HABITAÇÃO
Mais de metade dos proprietários de Lisboa têm inquilinos
que deixaram de pagar a renda
Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) promoveu
inquérito que revela que mais de metade dos inquilinos dos senhorios inquiridos
deixaram de pagar a renda durantes os meses do estado de emergência. Conclusões
apontam ainda para a falta de confiança dos proprietários e pouca vontade em
aderir aos programas de arrendamento acessível do Estado.
Cristiana Faria
Moreira
Cristiana Faria
Moreira 11 de Outubro de 2020, 17:45
Com a pandemia,
mais de metade (59,1%) dos 320 proprietários de imóveis habitacionais e comerciais,
inquiridos pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), revelam ter
deixado de receber o pagamento de rendas durante o estado de emergência — a
esmagadora maioria logo a partir de Abril — e nos meses que se seguiram. Esta é
uma das conclusões do primeiro Barómetro “Confiança dos Proprietários ALP”, um
estudo que a associação realizou, entre 22 de Agosto e 15 de Setembro, para
traçar o retrato à situação actual dos senhorios e perceber o impacto económico
e social das medidas legislativas e fiscais em matéria de habitação e
arrendamento.
Com um país
encerrado nas suas casas, lojas, cafés e restaurantes fechados, muitas famílias
viram-se perante uma diminuição drástica dos seus rendimentos. Para tentar
mitigar os efeitos da pandemia na economia das famílias, o Governo avançou, no
início de Abril, com um pacote de medidas em matéria de habitação: uma
moratória no pagamento de rendas, a suspensão de prazos para a denúncia de
contratos e o travão aos despejos. E foi muita a confusão que se gerou entre
direitos e deveres de arrendatários e proprietários, que se queixam de estar a
assumir uma obrigação que será do Estado: a de subsidiar o inquilino.
O pacote de
medidas de combate aos efeitos da pandemia, enquadrado na Lei 4C/2020, previa
que estas fossem aplicáveis aos arrendatários que apresentassem uma quebra de
rendimentos superior a 20% ou uma renda que exigisse uma taxa de esforço
superior a 35% do rendimento do agregado familiar.
Ora, os
proprietários queixam-se de que este regime de excepção tem sido
“arbitrariamente utilizado pelos inquilinos”. Nos grupos de Facebook, onde se
pedem dicas e esclarecimentos sobre arrendamento, os relatos sucedem-se: “Tenho
um inquilino que não paga desde Março inclusive (antes do estado de
emergência). E recusa-se a sair”. “Hoje uma inquilina ligou-me e disse que
tinha informações que não seria obrigada a pagar a renda.”
Mais de metade
dos inquiridos (56%), que revelam ter deixado de receber as rendas, afirmam que
tal aconteceu sem o inquilino ter feito qualquer aviso nem apresentado
documentação que comprovasse a sua perda de rendimento, tal como a lei prevê.
Nos casos em que
todos os procedimentos foram cumpridos (23,4%), metade dos senhorios afirmou
não ter começado ainda a receber os valores em duodécimo das rendas vencidas.
Empréstimos pouco
concorridos
Além da moratória
das rendas, o pacote de medidas excepcionais incluía ainda uma linha de
empréstimos, sem juros, para pagamento das rendas, disponibilizada pelo
Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e destinada a inquilinos
habitacionais que ali tenham residência principal, fiadores de estudantes que
estejam a mais de 50 quilómetros de casa ou senhorios que também tenham sofrido
uma quebra de rendimento.
No entanto, em
Junho, tanto as associações senhorios como de inquilinos estranhavam que, num
universo de 700 mil contratos de arrendamento, a procura por esta linha de
empréstimos tivesse tão pouca expressão.
Os números vieram
a comprovar isso mesmo. Até à última semana de Agosto, dias antes da data de
fim do período para requerer este apoio, que era a 1 de Setembro, tinham sido
feitos 2177 pedidos de empréstimo, dos quais 606 tinham sido já aprovados,
noticiou então o Diário de Notícias. Segundo os dados do Ministério das
Infra-estruturas e da Habitação citados pelo jornal, desses pedidos, 1075 não
tinham sido aprovados porque os arrendatários não conseguiram fazer prova de
quebra de rendimentos ou entregaram documentação incompleta. Os restantes
pedidos estavam ainda por analisar.
Também este estudo
vem notar a fraca adesão. Entre os inquiridos, apenas 3,2% dos proprietários
disseram ter inquilinos que recorreram a esta linha de empréstimo sem juros,
que foi entretanto estendida até 31 de Dezembro.
