domingo, 11 de outubro de 2020

Mais de metade dos proprietários de Lisboa têm inquilinos que deixaram de pagar a renda // O fim de Setembro vai trazer uma onda de despejos na habitação?

 


HABITAÇÃO

Mais de metade dos proprietários de Lisboa têm inquilinos que deixaram de pagar a renda

 

Associação Lisbonense de Proprietários (ALP) promoveu inquérito que revela que mais de metade dos inquilinos dos senhorios inquiridos deixaram de pagar a renda durantes os meses do estado de emergência. Conclusões apontam ainda para a falta de confiança dos proprietários e pouca vontade em aderir aos programas de arrendamento acessível do Estado.

 

Cristiana Faria Moreira

Cristiana Faria Moreira 11 de Outubro de 2020, 17:45

https://www.publico.pt/2020/10/11/local/noticia/metade-proprietarios-lisboa-inquilinos-deixaram-pagar-renda-1934720

 

Com a pandemia, mais de metade (59,1%) dos 320 proprietários de imóveis habitacionais e comerciais, inquiridos pela Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), revelam ter deixado de receber o pagamento de rendas durante o estado de emergência — a esmagadora maioria logo a partir de Abril — e nos meses que se seguiram. Esta é uma das conclusões do primeiro Barómetro “Confiança dos Proprietários ALP”, um estudo que a associação realizou, entre 22 de Agosto e 15 de Setembro, para traçar o retrato à situação actual dos senhorios e perceber o impacto económico e social das medidas legislativas e fiscais em matéria de habitação e arrendamento.

 

Com um país encerrado nas suas casas, lojas, cafés e restaurantes fechados, muitas famílias viram-se perante uma diminuição drástica dos seus rendimentos. Para tentar mitigar os efeitos da pandemia na economia das famílias, o Governo avançou, no início de Abril, com um pacote de medidas em matéria de habitação: uma moratória no pagamento de rendas, a suspensão de prazos para a denúncia de contratos e o travão aos despejos. E foi muita a confusão que se gerou entre direitos e deveres de arrendatários e proprietários, que se queixam de estar a assumir uma obrigação que será do Estado: a de subsidiar o inquilino.

 

 

O pacote de medidas de combate aos efeitos da pandemia, enquadrado na Lei 4C/2020, previa que estas fossem aplicáveis aos arrendatários que apresentassem uma quebra de rendimentos superior a 20% ou uma renda que exigisse uma taxa de esforço superior a 35% do rendimento do agregado familiar.

 

Ora, os proprietários queixam-se de que este regime de excepção tem sido “arbitrariamente utilizado pelos inquilinos”. Nos grupos de Facebook, onde se pedem dicas e esclarecimentos sobre arrendamento, os relatos sucedem-se: “Tenho um inquilino que não paga desde Março inclusive (antes do estado de emergência). E recusa-se a sair”. “Hoje uma inquilina ligou-me e disse que tinha informações que não seria obrigada a pagar a renda.”

 

Mais de metade dos inquiridos (56%), que revelam ter deixado de receber as rendas, afirmam que tal aconteceu sem o inquilino ter feito qualquer aviso nem apresentado documentação que comprovasse a sua perda de rendimento, tal como a lei prevê.

 

Nos casos em que todos os procedimentos foram cumpridos (23,4%), metade dos senhorios afirmou não ter começado ainda a receber os valores em duodécimo das rendas vencidas.

 

Empréstimos pouco concorridos

Além da moratória das rendas, o pacote de medidas excepcionais incluía ainda uma linha de empréstimos, sem juros, para pagamento das rendas, disponibilizada pelo Instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) e destinada a inquilinos habitacionais que ali tenham residência principal, fiadores de estudantes que estejam a mais de 50 quilómetros de casa ou senhorios que também tenham sofrido uma quebra de rendimento.

 

No entanto, em Junho, tanto as associações senhorios como de inquilinos estranhavam que, num universo de 700 mil contratos de arrendamento, a procura por esta linha de empréstimos tivesse tão pouca expressão.

 

Os números vieram a comprovar isso mesmo. Até à última semana de Agosto, dias antes da data de fim do período para requerer este apoio, que era a 1 de Setembro, tinham sido feitos 2177 pedidos de empréstimo, dos quais 606 tinham sido já aprovados, noticiou então o Diário de Notícias. Segundo os dados do Ministério das Infra-estruturas e da Habitação citados pelo jornal, desses pedidos, 1075 não tinham sido aprovados porque os arrendatários não conseguiram fazer prova de quebra de rendimentos ou entregaram documentação incompleta. Os restantes pedidos estavam ainda por analisar.

