ao seu trabalho de investigação”, explicou o júri.
Na Hungria, as campanhas eleitorais recorrem a golpes
baixos. “Orbán quer quebrar o meu espírito”, afirmou Gábor Vona, então
presidente do partido húngaro de extrema-direita Jobbik, que concorria contra
Orbán, para impedir a maioria absoluta deste. Os meios de comunicação social
ligados ao Fidesz espalharam o rumor de que Vona era homossexual para tentar
condicionar os eleitores conservadores, que dificilmente apoiariam um candidato
gay, especialmente nas zonas rurais.
Por outro lado, os jornalistas que criticam demasiado Orbán
e a sua equipa acabam em listas negras. Em Abril de 2018, o jornal húngaro
pró-Fidesz Magyar Idok publicou os nomes de alegados jornalistas
antigovernamentais, incluindo numerosos correspondentes estrangeiros. E sob o
título “Os empregados do especulador”, o semanário Fygyelo publicou os nomes de
200 alegados “mercenários” ao serviço do multimilionário norte-americano de
origem húngara George Soros. Na lista surgiam também os editores do portal
noticioso Direkt36.hu, que tinha anteriormente revelado acusações de corrupção
no governo de Orbán.
Uma “rede Soros” foi também identificada na Áustria pela
revista Alles Roger?, dada a teorias da conspiração e ligada ao FPÖ. Os
supostos cabecilhas desta rede são o ex-chanceler e líder do Partido
Social-Democrata Christian Kern, o presidente Alexander Van Der Bellen, o
ex-chanceler Wolfgang Schüssel, do partido conservador (ÖVP), bem como músicos
de esquerda, activistas de direitos humanos, media liberais e até banqueiros.
Na mesma edição, na qual a Alles Roger? colocou o “plano
secreto de Soros” na capa, Herbert Kickl (FPÖ), que era na altura ministro do
Interior, concedeu uma entrevista, e o seu ministério tinha aí comprado um
espaço de publicidade a pedir candidatos para ingresso na polícia.
Quarto passo
Usar o Facebook como amplificador!
Os novos media de extrema-direita funcionam melhor em
combinação com o Facebook. Quando o ex-líder do FPÖ Heinz-Christian Strache partilhava
um post do Unzensuriert.at, da Wochenblick ou de uma página da mesma tendência
política, essa mensagem alcançava quase 800 mil seguidores no Facebook.
O pingue-pongue virtual de partilha de temas funciona muito
bem em interacção com os chamados “jornais de boulevard” — diários populares
vendidos na rua. Numa entrevista à revista mensal Fleisch, o editor-chefe do
maior site tablóide austríaco, o Krone.at, Richard Schmitt afirmou há alguns
anos: “Estamos empenhados num combate com media da extrema-direita, com o
Unzensuriert.at. e outros sites.” Mas também confirma que as suas notícias
online beneficiavam do grande alcance do ex-líder do FPÖ no Facebook: “Se
Strache partilha uma qualquer notícia normal nossa no Facebook, isso aumenta a
nossa penetração em 150%. E o mesmo acontece no sentido contrário, obviamente,
ele também obtém mais tráfego quando partilhamos os posts dele.”
Esta estratégia também é seguida por outros partidos de
extrema-direita. A dirigente do RN francês, Marine Le Pen, tem 1,5 milhões de
seguidores no Facebook; o ministro do Interior de Itália e dirigente da LEGA
(Liga Norte), Matteo Salvini, tem 3 milhões de seguidores. Salvini concentra a
estratégia online da sua LEGA no Facebook. O anterior jornal diário do partido,
La Padania, foi descontinuado em 2014; a Rádio Padania da LEGA emite apenas
online. Tudo passa pela página do seu líder no Facebook.
No Facebook Salvini faz discursos de cariz político enquanto
a sua filha de 4 anos entra e sai da imagem; o ministro do Interior da LEGA
salta para uma piscina de uma mansão da máfia que acabou de ser confiscada pela
polícia; ou então Salvini diz aos seus 3 milhões de fãs via mensagem de vídeo:
“São vocês que me pagam o salário. Apenas tenho que prestar contas a vocês.”
