EDITORIAL
O centro de Rui Rio soçobrou com Ventura
Ao recusar um enfrentamento directo e uma rejeição
liminar da ideologia do Chega e, pelo contrário, ao aceitar procurar um lado
menos mau do seu discurso, Rui Rio promoveu Ventura por via da normalização.
Manuel Carvalho
4 de Janeiro de
2022, 21:30
https://www.publico.pt/2022/01/04/politica/editorial/centro-rui-rio-socobrou-ventura-1990785
O debate entre
Rui Rio e André Ventura não foi debate nenhum, porque é impossível debater
factos, ideias ou programas com um político altamente eficaz na arte de
torpedear e anular o discurso do adversário como o líder do Chega. É exagerado
concluir, como fez o PS, que o Rio e Ventura “negociaram em directo” um acordo
político, ou sequer que o líder do PSD “transacionou valores” e ultrapassou
“linhas vermelhas” do discurso populista, como observou António Costa. Pode-se
sim dizer que um Rui Rio acossado pela pose ardilosa do seu oponente caiu numa
cilada e mostrou que, afinal, o centro político que defende descai com
facilidade para o campo da direita iliberal que tanto diz combater.
Que Rui Rio
jamais foi um campeão da defesa dos direitos, liberdades e garantias já se
sabia. Ele sempre se assumiu como um democrata da linha dura, empenhado em pôr
magistrados judiciais, políticos, funcionários ou jornalistas na ordem. Não o
ofende a existência de apoios sociais (como disse e repetiu no debate), mas se
não vocifera contra os supostos beneficiários com “Mercedes à porta”, na
abusiva imagem de Ventura, lá no fundo acredita que esses apoios são um
pretexto para se fugir à responsabilidade do trabalho.
Quando foi
presidente da Câmara do Porto, lançou um programa para “erradicar arrumadores”
de automóveis que incluiu um pedido (aceite por um chefe da PSP) de detenção
para a sua identificação – a Procuradoria-Geral da República esclareceria que
essa prática não tinha “efectivo suporte legal, nem qualquer legitimação à luz
das normas constitucionais”.
Perante o
extremismo de Ventura em matéria de direitos, Rio tinha duas opções: ou
censurava as generalizações abusivas do comportamento de cidadãos de etnia
cigana, protestava contra a castração de pedófilos, recusava a imagem
delinquente colada aos beneficiários do RSI e batia-se contra a prisão
perpétua, ou respondia aos desafios do seu oponente com um “não, mas”. Rio foi
por este caminho.
Nas questões a
que foi forçado a responder pela dinâmica de Ventura, claudicou. Não recusou
liminarmente a prisão perpétua, nem combateu a generalização perigosa dos
beneficiários do RSI que os despe de humanidade e os transforma em parasitas.
Nada disto
significa que Rui Rio tenha passado linhas vermelhas, que tenha revelado poses
populistas ou antidemocráticas. Contudo, ao recusar um enfrentamento directo e
uma rejeição liminar da ideologia do Chega e, pelo contrário, ao aceitar
procurar um lado menos mau do seu discurso, promoveu Ventura por via da
normalização.
Para quem se
reclama do centro, falhou. Fosse por má forma, pelas armadilhas de Ventura ou
por pura convicção, pareceu demasiado inclinado para aquela direita que a
social-democracia detesta.
Sem comentários:
Enviar um comentário