OPINIÃO
Um caso de plágio
Partes da dissertação de mestrado Arte, Redenção e
Transformação: A Experiência da Sociedade Teatro Livre (1902-1908), que tive o
privilégio de orientar, foram plagiadas por aquele que, à hora em que escrevo
estas linhas, é ainda diretor municipal de Cultura da Câmara Municipal de
Lisboa, o jurista Carlos Moura-Carvalho.
José Neves
24 de Março de
2022, 7:00
https://www.publico.pt/2022/03/24/culturaipsilon/opiniao/caso-plagio-1999861
A orientação de
dissertações de mestrado e de teses de doutoramento é uma das tarefas mais
gratificantes que cabe a um professor universitário desempenhar. Pelo menos é o
que me diz a minha experiência. Se a posição de orientador me confere a missão
de ensinar e supervisionar outrem, o desempenho desta tarefa tem-me feito
aprender e receber dos estudantes mais do que aquilo que lhes terei aportado.
Talvez seja por isso que nunca me tenha sentido autorizado a escrever artigos
científicos com aquelas e aqueles que vou tendo o privilégio de orientar.
A dissertação de
mestrado Arte, Redenção e Transformação: A Experiência da Sociedade Teatro
Livre (1902-1908) foi defendida na Universidade Nova de Lisboa em 2011. A sua
autora foi Cláudia Figueiredo. O trabalho foi o resultado de um esforço de
investigação rigoroso, sólido e criativo. O texto pode ser lido por quem quer
que seja, uma vez que está disponível em acesso aberto no repositório da
Universidade Nova de Lisboa. Trata-se de uma monografia que contribui para a
história do Teatro Livre, sociedade teatral que operou em Lisboa na primeira
década do século XX, agrupando gente de diferente proveniência
político-ideológica, de libertários a republicanos, passando por socialistas,
quase todos navegando na órbita do movimento operário da época.
Conforme foi
demonstrado pelo jornal PÚBLICO há um par de dias, partes desta tese, que tive
o privilégio de orientar, foram plagiadas por aquele que, à hora em que escrevo
estas linhas, é ainda diretor municipal de Cultura da Câmara Municipal de
Lisboa, o jurista Carlos Moura-Carvalho. Perante a demonstração do jornal, o
próprio jurista, que é também especialista em direitos de autor, afirmou que o
caso era “inacreditável”. Já o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, que
fez de Moura-Carvalho o novo diretor municipal de Cultura, veio a público
desvalorizar o sucedido. Carlos Moedas afirmou, entre outras coisas, que se
tratava de “um caso antigo” e que o autor do plágio havia já “resolvido” a
questão junto de quem fora por si plagiado.
Deixando de lado
a questão da antiguidade de um caso que remonta há pouco mais de três anos,
chamo a atenção para o facto de não ser verdade que o plagiador tenha
“resolvido” o assunto. Pelo inverso, não reconheceu perante o PÚBLICO o plágio
de partes de uma outra tese de mestrado, esta defendida na Universidade de
Lisboa, da autoria de Laurinda Ferreira, intitulada À Luz da Estrela: O Teatro
da Natureza no Jardim da Estrela, 1911. Neste caso, trata-se de um estudo sobre
uma companhia portuguesa de teatro que, durante o Verão de 1911, fez do Jardim
da Estrela, em Lisboa, o seu palco, participando assim de um processo de
difusão internacional da prática do teatro ao ar livre.
Carlos Moedas foi
comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação entre 2014 e 2019.
Quando foi nomeado para o cargo, não se lhe conhecia particular aptidão para o
mesmo. Há quem diga, porém, que terá desempenhado as funções de forma competente.
Durante esse período, ter-se-á empenhado na definição de regras elementares de
ética em matéria de investigação científica. E foi certamente nesses anos que a
Comissão Europeia fez seu o Código Europeu de Conduta para Integridade na
Investigação. Neste documento, identifica-se o plágio como uma de três formas
particularmente graves de violação dos deveres a que um autor está vinculado.
Por plágio entende-se aí: “Usar o trabalho e as ideias de outros sem dar o
devido crédito à fonte original.” Foi isso que Moura-Carvalho fez de forma
repetida.