O líder da LEGA fala menos cordialmente sobre os
jornalistas. Em 2013, o Corriere della Sera citou-o como tendo dito que o seu
partido ia “dar um bom pontapé em alguns desses jornalistas manhosos e sem espinha”.
Os eleitores parecem atraídos por este tipo de discurso truculento. Nas últimas
europeias, Salvini obteve 34,9% do total de votos e tornou-se no maior partido
de Itália.
Salvini, amigo íntimo do FPÖ, vai ainda mais longe,
propagandeando as virtudes do mundo paralelo e “alternativo” dos media de
extrema-direita. Strache, ex-líder do FPÖ, foi orador convidado na Quarta-feira
de Cinzas Política da AfD na Baviera, Alemanha, em 2017: “Não importa qual é o
jornal que compro, não interessa qual o canal de televisão que ligo, a
cobertura é igual.” Disse ainda que percebia por que razão cada vez mais
pessoas preferem os “media alternativos”.
Quinto passo
Colocar pressão sobre a liberdade de imprensa
Na Alemanha, a AfD exclui sistematicamente jornalistas da
agenda do partido, por estes serem demasiado críticos, segundo o ponto de vista
da AfD. Repórteres do Frankfurter Allgemeine Zeitung, da Der Spiegel e das
emissoras públicas ARD e ZDF têm sido impedidos de fazer o seu trabalho. Os
líderes da AfD também não gostam de ser criticados no espectro dos meios de
comunicação social da extrema-direita. Devido a uma cobertura abertamente
crítica da AfD, foi decidido, no início de Janeiro de 2017, num encontro de
partidos europeus de extrema-direita que teve lugar na Alemanha, que a revista
de direita Compact deveria “por favor, manter-se afastada”.
Na Áustria, na noite das eleições regionais de Viena em
2015, a repórteres da revista Falter foram proibidos de entrar na tenda do FPÖ.
O secretário-geral do partido, Herbert Kickl, explicou que liberdade de
imprensa significa que o FPÖ selecciona quais os jornalistas que podem cobrir
as suas actividades eleitorais. Quando Kickl se tornou ministro do Interior da
Áustria (cargo de que foi demitido na sequência do escândalo do “vídeo de Ibiza”
envolvendo Strache), nomeou o ex-chefe do site Unzensuriert.at, Alexander
Hoferl, para director de comunicação do ministério. A sua interpretação de
liberdade de imprensa ficou clara num email de serviço, no qual o porta-voz do
ministério pedia que a polícia apenas fornecesse o mínimo de informação
legalmente exigido aos meios de comunicação “críticos”: o Standard, o Kurier e
a Falter.
Sexto passo
Adquirir uma “rádio pública”
Na Hungria e na Polónia, os populistas de direita forçaram
os canais públicos a seguir a linha do partido após este ter chegado ao poder.
Jornalistas críticos deram por si despedidos e postos na rua, e em seu lugar
colocados membros leais do partido, outros rapidamente elevados aos lugares de
executivos. Pessoas como Daniel Papp fizeram carreira assim. O antigo porta-voz
para a imprensa do partido de extrema-direita Jobbik tornou-se recentemente
director da rádio estatal húngara. Em 2011, tinha chegado às páginas dos
jornais por ter falsificado uma notícia acerca de Daniel Cohn-Bendit, político
dos Verdes e crítico de Orbán. A reportagem de Papp indicava que quando
Cohn-Bendit fora questionado numa conferência de imprensa sobre se os abusos
sexuais a crianças eram um direito fundamental na Europa, este teria abandonado
a sala em silêncio. O certo é que o político dos Verdes respondeu à questão
detalhadamente.
Desde que Orbán reestruturou os meios de comunicação social
estatais, todas as notícias para os canais públicos provêm da agência noticiosa
estatal MTI. Assim, a diversidade de conteúdos e perspectivas é excluída à
partida.
Para além disso, a MTI disponibiliza os seus conteúdos sem
custos aos canais privados húngaros. Nesta situação, tanto ganham as emissoras
comerciais como o governo. Os canais privados poupam nas despesas ao não
necessitarem de ter uma redacção própria, e o governo pode espalhar a sua
propaganda.