Para a ALP, a
fraca adesão à medida deve-se a um “clima de incumprimento que a Lei nº
4-C/2020 permitiu e que o Governo fomentou”. Com a suspensão dos despejos e das
denúncias de contratos até ao fim do ano, os proprietários queixam-se de estar
de mãos e pés atados. No entanto, a última alteração legislativa, que entrou em
vigor a 1 de Outubro e prolongou os apoios até ao fim do ano, prevê que esta
protecção não se aplique se o inquilino começar a deixar rendas em atraso a
partir de Outubro.
Um terço dos
senhorios com quebras entre os 20% e os 40%
Os 320 senhorios
que participaram no inquérito têm 2692 imóveis arrendados em Portugal – a
esmagadora maioria na Grande Lisboa e no mercado de arrendamento tradicional.
Mais de metade (52,2%) desta amostra tem entre um a cinco imóveis urbanos e
afirmou estar a cobrar rendas congeladas de contratos anteriores a 1990.
As situações
relatadas têm-se traduzido numa perda de rendimento também para os senhorios.
Em tempos “normais”, mais de metade dos inquiridos (52,6%) consegue mensalmente
com as rendas um montante que se aproxima ao valor de quatro salários mínimos
nacionais (até 2540 euros brutos).
Para cerca de um
terço (34,1%), as rendas representam mais de 50% do rendimento mensal
disponível. O cenário agrava-se para a fatia de senhorios (18,8%) que tem nas
rendas o garante de todo o seu orçamento familiar.
De acordo com os
dados recolhidos pela ALP, 43,5% dos senhorios tiveram uma quebra de
rendimentos entre 10 e 20% e um em cada três
registaram perdas
entre os 20% e os 40%. Uma fatia de 16,1% dos senhorios ficaram privados de 75%
a 100% do seu rendimento disponível.
Olhando para os
dados, fica ainda bem patente a discordância dos senhorios em relação às
medidas adoptadas pelo Governo ao longo dos últimos meses. Cerca de metade
sugere, por exemplo, que deveria ter sido prevista a isenção do Imposto
Municipal sobre Imóveis (IMI) a todos os senhorios que apresentassem perda de
rendimento. Cerca de 90% dos proprietários inquiridos “consideram que a carga
fiscal que incide sobre a propriedade imobiliária está a um nível ‘muito
elevado e insustentável'”, realça a ALP.
Pouco interesse
na renda acessível
Ao longo destes
meses com a introdução de novas medidas, novos diplomas e sucessivas alterações
legislativas, os senhorios admitem sentir-se “mal informados e ter grande
dificuldade em manter-se actualizados”.
“A confiança dos
proprietários no mercado de arrendamento está fragmentada, com metade dos
inquiridos a garantirem que continuarão a colocar os seus imóveis no mercado
tradicional, mantendo os mesmos valores de renda (com 62,1% das respostas)”,
nota a associação no estudo. Ainda assim, quase um em cada quatro proprietários
(22,1%) admite ter de aumentar os preços. E há um quinto que admite abandonar o
mercado de arrendamento ou mesmo vender os seus prédios.
Neste barómetro,
fica ainda patente a pouca vontade que os proprietários têm em aderir aos
programas de arrendamento acessível promovidos pelo Estado central ou pelos
municípios: apenas 1% dos senhorios assinalaram ter interesse em colocar os
seus imóveis nestes programas.
Para o presidente
da ALP, Luís Menezes Leitão, tal é reflexo da “desconsideração do Governo pela
situação dos senhorios”, o que resulta numa “quebra” de confiança no mercado de
arrendamento, “votando ao falhanço os programas de arrendamento acessível do
Estado”.
Em Lisboa, a
câmara criou o programa Renda Segura, através do qual pretende ir ao mercado
arrendar casas, para depois as arrendar aos jovens e famílias de classe média a
preços mais acessíveis. No primeiro concurso que promoveu — e que terminou já
em plena pandemia — a autarquia conseguiu atrair 177 habitações (45
provenientes do Alojamento Local), um objectivo que fica longe das mil casas
que Fernando Medina disse querer angariar ao longo de 2020. Em curso está já
uma segunda fase.
