sexta-feira, 25 de março de 2022

Um caso de plágio / Moedas diz que caso de plágio de Moura-Carvalho está “resolvido” e rejeita consequências políticas

 


OPINIÃO

Um caso de plágio

 

Partes da dissertação de mestrado Arte, Redenção e Transformação: A Experiência da Sociedade Teatro Livre (1902-1908), que tive o privilégio de orientar, foram plagiadas por aquele que, à hora em que escrevo estas linhas, é ainda diretor municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, o jurista Carlos Moura-Carvalho.

 

José Neves

24 de Março de 2022, 7:00

https://www.publico.pt/2022/03/24/culturaipsilon/opiniao/caso-plagio-1999861

 

A orientação de dissertações de mestrado e de teses de doutoramento é uma das tarefas mais gratificantes que cabe a um professor universitário desempenhar. Pelo menos é o que me diz a minha experiência. Se a posição de orientador me confere a missão de ensinar e supervisionar outrem, o desempenho desta tarefa tem-me feito aprender e receber dos estudantes mais do que aquilo que lhes terei aportado. Talvez seja por isso que nunca me tenha sentido autorizado a escrever artigos científicos com aquelas e aqueles que vou tendo o privilégio de orientar.

 

A dissertação de mestrado Arte, Redenção e Transformação: A Experiência da Sociedade Teatro Livre (1902-1908) foi defendida na Universidade Nova de Lisboa em 2011. A sua autora foi Cláudia Figueiredo. O trabalho foi o resultado de um esforço de investigação rigoroso, sólido e criativo. O texto pode ser lido por quem quer que seja, uma vez que está disponível em acesso aberto no repositório da Universidade Nova de Lisboa. Trata-se de uma monografia que contribui para a história do Teatro Livre, sociedade teatral que operou em Lisboa na primeira década do século XX, agrupando gente de diferente proveniência político-ideológica, de libertários a republicanos, passando por socialistas, quase todos navegando na órbita do movimento operário da época.

 

Conforme foi demonstrado pelo jornal PÚBLICO há um par de dias, partes desta tese, que tive o privilégio de orientar, foram plagiadas por aquele que, à hora em que escrevo estas linhas, é ainda diretor municipal de Cultura da Câmara Municipal de Lisboa, o jurista Carlos Moura-Carvalho. Perante a demonstração do jornal, o próprio jurista, que é também especialista em direitos de autor, afirmou que o caso era “inacreditável”. Já o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que fez de Moura-Carvalho o novo diretor municipal de Cultura, veio a público desvalorizar o sucedido. Carlos Moedas afirmou, entre outras coisas, que se tratava de “um caso antigo” e que o autor do plágio havia já “resolvido” a questão junto de quem fora por si plagiado.

 

Deixando de lado a questão da antiguidade de um caso que remonta há pouco mais de três anos, chamo a atenção para o facto de não ser verdade que o plagiador tenha “resolvido” o assunto. Pelo inverso, não reconheceu perante o PÚBLICO o plágio de partes de uma outra tese de mestrado, esta defendida na Universidade de Lisboa, da autoria de Laurinda Ferreira, intitulada À Luz da Estrela: O Teatro da Natureza no Jardim da Estrela, 1911. Neste caso, trata-se de um estudo sobre uma companhia portuguesa de teatro que, durante o Verão de 1911, fez do Jardim da Estrela, em Lisboa, o seu palco, participando assim de um processo de difusão internacional da prática do teatro ao ar livre.

 

Carlos Moedas foi comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação entre 2014 e 2019. Quando foi nomeado para o cargo, não se lhe conhecia particular aptidão para o mesmo. Há quem diga, porém, que terá desempenhado as funções de forma competente. Durante esse período, ter-se-á empenhado na definição de regras elementares de ética em matéria de investigação científica. E foi certamente nesses anos que a Comissão Europeia fez seu o Código Europeu de Conduta para Integridade na Investigação. Neste documento, identifica-se o plágio como uma de três formas particularmente graves de violação dos deveres a que um autor está vinculado. Por plágio entende-se aí: “Usar o trabalho e as ideias de outros sem dar o devido crédito à fonte original.” Foi isso que Moura-Carvalho fez de forma repetida.