Quando, na Primavera de 2017, mais de 50 mil pessoas
protestaram de forma pacífica em Varsóvia contra a reforma judicial planeada
pelo partido no poder, PiS, que iria retirar competências aos órgãos judiciais
independentes, a televisão estatal denegriu os acontecimentos. Falou de
“agressão e má educação” nas ruas de Varsóvia; que os manifestantes eram
“defensoras de pedófilos”; avisou sobre um “possível golpe de Estado da
oposição”; alertou que os “amigos de Soros” estavam “a tentar derrubar o
governo polaco”; e que a revolta nas ruas era “uma tentativa de trazer
emigrantes islâmicos para a Polónia”.
O que já está totalmente implementado na Hungria e na
Polónia — onde, em vez de serviço público há canais de propaganda do governo —
está apenas a começar a acontecer na Áustria e na Itália.
Desde Outubro passado, a RAI, a radiotelevisão pública de
Itália, tem um novo patrão, Marcello Foa. O sindicato de media italianos FNSI
considerou esta decisão “um golpe mortal na independência e gestão autónoma do
serviço público de rádio e televisão”. Foa é amigo do dirigente da LEGA,
Salvini, e mantém uma boa relação com os populistas do Movimento Cinco
Estrelas, que governa o país em coligação com a Liga Norte. Foa atraiu a
atenção do público no passado, quando, no seu blogue Il Giornale, descreveu os
gays como “anormais”, as vacinas para as crianças como sendo “perigosas”, e os
denominados meios de comunicação tradicionais como “mentirosos”. O jornal
liberal-conservador La Stampa definiu o novo patrão da RAI como “um apoiante de
Putin, apoiante de Salvini, e tudo menos moderado”. A direcção e a
administração da RAI sofreram, entretanto, várias alterações.
Os populistas do Movimento Cinco Estrelas aplaudiram o
anúncio destas mudanças. “Estamos agora a embarcar numa verdadeira revolução
cultural na RAI, de forma a livrar-nos dos parasitas”, rejubilou o
vice-primeiro-ministro italiano, Luigi Di Maio.
Na Áustria, o serviço público de radiotelevisão também
estava para ser reestruturado. Quando o FPÖ ainda estava no governo, tencionava
financiar a ORF directamente através do Orçamento do Estado — pelo que o então
o director da ORF teria que ir todos os anos bater à porta do governo a pedir
financiamento, situação que levaria à perda de independência. O plano falhou
porque o governo austríaco caiu prematuramente.
Sétimo passo
Destruir financeiramente quem nos critica
Até à Primavera de 2016, o Gazeta Wyborcza era lido e
apreciado nos tribunais polacos. O diário de referência é um dos jornais de
maior circulação no país. Mas assim que os populistas de direita do PiS
chegaram ao poder, o ministério da Justiça ordenou aos tribunais que
cancelassem as assinaturas do Wyborcza. Pouco depois, outros ministérios
tomaram a mesma decisão.
Simultaneamente, o Wyborcza deixou de receber publicidade de
empresas ligadas ao Estado. Depois foram as empresas privadas que já não se
atreviam a comprar publicidade no jornal. É do conhecimento público que nenhum
contrato governamental é atribuído a empresas que tenham ligações com media
críticos. Devido a estas perdas financeiras, o Wyborcza despediu jornalistas.
Na Hungria, o maior jornal diário independente, o
Népszabadság, foi adquirido por uma empresa detida por um apoiante de Orbán e
depois simplesmente encerrado. Com a compra da editora que publicava o
Népszabadság, os apoiantes de Orbán conseguiam retirar de cena um jornal
fortemente crítico. A editora também detinha a propriedade de uma dúzia de
jornais regionais, populares nas zonas rurais. Os editores destes jornais
locais foram rapidamente substituídos por jornalistas favoráveis ao governo. O
impacto destas medidas ficou demonstrado no ano passado, quando um portal
online publicou a primeira página de todos esses jornais regionais no mesmo
dia. Todos tinham nela a mesma fotografia de Orbán, com um artigo idêntico.
Depois, na Primavera de 2018, o diário independente Magyar
Nemzet também desapareceu. Este título, fundado em 1938, sobrevivera à ocupação
nazi na clandestinidade, bem como à censura do regime comunista. Quando Lajos
Simicska, empresário húngaro e proprietário do jornal, se desentendeu com
Orbán, em 2015, o Magyar Nemzet tornou-se uma das principais vozes críticas do
regime no país. Após Orbán ter ganho as eleições parlamentares pela terceira
vez na Primavera de 2018, Simicska deixou de financiar o jornal.
