HABITAÇÃO
Travão ao alojamento local pode afectar quase 60% do
mercado em Portugal
Partidos avançam com iniciativas para mexer na lei no
Parlamento, mas efeitos podem demorar meses a chegar ao terreno. Acórdão do STJ
abrange a esmagadora maioria dos 66 mil apartamentos que estão destinados a
alojamento local.
Luís Villalobos,
Rui Barros e Rosa Soares
20 de Junho de
2022, 6:21
Acesso de pessoas estranhas no prédio é uma das queixas
dos moradores permanentes
Aos
administradores de condomínios têm chegado alguns pedidos de condóminos para
que seja discutida a prática de alojamento local (AL) nos prédios onde residem,
tendo em conta o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que estabeleceu
que não é permitida a realização de alojamento local em prédios destinados a
habitação. Mas aos mesmos administradores têm chegado também, e em maior
número, pedidos de esclarecimentos de proprietários que exploram a actividade
em fracções e que estão apreensivos com o impacto da decisão judicial no seu
negócio. Em Portugal, perto de 60% deste mercado é composto por apartamentos
que podem vir a ser afectados pelas consequências da iniciativa do Supremo.
Os contactos
feitos pelo PÚBLICO junto de duas associações de empresas de gestão de
condomínios, a APEGAC e a ANPAC, bem como junto da associação que representa o
alojamento local (a ALEP), mostram que o acórdão veio dar força aos proprietários
que já contestavam, nas assembleias de condomínio, a prática de AL nos seus
prédios, não sendo visível um aumento significativo de protestos após a decisão
do STJ. E também dizem não ter conhecimento da entrada de novos processos em
tribunal, onde, aí sim, o acórdão produzirá efeitos, devendo influenciar a
quase totalidade das decisões judiciais que vierem a ser tomadas. Importa
referir que a decisão do Pleno das Secções Cíveis do STJ, de 22 de Março, não
tem força de lei, sendo uma referência para futuras sentenças.
Assiste-se,
assim, a um compasso de espera por parte de quem pode tirar vantagem do
acórdão, a contrariar a expectativa inicial de que se verificaria uma corrida
aos tribunais, em paralelo com a uma grande apreensão por parte de quem explora
a actividade de AL em apartamentos, que representam mais de 65% da oferta, para
ver se a legislação que regula o AL vai ser alterada e em que sentido poderá ir
essa alteração.
Para já, e
perante o silêncio do Governo sobre a matéria, depois de uma primeira reacção
de que iria analisar o seu impacto, parece certo que uma eventual alteração
passará pela Assembleia da República (AR). Mas o calendário é incerto.
Até ao momento,
foram apresentados dois projectos de lei – um da Iniciativa Liberal (IL) e
outro do Bloco de Esquerda -, a que se deverá juntar pelo menos mais um, do
PSD.
Em declarações ao
PÚBLICO, Márcia Passos, deputada do PSD, admite que o seu partido está
“preocupado e atento ao problema”. Mas não se compromete com datas para uma
decisão nesta matéria, acrescentando, apenas, que “o tema está a ser ponderado
internamente”. Refira-se, no entanto, que logo após a divulgação do acórdão, o
PSD tomou a iniciativa de chamar a Associação da Hotelaria, Restauração e
Similares de Portugal (AHRESP) e a Associação do Alojamento Local em Portugal
(ALEP), para avaliar o impacto do acórdão.
O PÚBLICO
contactou o grupo parlamentar do PS, no sentido de conhecer os seus planos
neste domínio, mas não obteve resposta em tempo útil.
Os dois projectos
de lei já apresentados desceram, sem votação, à Comissão de Economia, Obras
Públicas e Habitação, para discussão na especialidade, no âmbito da qual podem
ser apresentadas novas propostas ou contributos dos outros partidos. Márcia
Passos adianta, contudo, que ainda não está agendado o arranque dessa
discussão, não sendo certo, tendo em conta os trabalhos em curso na comissão,
que possa ocorrer antes da suspensão dos trabalhos do Parlamento para férias.
Depois das férias, e se a discussão do tema implicar a audição de algumas
entidades, o processo poderá arrastar-se por vários meses, sendo que os
trabalhos parlamentares na recta final do ano terão de contar com a
apresentação e discussão do Orçamento do Estado para 2023.
O projecto da IL
pretende inverter a decisão do STJ, ao pretender estabelecer que “[…] a
exploração de estabelecimentos de alojamento local em fracção autónoma de
edifício constituído em propriedade horizontal destinado no título constitutivo
a habitação não constitui uso diverso desse fim habitacional, nos termos e para
os efeitos do artigo 1422.º, n.º 2, al. c) do Código Civil”. Na prática,
significa manter a situação anterior ao acórdão.
Já o Bloco
avançou com uma iniciativa numa matéria lateral, uma vez que pretende travar
eventuais alterações ao título constitutivo dos prédios existentes, de forma a
eliminar a finalidade única de habitação, o ponto em que os juízes conselheiros
fundamentaram a sua decisão. Contudo, o partido liderado por Catarina Martins
deverá apresentar outro projecto de lei centrado na existência dessa actividade
em prédios de habitação, mas antes disso, entendeu que era preciso avaliar a
eficácia da última alteração ao regime do AL, em 2018, que pretendeu dar aos
proprietários residentes a possibilidade de pedir o cancelamento da actividade
de AL no caso de a mesma gerar situações de perturbação da tranquilidade e
segurança nos prédios.
Para isso, o
Bloco pediu dados ao Governo e às duas maiores autarquias sobre o número de
pedidos de suspensão de AL, tendo apenas uma resposta, da autarquia portuense,
mas que não especifica quantos dos pedidos de cancelamento e cessações
recebidos estão relacionados com a possibilidade criada pelo artigo 9º da Lei
n.º 62/2018, de 22 de Agosto.