 

É verdade que o engenheiro Carlos Moedas já não é comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, mas, por ironia do destino talvez, foi a esse pretexto que há poucas semanas o título de doutor Honoris Causa lhe foi atribuído pela mesma Universidade Nova de Lisboa em que tantas e tantos estudantes – que eu e outros colegas temos o privilégio de acompanhar – realizam as suas investigações de mestrado e doutoramento. Muitos destes estudantes fazem-no em condições económicas e pessoais difíceis, sem perspetiva de um futuro profissional na investigação, mas fazem-no animados desde logo pelo gosto e prazer que a investigação científica lhes proporcione. A maior parte dessas teses, assim como tantas outras que são realizadas pelo país fora, não chegam sequer a ser publicadas, porque a principal motivação de muitos dos seus autores não é a obtenção de um estatuto público de autoria, menos ainda a distinção conferida pela pompa e circunstância de um título Honoris Causa.

 

Não votei no engenheiro Carlos Moedas para presidir à cidade em que nasci e vivo. Colegas e amigos que o fizeram transmitem-me uma imagem de seriedade referindo-se a ele. Desconheço, também, a política cultural que Carlos Moedas tem para a cidade que prometeu converter numa “fábrica de unicórnios”. Mas estou certo que mesmo este desígnio poderá compadecer-se com uma mínima noção de princípios elementares de integridade e ética.

 

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Moedas diz que caso de plágio de Moura-Carvalho está “resolvido” e rejeita consequências políticas

 

O presidente da Câmara de Lisboa esclareceu esta terça-feira que se informou sobre o indício de plágio que terá sido praticado pelo director municipal de Cultura num livro de 2018 e que o caso ficou “encerrado”, já que foi resolvido entre Moura-Carvalho e os lesados.

 

Ana Bacelar Begonha

22 de Março de 2022, 18:41

https://www.publico.pt/2022/03/22/culturaipsilon/noticia/moedas-caso-plagio-mouracarvalho-resolvido-rejeita-consequencias-politicas-1999715

 

“É um caso antigo e já foi resolvido entre os autores”, disse esta terça-feira ao PÚBLICO o presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, em reacção aos indícios de plágio num livro do director municipal de Cultura, Carlos Moura-Carvalho.

 

“Telefonei imediatamente ao director municipal para saber o que se passava porque estes casos são graves, mas para mim ficou resolvido”, defendeu o autarca no fim da apresentação do programa “Abril em Lisboa” da EGEAC, que decorreu no Teatro São Luiz.

 

Depois de Moura-Carvalho dizer em resposta ao PÚBLICO que se trata de um “erro inconsciente” e de um “lamentável lapso”, Moedas vem agora referir-se ao caso como “não intencional” e “encerrado”, já que remonta a 2018.

 

Questionado sobre possíveis consequências políticas, o presidente da Câmara de Lisboa defendeu que “todos temos direito a errar se corrigirmos o erro” e garantiu que, neste caso, “esse erro foi corrigido e falado com as pessoas em causa”.

 

Assegurando que, de momento, não tem mais informações sobre o assunto, o autarca prometeu ainda que estará “sempre alerta a este tipo de situações” e agradeceu à comunicação social por “trazer a lume” o caso.

 

Um Homem Livre, publicado pela editora Alêtheia em 2018, é um ensaio sobre a participação do bisavô de Carlos Moura-Carvalho no movimento cultural anarquista, com um enfoque na criação do Teatro Livre, uma experiência de teatro social que surgiu no início do século XX. A obra do actual director de Cultura da CML contém uma série de excertos com fortes semelhanças a duas teses de mestrado, defendidas anos antes em universidades de Lisboa.

 

Em causa estão “Arte, Redenção e Transformação: a experiência da Sociedade Teatro Livre (1902-1908)”, da autoria de Cláudia Figueiredo, uma monografia sobre essa experiência teatral e o seu significado político, concluída em 2011; e “À luz da Estrela: O Teatro da Natureza no Jardim da Estrela (1911)”, de Laurinda Ferreira, dissertação defendida em 2014 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, no âmbito do mestrado em Estudos de Teatro.

 

A primeira autora terá feito um acordo com Moura-Carvalho, confirmado pelo próprio director de Cultura da CML, para ultrapassar o caso, como sugere o presidente da Câmara de Lisboa. O mesmo não aconteceu com a outra tese.

 

Laurinda Ferreira, autora da dissertação sobre o Teatro da Natureza, foi surpreendida com a situação quando questionada pelo PÚBLICO, na semana passada. Também uma das orientadoras, Anabela Mendes, e a directora do mestrado, Maria João Brilhante, desconheciam a existência do possível plágio até terem sido contactadas. O caso está agora sob análise pela Comissão de Ética da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, a quem compete decidir se a instituição de ensino avança para uma queixa por plágio contra o director de Cultura da Câmara de Lisboa.

 

Em resposta ao PÚBLICO, Carlos Moura-Carvalho também admitiu desconhecer este segundo caso: “Desconheço completamente esta situação, mas irei apurar.”

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