Por sua vez, o serviço de notícias online húngaro Origo não
foi fechado, mas reformulado. Em Junho de 2014, o editor-chefe desta plataforma
noticiosa de grande sucesso soube da sua demissão. “Medidas de reestruturação”
foi a razão que a empresa proprietária, uma subsidiária húngara da German
Telekom, deu para justificar a sua demissão. O Origo tinha publicado
anteriormente provas de que políticos de topo do Fidesz ficavam em hotéis de
luxo pagos com o dinheiro dos contribuintes.
Hoje, os conteúdos do Origo são muito diferentes. Por
exemplo, um vídeo mostra uma mulher idosa numa igreja a ser atacada aos gritos
de “Allahu akbar!” (“Alá é Grande!”). O título era: “Europa 2017 — Queremos
mesmo isto?” Como demonstrou a revista independente HVG, o vídeo não era de um
ataque muçulmano na Europa, mas de um assalto numa igreja norte-americana dois
anos antes. O vídeo foi visto centenas de milhares de vezes e ainda está online,
apesar de ser uma farsa deliberada.
Na Polónia, os meios de comunicação social mantêm uma maior
diversidade porque vários jornais são propriedade de editoras estrangeiras. Mas
mesmo aí o governo polaco está a preparar grandes alterações. Em Julho de 2018,
a deputada Krystyna Pawlowicz, do PiS, citada pela Gazeta Wyborcza, anunciou em
frente a um grupo de media independentes no Parlamento polaco: “Depois das
férias de Verão, finalmente vamos tratar de vocês”. Não foi ainda tornada
pública qualquer lei nesse sentido, mas os jornais independentes poderão em
breve ser obrigados a limitar a quota de acções na posse de investidores
estrangeiros.
A política para a comunicação social também se alterou na
Áustria durante a estada do FPÖ no poder. Em vez dos media críticos e
independentes, subitamente foram extremistas de direita anteriormente
desconhecidos como a Wochenblick ou a Alles Roger? que começaram a receber
verbas de publicidade estatal. A ORF, pública, exibiu o ex-vice-chanceler
Strache a fortalecer os seus músculos num ginásio e o ex-ministro dos
Transportes, Norbert Hofer, a subir aos céus num avião privado.
Os eleitores do FPÖ nem sequer culparam o ex-líder do FPÖ,
Heinz-Christian Strache, por dizer abertamente no “vídeo de Ibiza” que
ambicionava restringir a liberdade de imprensa. Nem mesmo o facto de querer
usar oligarcas russos para influenciar a linha editorial do maior jornal diário
da Áustria deixou os simpatizantes do partido irritados. É verdade que Strache
teve que renunciar ao cargo de vice-chanceler por causa daquele vídeo. Mas nas
eleições europeias que aconteceram apenas uma semana depois do escândalo
rebentar, o seu FPÖ recolheu 17,2% dos votos. E o próprio Strache, apesar de
estar em último lugar na lista do partido, recebeu tantos votos preferenciais
que tem agora direito a um mandato como eurodeputado.
Nota: Este artigo, originalmente publicado na revista
austríaca Falter, foi elaborado como parte do “Europe’s Far Right”
(Extrema-Direita na Europa), um trabalho de investigação que começou na
Primavera de 2018 em Berlim e que actualmente engloba cinco países europeus. A
Falter é o parceiro austríaco desta rede. Os parceiros individuais deste
projecto são: HVG, revista semanal independente da Hungria; Libération Links,
do jornal diário liberal sedeado em Paris; taz Deutschlands linke, do jornal
diário sedeado em Berlim; Gazeta Wyborcza, jornal diário independente da
Polónia. Este texto foi finalista do European Press Prize, cujos vencedores
foram conhecidos no dia 23 de Maio, tendo sido actualizado expressamente para o
P2 em função do resultado das eleições para o Parlamento Europeu, bem como de
outros acontecimentos relevantes para a manutenção da sua actualidade.
Tradução: Eurico Monchique
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