Apartamentos
dominam AL em Lisboa e Porto
Os dados
recolhidos pelo PÚBLICO através do registo nacional de alojamento local (RNAL)
mostram que a maioria dos AL em Portugal, equivalente a 65% do total, existe em
apartamentos, seguidos pelas moradias, com 27%. Ao todo, são 66 mil
apartamentos, o que significa que a decisão do STJ abrange a maior parte dos
AL. Aqui, no entanto, é preciso ter em conta que o acórdão não tem relevância
em edifícios totalmente destinados a esse fim, uma vez que não se coloca a
questão de eventuais conflitos entre moradores residentes e a exploração
comercial para turistas. Não é possível saber qual a dimensão exacta da
exploração de AL em prédios totalmente afectos a essa actividade, sendo que a
ALEP refere que representam menos de 5%, o que significa que o acórdão deverá
abranger perto de 60% do mercado português.
Numa análise aos
dados do RNAL, verifica-se que o top dez dos AL muda conforme a análise seja
feita com o mercado em geral ou apenas os apartamentos. No segundo caso, o
Porto ultrapassa Albufeira, e junta-se a Lisboa como os dois concelhos com mais
AL em apartamentos: Lisboa lidera com 18.027 apartamentos (27% do total
nacional), seguindo-se o Porto com 7564. Estas duas cidades são marcadas por
uma forte expressão do AL em apartamentos face ao total, com 89% e 88%,
respectivamente. Já o concelho de Cascais, que está na nona posição do ranking
do AL, sai da tabela quando a análise incide apenas sobre os apartamentos, e
todos os outros concelhos abrangidos estão localizados no Algarve.
Empresas detêm
fatia importante do mercado
De acordo com os
dados recolhidos através do RNAL, a maioria dos AL registados na modalidade de
apartamentos são detidos por pessoas singulares (empresários em nome individual),
com 59%, cabendo a empresas os restantes 42%.
No caso das
pessoas singulares, e olhando para a titularidade, verifica-se que a actividade
é explorada pelos proprietários dos imóveis (58,3% do total dos AL em
apartamentos), seguindo-se os arrendatários, com 23,6% - o restante está
agrupado em outras situações, como a de comodatário ou de cessionário.
Relativamente às
empresas, é no Algarve, mais concretamente em Albufeira, que está a maior
empresa com apartamentos em regime de AL, a Balvil – gestão de empreendimentos
turísticos, com 248 unidades. O PÚBLICO enviou questões à empresa, nomeadamente
se vai sofrer algum impacto com a decisão do STJ, mas não obteve resposta. Já a
segunda maior empresa, a Lisbon Service Apartments, afirmou, através de um dos
seus responsáveis, Luís Milagres e Sousa, que “só faz a gestão de apartamentos,
tanto no regime de alojamento local, como de apartamentos turísticos, quando a
totalidade dos proprietários de um edifício os entregam” à empresa. “Assim
sendo, nunca temos a situação de conflito entre utilizações distintas, logo o
acórdão em causa não tem qualquer implicação na nossa actividade”, explicou.
Outra das maiores
empresas, a Homing, de capital português e criada em 2016 para gerir e mediar
imóveis, já refere, através do seu presidente, João Bolou Vieira, que decisão
do STJ afecta o seu negócio. “Temos o nosso negócio num constante balanço”,
afirma o responsável, “sobretudo”, diz, por “após uma pandemia passar por todas
estas leis que demonstram ser, diariamente, retroactivas a esta área de
negócio”.
Desde 2017/2018,
os anos em que decorreu a fase das alterações legislativas do diploma em vigor,
“que se iniciou esta questão e qualquer player vive em ansiedade desde então”.
O turismo, diz, “abriu oportunidades” para Portugal que não existiriam sem a
actividade do alojamento local estar dinamizada. “Esperamos que os actuais
investidores e proprietários que estão e continuam a investir no alojamento
local consigam manter os seus negócios”, acrescenta.
Actividade em
recuperação
Depois da
declaração da pandemia, em Março de 2020, o sector sofreu uma forte queda nos
rendimentos, mas se a covid-19 abrandou o registo de novas unidades também é
certo que não o parou, com destaque para o Algarve, mas também para as áreas
metropolitanas de Lisboa e Porto, bem como um pouco por todo o país.
De acordo com os
dados do RNAL, desde Março de 2020 até agora surgiram 19.337 novos AL (embora
nem todos possam estar activos, tal como sucede ao nível do total dos
registos). A 13 de Agosto de 2021 foi mesmo o segundo maior número diário de registos,
que chegaram aos 290, o que estará ligado ao anúncio de novas medidas de
limitação.
Actualmente, de
acordo com os dados divulgados a 9 de Junho pela empresa Confidencial
Imobiliário (CI), o sector já está a recuperar à boleia da subida do turismo.
“Impulsionado pelo período da Páscoa”, o mercado de AL em Lisboa registou em
Abril “uma ocupação média de 73% e um RevPAR [rendimento médio por quarto
disponível] de 69 euros”, relatou a CI. “Só uma vez, em pleno Verão de 2019, a
ocupação tinha atingido um patamar semelhante, enquanto o RevPAR estabelece
agora um novo máximo”, destacou a empresa, embora aqui tenha de se ter em conta
a subida da inflação.
No Porto, “a
Páscoa trouxe também uma clara recuperação da dinâmica do AL, embora não em
níveis recorde”, com a ocupação média a atingir os 54% e o RevPAR a chegar aos
44 euros.
tp.ocilbup@sobolalliv.siul
tp.ocilbup@sorrab.iur

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