 

Também este estudo vem notar a fraca adesão. Entre os inquiridos, apenas 3,2% dos proprietários disseram ter inquilinos que recorreram a esta linha de empréstimo sem juros, que foi entretanto estendida até 31 de Dezembro.

 

Para a ALP, a fraca adesão à medida deve-se a um “clima de incumprimento que a Lei nº 4-C/2020 permitiu e que o Governo fomentou”. Com a suspensão dos despejos e das denúncias de contratos até ao fim do ano, os proprietários queixam-se de estar de mãos e pés atados. No entanto, a última alteração legislativa, que entrou em vigor a 1 de Outubro e prolongou os apoios até ao fim do ano, prevê que esta protecção não se aplique se o inquilino começar a deixar rendas em atraso a partir de Outubro.

 

Um terço dos senhorios com quebras entre os 20% e os 40%

Os 320 senhorios que participaram no inquérito têm 2692 imóveis arrendados em Portugal – a esmagadora maioria na Grande Lisboa e no mercado de arrendamento tradicional. Mais de metade (52,2%) desta amostra tem entre um a cinco imóveis urbanos e afirmou estar a cobrar rendas congeladas de contratos anteriores a 1990.

 

As situações relatadas têm-se traduzido numa perda de rendimento também para os senhorios. Em tempos “normais”, mais de metade dos inquiridos (52,6%) consegue mensalmente com as rendas um montante que se aproxima ao valor de quatro salários mínimos nacionais (até 2540 euros brutos).

 

Para cerca de um terço (34,1%), as rendas representam mais de 50% do rendimento mensal disponível. O cenário agrava-se para a fatia de senhorios (18,8%) que tem nas rendas o garante de todo o seu orçamento familiar.

 

De acordo com os dados recolhidos pela ALP, 43,5% dos senhorios tiveram uma quebra de rendimentos entre 10 e 20% e um em cada três

registaram perdas entre os 20% e os 40%. Uma fatia de 16,1% dos senhorios ficaram privados de 75% a 100% do seu rendimento disponível. 

 

Olhando para os dados, fica ainda bem patente a discordância dos senhorios em relação às medidas adoptadas pelo Governo ao longo dos últimos meses. Cerca de metade sugere, por exemplo, que deveria ter sido prevista a isenção do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) a todos os senhorios que apresentassem perda de rendimento. Cerca de 90% dos proprietários inquiridos “consideram que a carga fiscal que incide sobre a propriedade imobiliária está a um nível ‘muito elevado e insustentável'”, realça a ALP. 

 

Pouco interesse na renda acessível

Ao longo destes meses com a introdução de novas medidas, novos diplomas e sucessivas alterações legislativas, os senhorios admitem sentir-se “mal informados e ter grande dificuldade em manter-se actualizados”.

 

“A confiança dos proprietários no mercado de arrendamento está fragmentada, com metade dos inquiridos a garantirem que continuarão a colocar os seus imóveis no mercado tradicional, mantendo os mesmos valores de renda (com 62,1% das respostas)”, nota a associação no estudo. Ainda assim, quase um em cada quatro proprietários (22,1%) admite ter de aumentar os preços. E há um quinto que admite abandonar o mercado de arrendamento ou mesmo vender os seus prédios.

 

Neste barómetro, fica ainda patente a pouca vontade que os proprietários têm em aderir aos programas de arrendamento acessível promovidos pelo Estado central ou pelos municípios: apenas 1% dos senhorios assinalaram ter interesse em colocar os seus imóveis nestes programas.

 

Para o presidente da ALP, Luís Menezes Leitão, tal é reflexo da “desconsideração do Governo pela situação dos senhorios”, o que resulta numa “quebra” de confiança no mercado de arrendamento, “votando ao falhanço os programas de arrendamento acessível do Estado”.

 

Em Lisboa, a câmara criou o programa Renda Segura, através do qual pretende ir ao mercado arrendar casas, para depois as arrendar aos jovens e famílias de classe média a preços mais acessíveis. No primeiro concurso que promoveu — e que terminou já em plena pandemia — a autarquia conseguiu atrair 177 habitações (45 provenientes do Alojamento Local), um objectivo que fica longe das mil casas que Fernando Medina disse querer angariar ao longo de 2020. Em curso está já uma segunda fase.

