terça-feira, 1 de julho de 2014

De cavalo para burro

"Hoje em dia, porém, está a verificar-se um enorme retrocesso na política de proximidade. Em Lisboa, por exemplo, fechou-se a Loja dos Restauradores, que servia também a Margem Sul, mas não se criou a alternativa prometida. Agora é ver o que se passa, por exemplo, na Loja das Laranjeiras, para onde as pessoas se dirigem ainda de madrugada para marcar vez e onde se mantêm depois longas horas após a abertura."

De cavalo para burro
Por Eduardo Oliveira Silva
publicado em 2 Jul 2014 in (jornal) i online

Está-se a verificar um claro retrocesso na ligação dos cidadãos à administração pública
Sobretudo desde o governo de António Guterres houve uma política destinada a melhorar a relação dos cidadãos com a administração pública, utilizando o que na altura se chamava as novas tecnologias de informação. Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates, este último com o chamado Simplex, vieram a seguir e não abandonaram a estratégia, através da qual se criaram sistemas de atendimento e se reduziram custos de contexto.
Além de facilitar o acesso pessoal e directo, foram-se desenvolvendo mecanismos de resolução de muitas questões através da internet, com especial relevância para a área fiscal e de relação com as empresas. Tratou-se de uma evolução constante e positiva. As lojas do cidadão, que surgiram primeiro em Lisboa e depois noutras cidades, foram um dos grandes marcos desse progresso e tornaram-se uma referência.
Hoje em dia, porém, está a verificar-se um enorme retrocesso na política de proximidade. Em Lisboa, por exemplo, fechou-se a Loja dos Restauradores, que servia também a Margem Sul, mas não se criou a alternativa prometida. Agora é ver o que se passa, por exemplo, na Loja das Laranjeiras, para onde as pessoas se dirigem ainda de madrugada para marcar vez e onde se mantêm depois longas horas após a abertura.
Este retrocesso de dezenas de anos está patente num conjunto de outras coisas, como os serviços do IMTT, que levam meses a renovar as cartas de condução, causando problemas complicados aos seus titulares. É, aliás, importante referir que a renovação quinquenal a partir dos 50 anos é uma decisão estranha, que merecia uma rigorosa averiguação. De facto, numa altura em que vivemos mais anos e estamos aptos a trabalhar até aos 66, como aceitar que estejamos gastos para guiar aos 50? Malandrice, diria Raul Solnado.
Aos casos do Simplex e das lojas do cidadão, ou seja, os da relação directa com as pessoas, poderiam juntar-se muitos outros na área da saúde, da justiça ou da segurança, em que os quadros de pessoal têm sido reduzidos e em que os funcionários têm sido deslocalizados de forma irracional.
Apesar da multiplicação de denúncias, o actual governo não tem desenvolvido qualquer política efectiva para ao menos evitar a degradação evidente. Trata-se de uma situação gravíssima, não só pelo retrocesso civilizacional que representa, mas também, e talvez até sobretudo, pelos custos elevadíssimos que tem. Anos depois voltam a perder-se horas e dias inteiros de trabalho para tratar de um papel oficial. A situação perturba quem trabalha e custa milhões e milhões. Quanto aos que precisam da Segurança Social, quase se diria que o esquema agora montado existe para os fazer prescindir dos seus direitos ou atrasar os seus efeitos. Há qualquer coisa de perverso nesta situação, que é diariamente retratada pela comunicação social. Noutros países europeus, apesar das reduções de efectivos, a relação do cidadão com a administração pública tem vindo a melhorar, salvo normalmente no caso da fiscalidade, em que a conflitualidade se agudizou, como se vê entre nós com os sucessivos casos do IMI.

No país que inventou a Via Verde e os telemóveis com pré-pagamento e em que o multibanco torna ineditamente possível inúmeras operações, houve um tempo em que se registaram também constantes melhorias no contacto directo com o cidadão. Hoje, lamentavelmente, estamos a retroceder. Passámos de cavalo para burro.

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