sábado, 7 de agosto de 2021

O regresso da noite: “Foi como se todos os dias fossem fim-de-semana” / "Coronavírus, o dia seguinte", por ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO

 



Enquanto uma grande parte da Europa do Sul arde num verdadeiro cataclismo ilustrador das Alterações Climáticas. Enquanto a Sibéria e Finlândia ardem. Enquanto a ameaça de libertação do permafrost confirma-se e concretiza-se. Enquanto a Califórnia arde. Enquanto a desaceleração e o enfraquecimento das correntes oceânicas do Atlântico confirmam-se com consequências imprevisíveis para o papel regulador da Corrente do Golfo.

 É tempo para festejar !? Dançando à beira do precipício e numa explosão orgiástica com o carácter da última noite do Titanic que se afunda enquanto a orquestra toca !?

Ler  “Coronavírus, o dia seguinte” ( em baixo ) publicado em 16 de Março de 2020, 20:07 no PÚBLICO

ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO / OVOODOCORVO

 

REPORTAGEM LISBOA

 

O regresso da noite: “Foi como se todos os dias fossem fim-de-semana”

 

Uma semana depois de bares e discotecas terem começado a funcionar até às 2h, a noite lisboeta dá sinais de aparente normalidade. Mas há fenómenos novos e pistas de dança por abrir.

 

João Pedro Pincha (Texto) e Nuno Ferreira Santos (Fotografia)

7 de Agosto de 2021, 8:25

https://www.publico.pt/2021/08/07/local/reportagem/regresso-noite-dias-fimdesemana-1973393

 

Voltou a ser difícil atravessar ruas do Bairro Alto em noite de sexta-feira. Há quanto tempo não se escrevia uma frase destas? Tanto que descer a Rua da Atalaia já perto da meia-noite parece uma experiência vintage, como se regressássemos ao período pré-pandémico. As filas indianas para lá e para cá, os grupos alapados nos passeios, os risos, as cantorias e até as pancadarias dão a sensação de que a normalidade retomou o seu lugar.

 

Mas não é bem assim. Por todo o bairro encontram-se agora dezenas de esplanadas que não existiam há ano e meio. Muitas estão cheias, ao contrário do interior dos bares e restaurantes. Um fenómeno que também pode ser visto como sinal dos tempos é a multiplicação de mini-festas em plena rua um pouco por todo o lado. Funciona assim: um grupo traz uma coluna de som portátil, instala-se num passeio e fica a dançar ao som da música que é escolhida no telemóvel.

 

Muita gente teve a mesma ideia esta sexta-feira. Os grupos circulam para cima e para baixo, cada um com seu ritmo e volume, e vão debitando som para toda a rua. Quando se cruzam com outra coluna há despique, que parece acabar quase sempre amigavelmente. O funk brasileiro faz sucesso, mas quando um homem começa a fazer breakdance espontaneamente todas as cabeças se viram para ele. É mais uma atracção que os turistas levam na memória (do smartphone).

 

A agitação da Atalaia não contagia a Rua da Rosa, que está uma calmaria. “Esta semana foi muito boa, trabalhou-se muito bem.”, garante Vítor Campos, gerente do Loucos e Sonhadores. “Ontem tínhamos fila à porta.” À entrada do fim-de-semana, porém, o bar apresenta-se praticamente vazio. Acredita Vítor que a clientela escasseia porque nem toda a gente está disposta a mostrar certificado de vacinação ou teste negativo para a covid-19, como é obrigatório mal tocam as 19h de sexta-feira. “Há pessoas que têm muita relutância, há resistência.”

 

Resultado? Na semana que passou, que foi a primeira em que bares e discotecas puderam funcionar até às 2h depois de um longo período de encerramento e limitações horárias, “foi como se todos os dias fossem fim-de-semana”. Casa cheia, filas à porta, algum alívio na facturação. Chegados ao fim-de-semana propriamente dito, os noctívagos preferem bares com esplanada (o Loucos e Sonhadores não tem) ou simplesmente fazer a festa na rua, onde não há a mesma obrigação.

 

“Nós exigimos uma coisa aos clientes que não nos é exigida a nós. Ninguém obriga a que os funcionários estejam vacinados ou testados. É uma contradição total”, critica Vítor Campos, que até consegue perceber o desconforto de quem se recusa a mostrar essa informação. “É uma coisa íntima.”

 

Mais para o interior do bairro, o empresário João Dionísio gere dois irish pubs e aponta ainda mais defeitos às regras que o Governo estabeleceu na semana passada. “Se vier um grupo de 12 pessoas e todas tiverem certificados ou testes negativos, não podem sentar-se todas juntas”, exemplifica, à mesa no The Corner. Outra coisa: o resultado dos auto-testes só é válido durante 20 minutos, podendo até inverter-se passado esse tempo. “Se vier uma fiscalização, como é? Têm de fazer teste outra vez?”

 

A semana que agora termina correu bem para a empresa e até o fim-de-semana se perspectiva bom, porque ambos os bares têm esplanada. Mas, adverte João Dionísio, “o aumento da facturação foi uma gota no oceano”, sobretudo depois de um longo período em que as receitas foram nulas e as despesas correntes continuaram a ter de ser pagas. “Só se ouvem os especialistas da pandemia. Quem legisla não ouve outros especialistas, não vem ao terreno, não nos vem perguntar”, lamenta.