 

Num comentário aos resultados do barómetro, Menezes Leitão nota que estes “demonstram que a confiança dos proprietários foi totalmente arrasada pelas medidas implementadas pelo poder político em matéria de arrendamento na gestão da crise da covid-19, que colocaram muitos senhorios em gravíssimas dificuldades”. E lembrou que, em Espanha, a moratória das rendas só se aplicou aos grandes detentores de imóveis. Os pequenos proprietários não foram obrigados a concedê-la, sendo que caso o inquilino estivesse numa situação vulnerável poderia solicitar um microcrédito sem juros junto do Estado.

 

“Como tem sido habitual, o legislador só se preocupou com as dificuldades dos arrendatários, esquecendo as dos pequenos senhorios, que deveriam ter sido igualmente protegidos”, afirma Menezes Leitão.

 

HABITAÇÃO

O fim de Setembro vai trazer uma onda de despejos na habitação?

 

Senhorios e inquilinos dizem não ter os dados todos para perceber o que se vai passar. Mas não acreditam que o reduzido número de pedidos de empréstimo que chegou ao IHRU espelhe a realidade que aí vem. “O pior vai ser agora”, antecipa o presidente da Associação de Inquilinos, que vai pedir ao Governo novas medidas.

 

Luísa Pinto 5 de Setembro de 2020, 21:01

https://www.publico.pt/2020/09/05/economia/noticia/fim-setembro-vai-trazer-onda-despejos-habitacao-1930410

 

O mês de Setembro assinala o fim do prazo dado para a suspensão dos despejos de inquilinos que não tenham cumprido o pagamento de rendas assim como da suspensão da caducidade e da oposição à renovação dos contratos de arrendamento. Os inquilinos que não tenham pago rendas, e até mesmo aqueles que já tinham visto um tribunal confirmar uma acção de despejo que lhes foi interposta por um senhorio, não poderiam ser despejados até ao dia 30 de Setembro. Terminado este prazo, vai haver uma onda de despejos?

 

O PÚBLICO ouviu os representantes dos proprietários e dos inquilinos, mas nem Iolanda Gávea, da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), nem Romão Lavadinho, da Associação de Inquilinos de Lisboa (AIL), dizem ter dados para perceber todo o panorama do que se está a passar com os contratos de arrendamento. Romão Lavadinho, contudo, teme o pior: “o problema vai ser a partir de agora”.

 

Seis meses depois da eclosão da pandemia, ainda ninguém percebeu muito bem como é que as famílias e os titulares dos contratos de arrendamento enfrentaram as dificuldades em pagar as rendas. A moratória para a suspensão do pagamento das rendas esteve em vigor até ao mês subsequente ao levantamento do estado de emergência, o que aconteceu a 2 de Maio.

 

A renda do mês de Junho esteve, então, abrangida pelo prazo, pelo que a partir do dia 1 de Julho os inquilinos passaram a estar obrigados ao pagamento da renda vencido no mês de Julho, e o pagamento em duodécimos do montante das rendas em dívida durante os 12 meses seguintes.

 

O que aconteceu depois foi que o Governo alargou o período de candidaturas a empréstimos do IHRU, e permitiu que inquilinos com quebras de 20% nos rendimentos e sujeitos a uma taxa de esforço superior a 35% pudessem solicitar empréstimos ao IHRU até ao dia 1 de Setembro. Mas a principal medida do Governo para o apoio aos contratos de arrendamento habitacional não teve muita adesão. Até ao dia 24 de Agosto o número total de pedidos submetidos era de 2177.

 

“Há 730 mil contratos de arrendamento. Houve um milhão de pessoas que foi para layoff, houve 60 ou 70 mil que foram para o desemprego. Alguém acredita que só 2100 pessoas – que foi o número de pedidos de empréstimo que deu entrada no instituto de Habitação e Reabilitação Urbana (IHRU) – é que tiveram rendimento reduzido e dificuldades em pagar a renda? Ninguém pode acreditar nisso”, atira Romão Lavadinho, admitindo ter havido falta de informação, e muita desinformação, na forma como foi enfrentado este problema.

 

“Chegaram a Associação alguns sócios a garantir que ouviram o primeiro-ministro a dizer que as rendas não seriam pagas durante a pandemia. Isto não é verdade! Nem o primeiro-ministro disse isto, nem nenhuma lei permite que assim seja”, explica Lavadinho, admitindo a dificuldade que teve em passar a informação com eficácia.

