Sim! É preciso desligar a
música acima de tudo nos bares , esplanadas , quiosques, etc., que aterrorizam os moradores durante o dia e a noite nas principais
cidades de Portugal !
OVOODOCORVO
É
preciso desligar a música!
VÍTOR BELANCIANO
29/09/2016 – PÚBLICO
Vivemos
imersos na cultura do ruído. Não é apenas a música ou a TV
ligada. São os motores. Os altifalantes. Os alarmes.
As grandes
transformações culturais e comportamentais são lentas. Uma das que
tive a sorte de assistir no meu tempo de existência prende-se com a
nossa relação com o ambiente, a ecologia, a natureza. Há 20 anos
ia-se à praia e havia lixo por toda a parte. A repartição de lixos
era utopia. Fumava-se em todo o lado. E o aquecimento global não era
uma questão.
Claro que algumas
destas conquistas não estão consolidadas, mas passaram a estar na
ordem do dia e os cidadãos estão conscientes delas. Mas ecologia
não é apenas resíduos ou efeito estufa. É também som, ruído,
barulho, omnipresença de música nos espaços públicos. E nesse
campo, apesar de eventos como o recente Lisboa Soa – que decorreu
em Setembro pela primeira vez – que pretendem mentalizar-nos para
as questões sociais do som, ainda está quase tudo por fazer em
Portugal.
Há poucos meses, em
Roterdão, na Holanda, ao entrar na Estação Central da cidade
fiquei perplexo pela quase ausência de ruído num espaço público
que por norma é barulhento pela combinação de milhares de pessoas,
altifalantes, motores ou máquinas. Ali a concepção arquitectónica,
o design e a iluminação do espaço atenuam o ruído. Percebe-se que
arquitectos, urbanistas ou sonoplastas trabalharam em conjunto,
pensando o espaço a partir da acústica e propriedades sonoras.
Ali parece existir a
consciência que vivemos rodeados de ruído e isso afecta o ambiente,
a qualidade da comunicação e a nossa saúde física e psicológica.
Essa compreensão é limitada em Portugal. Não somos o único país
onde música de fundo impera em bares, restaurantes, centros
comerciais, lojas, transportes ou aeroportos. Ou onde as pessoas se
sentam de manhã à noite, em cafés, de frente para as televisões.
Ou onde a iluminação dos espaços públicos (os restaurantes são
um exemplo) é descuidada (e na verdade luz e som são
indissociáveis, bastando entender que os indivíduos tendem a falar
mais baixo com iluminação envolvente).
Não tenho dados
científicos para o afirmar, mas de uma forma impressionista diria
que aqui esses ambientes são notórios e esses comportamentos são
intensos. Vivemos imersos na cultura do ruído. Não é apenas a
música ou a TV ligada. São os motores. Os altifalantes. Os alarmes.
Os locais de diversão nocturna até de manhã. O falar alto. Uma
cacofonia que se tornou normalidade, talvez porque associamos o rumor
ao prazer ou à festa. De alguma forma reproduzimos isso no
quotidiano, como se acreditássemos que sendo barulhentos
legitimássemos perante os outros que somos bem-sucedidos ou que
estamos a desfrutar de algo.
Ninguém sabe como
tudo começou. Talvez mimetismo. Mas a verdade é que hoje esses
hábitos estão enraizados. Entra-se num espaço público e vemos as
pessoas fascinadas com o olhar dirigido para os ecrãs, ou absortas
pela música que não pára, como se existisse medo do silêncio, que
obriga a pensar. É como se necessitássemos de som à volta, em todo
o lado, a toda a hora, para confirmar que existimos, o que
paradoxalmente nos torna indiferentes perante a verdadeira
experiência da música.
Sim, eu sei, as
mudanças a sério são lentas. Mas espero que seja possível
assistir à mudança de hábitos em relação ao som que nos circunda
e que por vezes mais se parece substituir ao ar que respiramos. Não
é preciso ser-se radical. Nem sempre é preciso desligá-lo, mas é
necessário enquadrá-lo, pensá-lo, estarmos conscientes das suas
faculdades e efeitos nocivos, para que possamos ter com ele uma
relação mais saudável.