quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

𝗟𝗲𝗴𝗶𝘀𝗹𝗮𝘁𝗶𝘃𝗮𝘀 𝟮𝟬𝟮𝟮 - Rui Rio e André Ventura em debate na SIC


 


EDITORIAL

O centro de Rui Rio soçobrou com Ventura

 

Ao recusar um enfrentamento directo e uma rejeição liminar da ideologia do Chega e, pelo contrário, ao aceitar procurar um lado menos mau do seu discurso, Rui Rio promoveu Ventura por via da normalização.

 

Manuel Carvalho

4 de Janeiro de 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/01/04/politica/editorial/centro-rui-rio-socobrou-ventura-1990785

 

O debate entre Rui Rio e André Ventura não foi debate nenhum, porque é impossível debater factos, ideias ou programas com um político altamente eficaz na arte de torpedear e anular o discurso do adversário como o líder do Chega. É exagerado concluir, como fez o PS, que o Rio e Ventura “negociaram em directo” um acordo político, ou sequer que o líder do PSD “transacionou valores” e ultrapassou “linhas vermelhas” do discurso populista, como observou António Costa. Pode-se sim dizer que um Rui Rio acossado pela pose ardilosa do seu oponente caiu numa cilada e mostrou que, afinal, o centro político que defende descai com facilidade para o campo da direita iliberal que tanto diz combater.

 

Que Rui Rio jamais foi um campeão da defesa dos direitos, liberdades e garantias já se sabia. Ele sempre se assumiu como um democrata da linha dura, empenhado em pôr magistrados judiciais, políticos, funcionários ou jornalistas na ordem. Não o ofende a existência de apoios sociais (como disse e repetiu no debate), mas se não vocifera contra os supostos beneficiários com “Mercedes à porta”, na abusiva imagem de Ventura, lá no fundo acredita que esses apoios são um pretexto para se fugir à responsabilidade do trabalho.

 

Quando foi presidente da Câmara do Porto, lançou um programa para “erradicar arrumadores” de automóveis que incluiu um pedido (aceite por um chefe da PSP) de detenção para a sua identificação – a Procuradoria-Geral da República esclareceria que essa prática não tinha “efectivo suporte legal, nem qualquer legitimação à luz das normas constitucionais”.

 

Perante o extremismo de Ventura em matéria de direitos, Rio tinha duas opções: ou censurava as generalizações abusivas do comportamento de cidadãos de etnia cigana, protestava contra a castração de pedófilos, recusava a imagem delinquente colada aos beneficiários do RSI e batia-se contra a prisão perpétua, ou respondia aos desafios do seu oponente com um “não, mas”. Rio foi por este caminho.

 

Nas questões a que foi forçado a responder pela dinâmica de Ventura, claudicou. Não recusou liminarmente a prisão perpétua, nem combateu a generalização perigosa dos beneficiários do RSI que os despe de humanidade e os transforma em parasitas.

 

Nada disto significa que Rui Rio tenha passado linhas vermelhas, que tenha revelado poses populistas ou antidemocráticas. Contudo, ao recusar um enfrentamento directo e uma rejeição liminar da ideologia do Chega e, pelo contrário, ao aceitar procurar um lado menos mau do seu discurso, promoveu Ventura por via da normalização.

 

Para quem se reclama do centro, falhou. Fosse por má forma, pelas armadilhas de Ventura ou por pura convicção, pareceu demasiado inclinado para aquela direita que a social-democracia detesta.


Sem comentários: