OPINIÃO
O pior inimigo
Sem capacidade política ou intelectual; sem trunfos
científicos e tecnológicos; sem poder de atracção cultural ou artística; sem
vantagens nem trunfos comerciais, a Rússia usa o que tem, as matérias-primas e
a violência.
António Barreto
25 de Junho de
2022, 6:20
A Rússia ameaça a
paz europeia e mundial. É um risco mortal para os seus vizinhos. É um perigo
para toda a Europa. Reintroduziu a violência e a guerra nas relações internacionais.
A Rússia agita o fantasma da guerra nuclear. Feriu a liberdade de comércio. Sem
capacidade política ou intelectual; sem trunfos científicos e tecnológicos; sem
poder de atracção cultural ou artística; sem vantagens nem trunfos comerciais,
a Rússia usa o que tem, as matérias-primas e a violência.
A Rússia, o
ditador Vladimir Putin, o governo, a classe dirigente e as Forças Armadas são
actualmente os piores inimigos da liberdade e da democracia, da Europa e do
Ocidente. O governo russo não quer que os exemplos de democracia e de liberdade
contagiem o seu povo.
Na Ucrânia,
deliberadamente, os russos destroem cidades, bombardeiam edifícios residenciais
e fazem explodir fábricas, escolas e hospitais. Assumidamente maltratam toda a
gente, matam, violam, torturam e prendem civis e militares, homens e mulheres,
adultos e crianças. Atacam quem se atravesse no seu caminho, quem procuram e
quem encontram. Liquidam domésticas, profissionais, estudantes, médicos,
professores, enfermeiros, trabalhadores…. Basta existir e estar vivo para ser
um candidato a ser assassinado.
É verdade que a
crueldade e a violência são constantes na história dos russos dos últimos
séculos. Tal como a escravidão e a servidão. Sem falar na espionagem, na
denúncia, na delação, no policiamento e na censura. Mesmo sabendo que se trata
de uma característica permanente de um Estado, não podemos deixar de ficar
impressionados com o grau de violência a que se chegou na Ucrânia.
As principais
armas e os principais meios de acção dos russos são o bombardeamento, o
assassinato, o gás, o petróleo e os cereais. Não têm ciência e tecnologia
bastantes, não têm engenharia e empresas suficientes, nem oferecem mercado e
oportunidades. Restam-lhes as matérias-primas e a violência militar.
A Rússia quer
destruir a NATO porque esta é uma aliança de países democráticos, liderada
pelos Estados Unidos, é certo, mas na qual todos os Estados têm uma palavra e
um voto, todos os que foram admitidos tiveram uma decisão democrática, ninguém
foi forçado. A NATO é o exemplo de aliança política e militar que a Rússia
abomina, predestinada como se sente para o poder imperial, a federação aparente
e a obediência dos vizinhos. As forças armadas americanas ou as da NATO nunca
tiveram de invadir países-membros, o que a Rússia e a União Soviética fizeram
várias vezes na Hungria, na Checoslováquia, na Alemanha, na Polónia, na
Geórgia…
As forças armadas americanas ou as da NATO nunca tiveram
de invadir países-membros, o que a Rússia e a União Soviética fizeram várias
vezes, na Hungria, na Checoslováquia, na Alemanha, na Polónia, na Geórgia…
A Rússia não
tolera o facto de metade dos países da NATO serem antigos comunistas e terem
pertencido à esfera de influência russa. A Rússia não quer apenas destruir a
NATO, tenta também aniquilar a União Europeia, pela simples razão que esta é
hoje um símbolo da democracia, exemplo para muitos povos.
Tal como nos
últimos séculos, a Rússia, hoje, quer segurar o seu actual império, conquistar
os vizinhos próximos, ameaçar os vizinhos afastados, limitar e condicionar as
decisões soberanas de todos os países do continente europeu, rivalizar com a
NATO, destruir a União Europeia, impedir a liderança chinesa na Ásia e no Pacífico,
condicionar meio mundo, partilhar o planeta…
Há países por
esse mundo fora que fazem pior do que a Rússia? Provavelmente, não. De qualquer
maneira, o mal, a crueldade e a violência dos outros não justificam a de
ninguém. Será que na Ucrânia, há ou havia, também, corrupção, violência e falta
de liberdade? É possível. Mas nada justifica que os russos a tenham invadido e
destruído como estão a fazer.
Será que a
Europa, os Estados Unidos, a NATO e a UE “têm culpas no cartório”? São
russófobos, aproximaram-se excessivamente das fronteiras russas, meteram medo a
Putin, não respeitaram os espaços de influência, não previram os medos dos
russos e os receios de Putin? É possível. Mas nada disso justifica a invasão,
nada desculpa a violência.
Temas muito tratados
são os dos erros dos europeus, das políticas da NATO e das imposições dos
americanos. Sem falar no que europeus, americanos e ocidentais fizeram ou terão
feito no Vietname, no Iraque, na Líbia e noutras paragens. Verdade é que nenhum
erro e nenhuma violência, por mais condenáveis que sejam, desculpam a invasão
da Ucrânia pelos Russos.
Entre os “erros
europeus”, está a nova dependência ocidental. Os países confiaram na Rússia,
aceitaram as suas imposições comerciais, albergaram os seus oligarcas, acolheram
os seus mafiosos, encaminharam os investimentos dos traficantes e dos corruptos
russos. Consideraram a Rússia como um parceiro normal, um cliente igual aos
outros e um fornecedor em quem se pode confiar. Deixaram-se seduzir pelas
facilidades do gás barato, do petróleo acessível e dos transportes fáceis, a
ponto de permitir que as nações europeias ficassem dependentes da Rússia, até
quase à perda de decisão livre. Todos estes interesses falharam e têm o seu
preço. Todos estes “erros” se pagam. E a Europa vai pagá-los durante anos. Tudo
isso pode ser verdade, mas nada disso justifica a invasão e a violência. E nada
disso serve para uma “balança moral”, isto é, os erros dos europeus teriam a
mesma gravidade que a violência russa.
Temas igualmente
referidos por quem procura justificar a invasão russa são os da desigualdade
social, da exploração capitalista e da corrupção em tantos países ocidentais.
Verdade é que a Rússia é pelo menos tão desigual, exploradora e corrupta. E
nada disso justificaria uma guerra não provocada, uma invasão violenta e uma
destruição cruel. Todos os defeitos, contradições e conflitos existentes no
Ocidente democrático são passiveis de serem debatidos e resolvidos através do
funcionamento da democracia, com recurso aos direitos e liberdades
fundamentais: liberdade de imprensa, liberdade de expressão, liberdade de
associação e eleições livres. Não é, consabidamente, o caso da Rússia, onde não
há liberdade de expressão, mas há censura, onde não há eleições livres, mas há
prisão, onde não há liberdade de associação, mas há o assassinato político.
A Rússia pode
orgulhar-se. Volta finalmente a ter peso no mundo: é o maior inimigo da
liberdade, o maior perigo para a democracia e a maior ameaça contra a paz.
O autor é
colunista do PÚBLICO


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