Num comentário
aos resultados do barómetro, Menezes Leitão nota que estes “demonstram que a
confiança dos proprietários foi totalmente arrasada pelas medidas implementadas
pelo poder político em matéria de arrendamento na gestão da crise da covid-19,
que colocaram muitos senhorios em gravíssimas dificuldades”. E lembrou que, em
Espanha, a moratória das rendas só se aplicou aos grandes detentores de
imóveis. Os pequenos proprietários não foram obrigados a concedê-la, sendo que
caso o inquilino estivesse numa situação vulnerável poderia solicitar um
microcrédito sem juros junto do Estado.
“Como tem sido
habitual, o legislador só se preocupou com as dificuldades dos arrendatários,
esquecendo as dos pequenos senhorios, que deveriam ter sido igualmente
protegidos”, afirma Menezes Leitão.
HABITAÇÃO
O fim de Setembro vai trazer uma onda de despejos na
habitação?
Senhorios e inquilinos dizem não ter os dados todos para
perceber o que se vai passar. Mas não acreditam que o reduzido número de
pedidos de empréstimo que chegou ao IHRU espelhe a realidade que aí vem. “O
pior vai ser agora”, antecipa o presidente da Associação de Inquilinos, que vai
pedir ao Governo novas medidas.
Luísa Pinto 5 de
Setembro de 2020, 21:01
O mês de Setembro
assinala o fim do prazo dado para a suspensão dos despejos de inquilinos que
não tenham cumprido o pagamento de rendas assim como da suspensão da caducidade
e da oposição à renovação dos contratos de arrendamento. Os inquilinos que não
tenham pago rendas, e até mesmo aqueles que já tinham visto um tribunal
confirmar uma acção de despejo que lhes foi interposta por um senhorio, não
poderiam ser despejados até ao dia 30 de Setembro. Terminado este prazo, vai
haver uma onda de despejos?
O PÚBLICO ouviu os
representantes dos proprietários e dos inquilinos, mas nem Iolanda Gávea, da
Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), nem Romão Lavadinho, da
Associação de Inquilinos de Lisboa (AIL), dizem ter dados para perceber todo o
panorama do que se está a passar com os contratos de arrendamento. Romão
Lavadinho, contudo, teme o pior: “o problema vai ser a partir de agora”.
Seis meses depois
da eclosão da pandemia, ainda ninguém percebeu muito bem como é que as famílias
e os titulares dos contratos de arrendamento enfrentaram as dificuldades em
pagar as rendas. A moratória para a suspensão do pagamento das rendas esteve em
vigor até ao mês subsequente ao levantamento do estado de emergência, o que
aconteceu a 2 de Maio.
A renda do mês de
Junho esteve, então, abrangida pelo prazo, pelo que a partir do dia 1 de Julho
os inquilinos passaram a estar obrigados ao pagamento da renda vencido no mês
de Julho, e o pagamento em duodécimos do montante das rendas em dívida durante
os 12 meses seguintes.
O que aconteceu
depois foi que o Governo alargou o período de candidaturas a empréstimos do
IHRU, e permitiu que inquilinos com quebras de 20% nos rendimentos e sujeitos a
uma taxa de esforço superior a 35% pudessem solicitar empréstimos ao IHRU até
ao dia 1 de Setembro. Mas a principal medida do Governo para o apoio aos
contratos de arrendamento habitacional não teve muita adesão. Até ao dia 24 de
Agosto o número total de pedidos submetidos era de 2177.
“Há 730 mil
contratos de arrendamento. Houve um milhão de pessoas que foi para layoff,
houve 60 ou 70 mil que foram para o desemprego. Alguém acredita que só 2100
pessoas – que foi o número de pedidos de empréstimo que deu entrada no
instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – é que tiveram rendimento
reduzido e dificuldades em pagar a renda? Ninguém pode acreditar nisso”, atira
Romão Lavadinho, admitindo ter havido falta de informação, e muita
desinformação, na forma como foi enfrentado este problema.
“Chegaram a
Associação alguns sócios a garantir que ouviram o primeiro-ministro a dizer que
as rendas não seriam pagas durante a pandemia. Isto não é verdade! Nem o
primeiro-ministro disse isto, nem nenhuma lei permite que assim seja”, explica
Lavadinho, admitindo a dificuldade que teve em passar a informação com
eficácia.
“Nós tentámos
sempre esclarecer as pessoas, e apesar de não concordarmos com a solução
encontrada pelo Governo – que é uma solução minimalista, mesmo não havendo
juros, a verdade é que as pessoas tinham de contrair empréstimos – tentámos
dizer que sinalizar as dificuldades de pagamento no IHRU era a única solução.
