Aquele que já é considerado o maior sorvedouro de fundos
públicos (10,5 mil milhões de euros) da história da banca portuguesa, o Novo
Banco (NB), investiu cerca de dois milhões de euros a montar uma estratégia de
comunicação externa destinada a gerir as guerras mediáticas e políticas em que
se envolveu, que incluiu assessores individuais, agências de comunicação, grupos
de relações públicas internacionais especializados em lobbying e na
intermediação dos interesses privados com os públicos.
BANCA
Novo Banco pagou mais de 1,3 milhões a empresa de
lobbying para gerir crises de reputação
A Brunswick – empresa de lobbying com altos quadros de
governos americanos e europeus – acompanha o Novo Banco desde a sua criação e
os seus serviços foram requisitados por Ramalho perante o avolumar de polémicas
mediáticas que desencadearam uma comissão de inquérito.
Cristina Ferreira
25 de Junho de
2022, 6:30
Idas de António
Ramalho ao Parlamento motivaram a criação de uma "task force" de
comunicação para acompanhar o processo.
Aquele que já é considerado o maior sorvedouro de fundos
públicos (10,5 mil milhões de euros) da história da banca portuguesa, o Novo
Banco (NB), investiu cerca de dois milhões de euros a montar uma estratégia de
comunicação externa destinada a gerir as guerras mediáticas e políticas em que
se envolveu, que incluiu assessores individuais, agências de comunicação,
grupos de relações públicas internacionais especializados em lobbying e na
intermediação dos interesses privados com os públicos.
No Verão de 2020,
em plena crise de reputação, e ainda antes de a Operação Cartão Vermelho ter
desvendado um alegado esquema de evasão ao escrutínio do Parlamento, concebido
no topo da instituição, o Lone Star — accionista privado do banco — chamou o
presidente-executivo (CEO) António Ramalho para o encarregar de contratar o
grupo de relações públicas Brunswick. Uma ordem dada sem direito a perguntas.
A instrução também
não gerou ruído internamente. Afinal, o Lone Star era conhecido por ter um
traço marcante: um “fundo abutre” controlador. Para além do chairman
(presidente da administração), Byron Haynes, recrutado a uma sociedade do
private equity Cerberus (que veio a adquirir parte dos activos do NB), o Lone
Star colocou à frente dos órgãos de fiscalização internos da instituição
portuguesa nomes recrutados ao seu universo, tendo indicado igualmente os
restantes membros.
A cena ocorreu no
arranque do Verão de 2020, já na recta final da divulgação da auditoria da
Deloitte às vendas de activos e aos créditos concedidos a grandes clientes. E
numa altura em que o Novo Banco e o Lone Star (LS) eram visados politicamente
pela estratégia de venda acelerada de activos com descontos (que chegavam a
90%), muitas vezes a compradores “fantasma” (com estruturas opacas), cujas
perdas legitimavam as chamadas de capital ao Fundo de Resolução com reflexo nas
contas públicas.
Com Ramalho a
revelar dificuldades em conter a pressão mediática, e perante a preocupação do
LS com um risco de derrapagem nos timings das injecções de fundos públicos, a
solução encontrada foi encarregar o CEO de contratar a Brunswick, firma que se
declara perita em gerir crises políticas e guerras accionistas. E que usa as
ferramentas de qualquer assessor ou agência de comunicação: construção daquilo
que o sector designa de equity story a partir de factos verdadeiros construir
narrativas para influenciar os líderes de opinião, o mercado e a opinião
pública, elaborando argumentos de desinformação para contrariar as notícias que
não convêm aos seus clientes.
Uma das
especialidades do grupo anglo-saxónico é ajudar o cliente a seleccionar a
informação que deve ser divulgada, para evitar gerar mais ruído, e escolher
aquela que é susceptível de condicionar decisões políticas. Uma tarefa a que
alguns escritórios de advogados também se dedicam. E um dos primeiros
contributos da Brunswick foi preparar a resposta do NB às conclusões da
auditoria da Deloitte, finalizada em Julho de 2020.
A “cavalaria
pesada” da Brunswick entrou na sede da instituição financeira para, entre
outras tarefas, dar a táctica comunicacional ao CEO. Em Setembro de 2020, no
Parlamento, Ramalho manifesta-se: “criou-se o ‘mito urbano’ de que o banco só
fez imparidades depois da venda ao LS”. E revela que a sua chefe de gabinete
lhe havia reenviado uma mensagem da DGComp (a concorrência europeia) a
confirmar que a margem para o NB alterar o plano negociado com Bruxelas estava
esgotada, ao contrário do que estava a ser questionado. A maioria dos
deputados, porém, não se convence. E dali a semanas, o maior receio do Lone
Star confirma-se: PSD, BE, PCP e PAN travam novas transferências do Fundo de
Resolução para o NB, mesmo antes de conhecerem a auditoria do Tribunal de Contas
para eventualmente confirmarem a sua legalidade.
O que é a
Brunswick?
Os serviços da
Brunswick ao Novo Banco estendem-se até ao final de 2021, em regime de avença
com o seguinte figurino: nos primeiros três meses são pagos 300 mil euros, 100
mil por mês, para gerir a situação de crise imediata; e, a partir dali, com a
missão de acompanhamento do caso, o preço sofre um ajuste para 20 mil euros por
mês.
