De cavalo para burro
Por Eduardo
Oliveira Silva
publicado em 2
Jul 2014 in
(jornal) i online
Está-se a
verificar um claro retrocesso na ligação dos cidadãos à administração pública
Sobretudo desde o
governo de António Guterres houve uma política destinada a melhorar a relação
dos cidadãos com a administração pública, utilizando o que na altura se chamava
as novas tecnologias de informação. Durão Barroso, Santana Lopes e José
Sócrates, este último com o chamado Simplex, vieram a seguir e não abandonaram
a estratégia, através da qual se criaram sistemas de atendimento e se reduziram
custos de contexto.
Além de facilitar
o acesso pessoal e directo, foram-se desenvolvendo mecanismos de resolução de
muitas questões através da internet, com especial relevância para a área fiscal
e de relação com as empresas. Tratou-se de uma evolução constante e positiva.
As lojas do cidadão, que surgiram primeiro em Lisboa e depois noutras cidades,
foram um dos grandes marcos desse progresso e tornaram-se uma referência.
Hoje em dia,
porém, está a verificar-se um enorme retrocesso na política de proximidade. Em
Lisboa, por exemplo, fechou-se a Loja dos Restauradores, que servia também a
Margem Sul, mas não se criou a alternativa prometida. Agora é ver o que se
passa, por exemplo, na Loja das Laranjeiras, para onde as pessoas se dirigem
ainda de madrugada para marcar vez e onde se mantêm depois longas horas após a
abertura.
Este retrocesso
de dezenas de anos está patente num conjunto de outras coisas, como os serviços
do IMTT, que levam meses a renovar as cartas de condução, causando problemas
complicados aos seus titulares. É, aliás, importante referir que a renovação
quinquenal a partir dos 50 anos é uma decisão estranha, que merecia uma
rigorosa averiguação. De facto, numa altura em que vivemos mais anos e estamos
aptos a trabalhar até aos 66, como aceitar que estejamos gastos para guiar aos
50? Malandrice, diria Raul Solnado.
Aos casos do
Simplex e das lojas do cidadão, ou seja, os da relação directa com as pessoas,
poderiam juntar-se muitos outros na área da saúde, da justiça ou da segurança,
em que os quadros de pessoal têm sido reduzidos e em que os funcionários têm
sido deslocalizados de forma irracional.
Apesar da
multiplicação de denúncias, o actual governo não tem desenvolvido qualquer
política efectiva para ao menos evitar a degradação evidente. Trata-se de uma
situação gravíssima, não só pelo retrocesso civilizacional que representa, mas
também, e talvez até sobretudo, pelos custos elevadíssimos que tem. Anos depois
voltam a perder-se horas e dias inteiros de trabalho para tratar de um papel
oficial. A situação perturba quem trabalha e custa milhões e milhões. Quanto
aos que precisam da Segurança Social, quase se diria que o esquema agora
montado existe para os fazer prescindir dos seus direitos ou atrasar os seus
efeitos. Há qualquer coisa de perverso nesta situação, que é diariamente
retratada pela comunicação social. Noutros países europeus, apesar das reduções
de efectivos, a relação do cidadão com a administração pública tem vindo a
melhorar, salvo normalmente no caso da fiscalidade, em que a conflitualidade se
agudizou, como se vê entre nós com os sucessivos casos do IMI.
No país que inventou
a Via Verde e os telemóveis com pré-pagamento e em que o multibanco torna
ineditamente possível inúmeras operações, houve um tempo em que se registaram
também constantes melhorias no contacto directo com o cidadão. Hoje,
lamentavelmente, estamos a retroceder. Passámos de cavalo para burro.
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