Impresa:
Edifício-sede ‘fiscalmente sujo’ foi motivo invocado para anular negócio
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Pedro
Almeida Vieira e Elisabete Tavares
|
28/07/2025
A transacção
parecia fechada, o valor anunciado, a dívida em vias de ser aliviada. Mas uma
expressão técnica — de ressonância quase policial — acabou por arruinar um
negócio de milhões: o edifício-sede da Impresa, em Paço de Arcos, estava,
segundo apurou o PÁGINA UM, “fiscalmente sujo”.
O termo,
usado nos bastidores para designar imóveis com irregularidades fiscais
latentes, surgiu na análise feita por uma consultora especializada, contratada
pela sociedade gestora do BPI Imofomento – Fundo de Investimento Imobiliário
Aberto para a habitual ‘due diligence’ — uma análise prévia e aprofundada para
avaliar os riscos e oportunidades de um negócio.
O problema —
identificado como uma quebra na cadeia de IVA durante a fase de construção e
posterior ampliação do imóvel — terá levado o potencial comprador a recuar
subitamente, mesmo depois de semanas de negociações com a administração da
Impresa, que foi assessorada pela sociedade de advogados PLMJ neste processo. ↓
Em termos
técnicos, a “quebra da cadeia de IVA” traduz-se numa falha documental ou
contabilística que compromete a regularidade fiscal do imóvel. Embora a
transacção estivesse isenta de IVA e não envolvesse qualquer dedução por parte
do comprador, as irregularidades acumuladas em operações anteriores poderiam
dar origem a rectificações ou correcções fiscais que poderiam ser reclamadas ao
novo proprietário, nomeadamente por via da reversão de benefícios fiscais ou
exigências da Autoridade Tributária.
Ainda que os
montantes em causa não fossem elevados – e até pudessem ser sanados junto da
própria Autoridade Tributária –, os gestores do fundo terão considerado que o
risco era suficiente para colocar em causa a operação. O cancelamento do
negócio foi feito sem sequer antes ter sido assinado qualquer
contrato-promessa.
Recorde-se
que a Impresa tinha anunciado no dia 20 de Junho que estava em “negociações
avançadas” com a BPI – Gestão de Activos, que gere o fundo BPI Imofomento, para
a ‘revenda’ do seu edifício-sede, com posterior arrendamento. A BPI-Gestão de
Activos, liderada por Jorge Teixeira, pertence ao grupo BPI, do qual foi
administrador, até 2024, Pedro Barreto, actual vice-presidente da Impresa.
A decisão
apanhou a administração da Impresa completamente desprevenida. A operação era
vista como fundamental para equilibrar as contas do grupo dono da SIC e do
Expresso, pressionado por uma dívida elevada, que consome cerca de um milhão de
euros por ano apenas em juros e obrigações. O encaixe de 37 milhões de euros
permitiria, segundo os planos internos, reduzir significativamente esse encargo
e libertar liquidez imediata para despesas operacionais, incluindo salários.
Mais do que
uma venda simples com arrendamento posterior, — como foi publicamente anunciado
pela Impresa em Junho — o negócio configurava na verdade um típico ‘leaseback‘
— ou seja, a empresa vendia o edifício e passava a arrendá-lo ao novo
proprietário.
No final de
Maio, Francisco Pedro Balsemão chegou a explicitar este modelo em reuniões com
accionistas, destacando os efeitos positivos esperados nos indicadores
financeiros. Contudo, fontes contactadas pelo PÁGINA UM indicam que, ao
contrário do que sucedeu com o anterior ‘leaseback’ celebrado com o Novo Banco,
o modelo em negociação com o BPI Imofomento era ainda mais desfavorável para o
comprador.
O valor
pedido pela Impresa — 37 milhões de euros — representava um excesso de cerca de
17,4 milhões de euros face ao valor da recompra em 2022 junto do Novo Banco, o
que fazia prever que a rentabilidade do investimento teria de ser assegurada
através de um arrendamento muito acima do valor de mercado — cenário de elevado
risco para um fundo de investimento conservador e que vive da confiança
institucional.
Além disso,
estranhamente, o fundo BPI Imofomento, antes do negócio ser rasgado, até estava
disponível para aceitar que a Impresa subarrendasse parte do imóvel: três pisos
do lado A do edifício-sede, com cerca de 500 metros quadrados cada.
A descoberta
da “fiscalidade suja” — embora sanável — forneceu ao fundo o pretexto ideal
para travar o negócio. A gestora do fundo BPI Imofomento terá concluído que o
risco era desproporcionado, sobretudo face a um investimento claramente
sobrevalorizado. E a ausência de qualquer contrato vinculativo permitiu-lhe
sair sem custos.
O facto é
que existiam diversos factores que ensombravam a compra do imóvel por parte do
fundo do BPI. O valor do negócio era considerado excessivo, sobretudo face ao
montante a que foi vendido ao Novo Banco em 2018. Além disso, o facto de o
actual vice-presidente da Impresa ser um ex-administrador do BPI, colocava
dúvidas sobre os contornos em que o negócio tinha surgido.
Acresce que,
este ano, os negócios entre a Impresa e o Novo Banco foram alvo de escrutínio
por parte do Ministério Público. Numa investigação estranhamente célere, o
Ministério Público não encontrou provas de corrupção passiva nos negócios que
envolveram o edifício-sede da Impresa e um empréstimo ruinoso que o Novo Banco
concedeu à Trust in News para a compra de um portfólio de publicações ao grupo
de Balsemão. O certo é que esta investigação permitiu ‘limpar’ os negócios
passados envolvendo o edifício-sede da Impresa.
Para o BPI e
para o seu fundo, o negócio com a Impresa começou a tornar-se numa grande “dor
de cabeça” que ameaçava colocar em causa a credibilidade e a confiança nos
critérios seguidos pela BPI-Gestão de Activos para a escolha dos investimentos.
Para a
Impresa, a não concretização da venda é um golpe brutal. O grupo registou
prejuízos de 5,1 milhões de euros apenas no primeiro semestre de 2025, e as
receitas publicitárias mantêm-se em queda, tanto no canal SIC como no semanário
Expresso.
Sem a
injecção financeira prevista, a situação de tesouraria degrada-se rapidamente.
Há já relatos de atrasos nos pagamentos a fornecedores e receios crescentes
sobre a capacidade de cumprir atempadamente com os salários dos trabalhadores
nos próximos meses.
Além do
impacto financeiro directo, o falhanço do negócio compromete a credibilidade da
gestão da Impresa. A operação fora comunicada à Comissão do Mercado de Valores
Mobiliários (CMVM) como estando praticamente fechada — uma afirmação que agora
se prova precipitada, senão enganosa. Para investidores e credores da Impresa,
a quebra de confiança pode ser mais danosa do que o próprio falhanço do
encaixe.
A
administração liderada por Francisco Pedro Balsemão, filho de Pinto Balsemão,
enfrenta, assim, uma crise que não é apenas patrimonial, mas institucional. Sem
o “balão de oxigénio” do negócio imobiliário, resta-lhe pouco fôlego para
manter à tona um grupo de media cuja marca de prestígio não basta, por si só,
para pagar contas. E não é apenas a cadeia de IVA do seu edifício-sede que se
partiu. É a própria Impresa que começa a “ruir”, agora sem comprador para o
imóvel, sem liquidez e sem soluções à vista.

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