 

"Isto é fundamental, se não vamos todos enlouquecer"

 

Tomando o rumo da habitual peregrinação ao Cais do Sodré verifica-se que todo o Chiado já fervilha novamente. A Praça Camões está bem composta de gente, o trânsito circula em abundância, o sobe e desce regressou ao Alecrim. Mais uma vez, no entanto, as aparências iludem: a normalidade ainda não é isto.

 

Vista de cima, a Rua Nova do Carvalho (a famosa rua cor-de-rosa) parece uma única e enorme esplanada. Imagem impensável até recentemente, mas covid-19 oblige. Jamaica, Tokyo e Europa estão de malas aviadas para a beira-Tejo, o Viking está em obras, o Roterdão está fechado. Lugares para dançar não há. O Liverpool, que tem a pista de dança em descanso obrigatório, aproveitou para alargar o número de mesas cá fora.

 

É lá que se encontra um grupo de quatro pessoas que escolheu esta sexta-feira para vir beber um copo pela primeira vez “em dois anos”, explica Bianca. Não tinha propriamente saudades de sair à noite, mas “de ver mais gente”. As esplanadas estão praticamente cheias, mas não se vê a multidão que por aqui andou durante a semana. “Ouvi dizer que o Cais estava um caos, cheiíssimo. Afinal não, até está meio vazio.”

 

A conversa resvala então para as novas regras de acesso ao ócio nocturno. “Não acho que faça sentido nenhum mostrar o certificado só ao fim-de-semana”, opina Bianca. No mesmo grupo, o empresário da restauração Emmanuel Pappamikail relata a sua experiência quando divulgou no Facebook que passaria a ser obrigatório um certificado ou teste negativo para entrar nas suas pizzarias. “Recebemos centenas de mensagens com ameaças, a chamarem-nos colaboracionistas. Pessoas que não eram nossas clientes a apelarem a um boicote, uma coisa organizada”, explica. “E isto depois de aguentar um ano e meio sem despedir ninguém, sem pôr trabalhadores em lay-off.”

 

Na outra ponta da rua, duas amigas bebem cocktails e meditam sobre saúde mental. “O regresso à noite e à vida em comunidade é essencial”, diz uma. “Isto é fundamental, se não vamos todos enlouquecer colectivamente.”

 

Passa um quarto de hora da meia-noite. “Ai, que estranho!”, ri-se. E lança em jeito de súplica: “Agora só falta abrirem as pistas de dança!”

 

tp.ocilbup@ahcnip.oaoj




OPINIÃO CORONAVÍRUS

Coronavírus, o dia seguinte

 

A actual catástrofe na perspectiva Humana que representa o surto de coronavírus traz óptimas notícias para o Planeta na perspectiva ecológica.

 

António Sérgio Rosa de Carvalho

16 de Março de 2020, 20:07

https://www.publico.pt/2020/03/16/sociedade/opiniao/coronavirus-dia-seguinte-1908033

 

No passado dia 1 de Março, a NASA publicou uma comparação de imagens, verdadeiramente impressionantes, entre os níveis de poluição de dióxido de azoto (N02) entre 2019 e 2020 no mesmo período na China central. Este período em 2020 corresponde ao período de abrandamento da economia e da produção industrial motivados pela quarentena do coronavírus. A diferença é abismal e provavelmente este último período corresponde a uma das raras ocasiões nas três últimas décadas de crescimento acelerado, onde a China se transformou na “fábrica do mundo”, em que os seus habitantes viram o céu e se lembraram que habitam, como hóspedes, o Planeta Terra.

 

Esse mesmo Planeta que, segundo a NASA, teria que se quadruplicar, ou mesmo de se repetir cinco vezes, para ter capacidade de absorver os níveis de consumo actuais da sociedade americana.

 

A actual catástrofe na perspectiva Humana que representa o surto de coronavírus traz óptimas notícias para o Planeta na perspectiva ecológica. Com a paralisação da espiral produtiva, a alteração dos níveis de consumo e a interrupção do modelo (totalmente insustentável) do crescimento infinito e ilimitado, e também da orgia global de consumo, o Planeta pode afrouxar um pouco a máscara que é obrigado a utilizar devido ao vírus humano, e finalmente ter um pouco a ilusão de poder respirar.

 

Vamos, finalmente, aprender alguma coisa, parar para reflectir, durante esta pausa a que fomos obrigados por este ‘factor externo’, microscópica mensagem emitida pelo macro organismo onde estamos inseridos?

 

Na última crise, a de 2008, não aprendemos absolutamente nada, pois a pegada de carbono não parou de aumentar, apesar de nos restarem apenas dez anos para minimizar um cataclismo sem retorno, de proporções bíblicas, através das alterações do clima.

 

Se o nosso ‘episódio’ corona representa no tempo humano um importante e dramático acontecimento, no tempo planetário ele é um insignificante ponto, super-milimétrico e Uber-microscópico. Embora os efeitos da actividade humana sejam evidentemente nocivos para o organismo planetário, a actual crise ecológica e climática constitui um episódio na história da Terra.

 

O que está ameaçada é a civilização humana e o ciclo de vida neste período planetário. O planeta continuará, depois deste período de tosse convulsa, a ser provocado pelo vírus humano. Cabe-nos, portanto, a nós decidir e escolher no curtíssimo tempo que nos resta.

 

Uma última ilustração da fragilidade e insustentabilidade do sistema e do modelo: no caos e império do medo que reina no sistema das teias financeiras e económicas, os únicos oráculos e ‘experts’ para onde os líderes mundiais se podem virar são os virologistas.

 

Historiador de Arquitectura


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