 

“Nós tentámos sempre esclarecer as pessoas, e apesar de não concordarmos com a solução encontrada pelo Governo – que é uma solução minimalista, mesmo não havendo juros, a verdade é que as pessoas tinham de contrair empréstimos – tentámos dizer que sinalizar as dificuldades de pagamento no IHRU era a única solução. Houve inquilinos que chegaram a acordo com os senhorios para baixar as rendas, mas esses casos também foram residuais. O problema vai ser agora”, afirma.

 

Iolanda Gávea consegue quantificar o universo de contratos em que houve negociação – pelo menos do seio da ALP. “Em cerca de 3,5% do universo dos nossos contratos habitacionais houve acordo entre os senhorios e os inquilinos para reduzir o valor das rendas, diferindo o pagamento”, afirma a vice-presidente da ALP, referindo-se a cerca de 300 contratos.

 

Ainda menos expressivo foi o perdão parcial do valor das rendas, e que abrangeu cerca de 1,5% do universo de contratos da ALP. Nestes casos, houve um perdão de cerca de 10 a 15% do valor das rendas de Maio e Junho que os senhorios aceitaram baixar. “Houve apenas um caso em que o senhorio perdoou 20% do valor da renda nesses dois meses”, acrescenta Iolanda Gávea.

 

Denúncias de contratos aumentaram

A vice-presidente da ALP notou, no entanto, uma outra tendência, sobretudo no mês de Agosto. “Tem havido um aumento muito grande da denúncia por parte dos inquilinos, sem que estes estejam a equacionar o cumprimento do prazo do pré-aviso estabelecido na lei. A razão invocada é a de que têm dificuldade em suportar o valor da renda”, informa Iolanda Gávea.

 

Assim como têm aumentado as denúncias por parte de inquilinos, também tem havido mais procura e muito interesse na celebração de contratos de arrendamento. “E apesar de não haver mais imóveis no mercado – a ALP tem o mesmo número que tinha em Janeiro – também temos verificado uma maior abertura para a negociação do valor das rendas”, informa a responsável da associação de proprietários, assumindo que a instituição tem feito essa recomendação aos seus associados.

 

“Quando os proprietários concordam, temos sugerido colocar uma renda abaixo do que se considera ser uma renda de mercado. Fixa essa renda agora, mas actualiza mais tarde, com incrementos de valor. O contrato permite que haja incrementos no valor da renda e não coeficientes fixos de actualização. Uma renda pode ser agora de 500 euros, e passar para 600 euros no ano seguinte. Desde que todos estejam de acordo, não há nenhum problema”, termina.

 

A vice-presidente da ALP diz não ter “nenhuma evidência” de que o número de despejos vai aumentar a partir de Setembro, garantindo que nos serviços jurídicos da associação só tem aparecido casos de despejo de inquilinos que já não pagavam ainda antes do eclodir da pandemia.

 

Mas admite que na actual fase do processo ainda não é possível saber o que se vai passar. Porque só podem ser accionados processos de despejo com três meses de rendas em atraso.

 

“Com o fim da moratória, as pessoas tinham de começar a pagar a renda a 1 de Julho. E aqui tinham duas hipóteses: ou começavam a proceder o pagamento da renda vencida a Julho, ou se mantivessem os requisitos da lei, redução de rendimento 20% e taxa de esforço em 35%, poderiam recorrer ao IHRU a partir da renda que se vencia em Julho. Se não pagaram a renda de Julho, a de Agosto e a de Setembro, e se não pediram empréstimos ao IHRU pode haver uma acção de despejo”, admitiu Iolanda Gávea.

 

O pedido ou não de empréstimo acaba por ser crítico neste caso. Porque há casos de inquilinos que não pagaram a rendas, mas pediram esse empréstimos ao IHRU, e ainda estão à espera da resposta do instituto.

 

De acordo com os dados divulgados pelo Ministério da Infraestruturas e da Habitação dos 2177 pedidos de apoio submetidos ao IHRU até 24 de Agosto, mais de metade foram rejeitados – 558 foram considerados “irregulares”, porque, por exemplo, não entregaram documentação necessária, e 513 foram considerados “não elegíveis”, isto é não cumpriam os critérios.

 

Nessa data, o IHRU tinha dado como aprovados e concluídos apenas 606 processos, e concedido um apoio de 634 mil euros. Ainda estavam em análise 496 processos, tendo o Ministério afirmado que o reforço de meios humanos no instituto iria permitir concluir os processos até ao final do mês de Setembro.

 

tp.ocilbup@otnip.asiul

Sem comentários:

Enviar um comentário