É verdade que o
engenheiro Carlos Moedas já não é comissário europeu para a Investigação,
Ciência e Inovação, mas, por ironia do destino talvez, foi a esse pretexto que
há poucas semanas o título de doutor Honoris Causa lhe foi atribuído pela mesma
Universidade Nova de Lisboa em que tantas e tantos estudantes – que eu e outros
colegas temos o privilégio de acompanhar – realizam as suas investigações de
mestrado e doutoramento. Muitos destes estudantes fazem-no em condições
económicas e pessoais difíceis, sem perspetiva de um futuro profissional na
investigação, mas fazem-no animados desde logo pelo gosto e prazer que a
investigação científica lhes proporcione. A maior parte dessas teses, assim
como tantas outras que são realizadas pelo país fora, não chegam sequer a ser
publicadas, porque a principal motivação de muitos dos seus autores não é a
obtenção de um estatuto público de autoria, menos ainda a distinção conferida
pela pompa e circunstância de um título Honoris Causa.
Não votei no
engenheiro Carlos Moedas para presidir à cidade em que nasci e vivo. Colegas e
amigos que o fizeram transmitem-me uma imagem de seriedade referindo-se a ele.
Desconheço, também, a política cultural que Carlos Moedas tem para a cidade que
prometeu converter numa “fábrica de unicórnios”. Mas estou certo que mesmo este
desígnio poderá compadecer-se com uma mínima noção de princípios elementares de
integridade e ética.
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Moedas diz que caso de plágio de Moura-Carvalho está
“resolvido” e rejeita consequências políticas
O presidente da Câmara de Lisboa esclareceu esta
terça-feira que se informou sobre o indício de plágio que terá sido praticado
pelo director municipal de Cultura num livro de 2018 e que o caso ficou
“encerrado”, já que foi resolvido entre Moura-Carvalho e os lesados.
Ana Bacelar
Begonha
22 de Março de
2022, 18:41
“É um caso antigo
e já foi resolvido entre os autores”, disse esta terça-feira ao PÚBLICO o
presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Carlos Moedas, em reacção aos
indícios de plágio num livro do director municipal de Cultura, Carlos
Moura-Carvalho.
“Telefonei imediatamente
ao director municipal para saber o que se passava porque estes casos são
graves, mas para mim ficou resolvido”, defendeu o autarca no fim da
apresentação do programa “Abril em Lisboa” da EGEAC, que decorreu no Teatro São
Luiz.
Depois de
Moura-Carvalho dizer em resposta ao PÚBLICO que se trata de um “erro
inconsciente” e de um “lamentável lapso”, Moedas vem agora referir-se ao caso
como “não intencional” e “encerrado”, já que remonta a 2018.
Questionado sobre
possíveis consequências políticas, o presidente da Câmara de Lisboa defendeu
que “todos temos direito a errar se corrigirmos o erro” e garantiu que, neste
caso, “esse erro foi corrigido e falado com as pessoas em causa”.
Assegurando que,
de momento, não tem mais informações sobre o assunto, o autarca prometeu ainda
que estará “sempre alerta a este tipo de situações” e agradeceu à comunicação
social por “trazer a lume” o caso.
Um Homem Livre,
publicado pela editora Alêtheia em 2018, é um ensaio sobre a participação do
bisavô de Carlos Moura-Carvalho no movimento cultural anarquista, com um
enfoque na criação do Teatro Livre, uma experiência de teatro social que surgiu
no início do século XX. A obra do actual director de Cultura da CML contém uma
série de excertos com fortes semelhanças a duas teses de mestrado, defendidas
anos antes em universidades de Lisboa.
Em causa estão
“Arte, Redenção e Transformação: a experiência da Sociedade Teatro Livre
(1902-1908)”, da autoria de Cláudia Figueiredo, uma monografia sobre essa experiência
teatral e o seu significado político, concluída em 2011; e “À luz da Estrela: O
Teatro da Natureza no Jardim da Estrela (1911)”, de Laurinda Ferreira,
dissertação defendida em 2014 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
no âmbito do mestrado em Estudos de Teatro.
A primeira autora
terá feito um acordo com Moura-Carvalho, confirmado pelo próprio director de
Cultura da CML, para ultrapassar o caso, como sugere o presidente da Câmara de
Lisboa. O mesmo não aconteceu com a outra tese.
Laurinda
Ferreira, autora da dissertação sobre o Teatro da Natureza, foi surpreendida
com a situação quando questionada pelo PÚBLICO, na semana passada. Também uma
das orientadoras, Anabela Mendes, e a directora do mestrado, Maria João
Brilhante, desconheciam a existência do possível plágio até terem sido
contactadas. O caso está agora sob análise pela Comissão de Ética da Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa, a quem compete decidir se a instituição de
ensino avança para uma queixa por plágio contra o director de Cultura da Câmara
de Lisboa.
Em resposta ao
PÚBLICO, Carlos Moura-Carvalho também admitiu desconhecer este segundo caso:
“Desconheço completamente esta situação, mas irei apurar.”

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