Investidores
penalizados na venda do Novo Banco à Lone Star
Contrato
assinado com fundo americano prevê um bail-in obrigacionista: a
permuta de títulos com alguma protecção por outros de maior risco.
CRISTINA FERREIRA 1
de Abril de 2017, 7:30
O negócio de venda
do Novo Banco ao Lone Star vai forçar os obrigacionistas seniores da
instituição portuguesa a substituírem os seus títulos por
obrigações subordinadas ou perpétuas, de maior risco. A operação
de troca não era do conhecimento de todos os intervenientes e estava
ontem a acentuar a celeuma entre os investidores e o meio financeiro,
também surpreendidos com a garantia dada pelo Fundo de Resolução
de assumir perdas até 3,9 mil milhões de euros de activos
problemáticos, se necessário.
Trinta e dois meses
depois, esta sexta-feira, a história repetiu-se com os mesmos
protagonistas: Governo, Banco de Portugal e banca. E no centro, outra
vez o Novo Banco. E, pelo meio um fundo de investimento imobiliário
norte-americano classificado de “abutre” pela “gerigonça”
que apoia o primeiro-ministro. E a polémica rebentou.
O contrato já
assinado entre o Fundo de Resolução, gerido pelo Banco de Portugal,
e o Lone Star, prevê um bail-in obrigacionista: a permuta de títulos
com alguma protecção, por outros de maior risco, como condição
para a venda do Novo Banco se finalize. No total, da troca de títulos
terão de sair 500 milhões de euros de obrigações perpétuas que,
pela sua natureza, irão reforçar o capital do Novo Banco.
Embora a operação
seja voluntária, torna-se na prática obrigatória, pois coloca uma
espada sobre os investidores. É que se estes não aceitarem trocar
as suas obrigações, o banco caminha para a liquidação, arriscando
mais as suas aplicações. Terá agora de haver uma assembleia-geral
de obrigacionistas para aprovar a medida, e, assim, garantir a venda
de 75% do Novo Banco ao Lone Star. Depois fica a faltar a autorização
das entidades competentes: Banco Central Europeu e Comissão
Europeia.
A concretizar-se
toda a operação, e depois de concluída a capitalização da CGD,
António Costa fecha o último tema financeiro sensível herdado de
Pedro Passos Coelho. Ontem, em declarações públicas, o
primeiro-ministro recuperou a argumentação do líder do PSD, em
Agosto de 2014, na resolução ao BES, de que poupou os
contribuintes, mas passa a mensagem de que só interveio porque o seu
antecessor não fez o trabalho de casa.
Com a aproximação
de Agosto de 2017, a data para fechar o Novo Banco, o
primeiro-ministro evocou, nos bastidores, urgência no dossiê. Desde
logo porque as restantes vias que se abriam não eram as favoráveis:
a falência ou a nacionalização. Ambas as soluções manteriam
vivas as preocupações em torno da banca, para além de porem em
causa as metas macroeconómicas, num momento em que o desemprego está
a cair, o PIB a crescer mais do que o previsto e há a expectativa de
saída do procedimento por défice excessivo.
E foi neste cenário
que ontem, ao final da tarde, António Costa apareceu ao lado do
ministro das Finanças, Mário Centeno, sorridente a passar
mensagens: o negócio foi concluído, evita a liquidação e, não
terá envolvimento directo do Estado. Só o sistema financeiro irá
sofrer os custos. E apenas se os encargos decorrentes do seu
envolvimento, através do Fundo de Resolução, subirem. Isto, porque
a “garantia” de 3,9 milhões de euros passa a ser uma
contingência colocada no Fundo de Resolução, que será usada se o
rácio de capital da instituição descer abaixo dos 12,5%. E só em
resultado da desvalorização dos activos problemáticos, e caso os
aumentos de capital que o Lone Star irá fazer (que serão de mil
milhões) e a actividade não gerar lucros que tapem o défice. Na
substância, trata-se de uma garantia dada ao investidor
norte-americano pelo Fundo de Resolução.
Banca na expectativa
Apesar de a APB já
ter reclamado, a solução dificilmente desencadeará um movimento
generalizado de contestação no sector bancário (que financia o
Fundo de Resolução), pois o impacto nas contas não é imediato. Se
as responsabilidades para com o Novo Banco dispararem, dos actuais
4,9 mil milhões até, no máximo, 8,6 mil milhões, a prestação
que hoje é paga ao Estado não se altera.
Fontes do sector
consultadas, esta sexta-feira, pelo PÚBLICO foram claras:
comentários só no fim do jogo. É o mesmo que dizer que só se vão
pronunciar quando souberem o preço que vão pagar para “salvarem”
o Novo Banco da liquidação. Questionam ainda o facto de também
terem carteiras inundadas de activos problemáticos e de não
receberem ajuda do Fundo de Resolução.
Mas no final, vai
prevalecer o pragmatismo dos banqueiros: o tema está fechado e os
danos adicionais são a perder de vista, no mínimo para além de
2046. E todos, BCP, BPI, Santander, por exemplo, optaram por se
colocar na posição de espectadores, sem avançar com ofertas de
compra do Novo Banco, que manterá António Ramalho como presidente.
Nas próximas
semanas, à mediada que os detalhes da operação forem sendo
conhecidos, a banca vai apurar o impacto do aumento da sua exposição
ao Fundo de Resolução. E, evidentemente avaliar até que ponto há
condições para reagir juridicamente. Um conflito com as autoridades
é incerto e será sempre prolongado e com efeitos na imagem do
sector cuja credibilidade, desde a crise de 2008, se tem degradado
por erros de governação e actos dolosos de alguns gestores. E no
combate com os partidos, que tem um tempo de curto de acção, os
banqueiros perdem sempre. Não se espera, por isso, nenhum vento de
revolta a agitar o mundo da alta finança.
Sem comentários:
Enviar um comentário