Houve inquilinos que chegaram a acordo com os senhorios para baixar as rendas,
mas esses casos também foram residuais. O problema vai ser agora”, afirma.
Iolanda Gávea
consegue quantificar o universo de contratos em que houve negociação – pelo
menos do seio da ALP. “Em cerca de 3,5% do universo dos nossos contratos
habitacionais houve acordo entre os senhorios e os inquilinos para reduzir o
valor das rendas, diferindo o pagamento”, afirma a vice-presidente da ALP, referindo-se
a cerca de 300 contratos.
Ainda menos
expressivo foi o perdão parcial do valor das rendas, e que abrangeu cerca de
1,5% do universo de contratos da ALP. Nestes casos, houve um perdão de cerca de
10 a 15% do valor das rendas de Maio e Junho que os senhorios aceitaram baixar.
“Houve apenas um caso em que o senhorio perdoou 20% do valor da renda nesses
dois meses”, acrescenta Iolanda Gávea.
Denúncias de
contratos aumentaram
A vice-presidente
da ALP notou, no entanto, uma outra tendência, sobretudo no mês de Agosto. “Tem
havido um aumento muito grande da denúncia por parte dos inquilinos, sem que
estes estejam a equacionar o cumprimento do prazo do pré-aviso estabelecido na lei.
A razão invocada é a de que têm dificuldade em suportar o valor da renda”,
informa Iolanda Gávea.
Assim como têm
aumentado as denúncias por parte de inquilinos, também tem havido mais procura
e muito interesse na celebração de contratos de arrendamento. “E apesar de não
haver mais imóveis no mercado – a ALP tem o mesmo número que tinha em Janeiro –
também temos verificado uma maior abertura para a negociação do valor das
rendas”, informa a responsável da associação de proprietários, assumindo que a
instituição tem feito essa recomendação aos seus associados.
“Quando os
proprietários concordam, temos sugerido colocar uma renda abaixo do que se
considera ser uma renda de mercado. Fixa essa renda agora, mas actualiza mais
tarde, com incrementos de valor. O contrato permite que haja incrementos no
valor da renda e não coeficientes fixos de actualização. Uma renda pode ser
agora de 500 euros, e passar para 600 euros no ano seguinte. Desde que todos
estejam de acordo, não há nenhum problema”, termina.
A vice-presidente
da ALP diz não ter “nenhuma evidência” de que o número de despejos vai aumentar
a partir de Setembro, garantindo que nos serviços jurídicos da associação só
tem aparecido casos de despejo de inquilinos que já não pagavam ainda antes do
eclodir da pandemia.
Mas admite que na
actual fase do processo ainda não é possível saber o que se vai passar. Porque
só podem ser accionados processos de despejo com três meses de rendas em
atraso.
“Com o fim da
moratória, as pessoas tinham de começar a pagar a renda a 1 de Julho. E aqui
tinham duas hipóteses: ou começavam a proceder o pagamento da renda vencida a
Julho, ou se mantivessem os requisitos da lei, redução de rendimento 20% e taxa
de esforço em 35%, poderiam recorrer ao IHRU a partir da renda que se vencia em
Julho. Se não pagaram a renda de Julho, a de Agosto e a de Setembro, e se não
pediram empréstimos ao IHRU pode haver uma acção de despejo”, admitiu Iolanda
Gávea.
O pedido ou não
de empréstimo acaba por ser crítico neste caso. Porque há casos de inquilinos
que não pagaram a rendas, mas pediram esse empréstimos ao IHRU, e ainda estão à
espera da resposta do instituto.
De acordo com os
dados divulgados pelo Ministério da Infraestruturas e da Habitação dos 2177
pedidos de apoio submetidos ao IHRU até 24 de Agosto, mais de metade foram
rejeitados – 558 foram considerados “irregulares”, porque, por exemplo, não
entregaram documentação necessária, e 513 foram considerados “não elegíveis”,
isto é não cumpriam os critérios.
Nessa data, o
IHRU tinha dado como aprovados e concluídos apenas 606 processos, e concedido
um apoio de 634 mil euros. Ainda estavam em análise 496 processos, tendo o
Ministério afirmado que o reforço de meios humanos no instituto iria permitir
concluir os processos até ao final do mês de Setembro.
tp.ocilbup@otnip.asiul

Sem comentários:
Enviar um comentário