Um padrão de
comissões que o NB conhece bem. Ao ser nomeado, duas semanas antes da resolução
do BES, a 3 de Agosto de 2014, presidente da instituição que seria rebaptizada
de NB, Vítor Bento assinou com a firma anglo-saxónica um contrato de
assistência na área do marketing reputacional a nível nacional e internacional.
A factura inicial é de 100 mil euros mês, por três meses, valor que acaba
também ajustado para 20 mil euros mensais, quando Eduardo Stock da Cunha assume
a liderança do NB. A avença está activa até à saída de Stock da Cunha e à
entrada de Ramalho.
Contas feitas em
três anos e meio, o NB teve um custo com a Brunswick que passa os 1,3 milhões
de euros. Contactada, esta empresa confirmou que “apoiou o Novo Banco com
serviços de consultoria de comunicação entre 2014 e 2016, bem com entre 2020 e
2021”. Já o Novo Banco recusou comentar o tema.
Note-se que o
mercado português não lhe era desconhecido. Por exemplo, o grupo anglo-saxónico
apareceu activo em vários dossiês de privatização e apoiou o BCP na contestação
à OPA do BPI.
No período
crítico da troika, em 2011, o então primeiro-ministro Pedro Passos Coelho
escolheu a Brunswick como prestador de serviços de comunicação e marketing, com
um contrato mensal de 63 mil euros nos primeiros três meses, posteriormente
reduzido. A escolha foi-lhe sugerida pelo actual presidente da Câmara Municipal
de Lisboa, Carlos Moedas, à época secretário de Estado-adjunto do então
primeiro-ministro, algo que o próprio autarca viria a assumir publicamente.
A “cavalaria
pesada” da Brunswick entrou na sede da instituição financeira para, entre
outras tarefas, dar a táctica comunicacional ao CEO.
A Brunswick não é
uma simples empresa de relações públicas. É também um grupo de pressão,
conhecido por desenvolver a actividade de lobista nas praças anglo-saxónicas e
europeias. Em Bruxelas, os sócios desempenharam cargos ao mais alto nível na
Comissão Europeia: Jonathan Faull, foi director geral dos serviços financeiros,
do mercado interno, liderou o gabinete de media da Comissão Europeia (CE) e
chefiou a equipa da União Europeia que acompanhou o processo que culminou no
Brexit; Gaëlle Lemaire, para além de ex-embaixadora da União Europeia, foi
assessora do antigo presidente da Comissão, Durão Barroso.
Mitchell Reiss,
ex-assessor de Colin Powel, o antigo secretário de Estado de George Bush, Neal
Wolin, ex-secretário de Estado do Departamento do Tesouro de Barack Obama, a
cuja administração também pertenceu Anthony Gardner, são alguns dos
norte-americanos sócios da empresa lobista. Na mesma lista, estão políticos
britânicos conservadores: Duncan McCourt, chefe de gabinete do ex-ministro das
Finanças, Phillip Hammond; Bethany Wheatley, ex-responsável pela comunicação
digital dos conservadores; Kate Fall, ex-deputada de David Cameron.
Em Portugal,
Rurik Ingram aparece como o rosto principal da Brunswick de que é também sócia
a ex-jornalista Alexandra Abreu Loureiro, que entre 2006 e 2009 desempenhou
funções no gabinete de comunicação do governo de José Sócrates como porta-voz
do ministro da Defesa, Severiano Teixeira.
A 12 de Junho de
2013, Rurik Ingram entrevista Passos Coelho, para a revista interna da empresa,
num texto a que chama: “A arte de persuasão”. Dali a ano e meio, Pedro Passos
Coelho não tem forças para bater a maioria de esquerda liderada por António
Costa.
Em 2015, Abreu
Loureiro entrevistou também Stock da Cunha, a quem apelida em letras gordas de
“O bom samaritano”. Recorde-se que em 2015 o “bom samaritano” recebeu um
salário anual de 384 mil euros.
Além de Abreu
Loureiro, trabalha também na Brunswick a ex-jornalista Dalila Carvalho,
ex-assessora de comunicação de Carlos Tavares quando este era ministro da
Economia no Governo de Durão Barroso.
Nos últimos anos,
no rol de prestadores de serviços de comunicação externa do NB constam outros
nomes. Stock da Cunha contou com o ex-director de comunicação da antiga PT,
Francisco Lucena, com uma avença mensal de cinco mil euros, e um contrato
indexado ao mandato do ex-CEO. Lucena respondia directamente perante o director
de comunicação, Paulo Tomé. Ao PÚBLICO, Lucena preferiu não comentar as
informações.
Estratégia sobe
de nível
A partir de 2018,
já com Ramalho ao leme, e o NB vendido ao Lone Star, com uma almofada de
capital público de 3,9 mil milhões, a narrativa comunicacional aprimorou-se.
Uma das primeiras iniciativas de Ramalho foi contratar um assessor pessoal para
lhe tratar da imagem, a quem paga ainda hoje uma avença mensal de cinco mil
euros.
Luís Magalhães,
ex-jornalista e fundador da MEDIA Consulting, conhece bem o actual CEO do NB,
de quem foi assessor na década de 2000, na CP - Comboios de Portugal. O
contrato extingue-se em Julho, assim que Ramalho deixar a presidência da
instituição. Magalhães, contactado pelo PÚBLICO, ainda sem conhecer as
questões, disse o seguinte: “já me disseram” que o assunto são os “assessores
do Ramalho”; “se é para isso, não contribuo”. Declarações proferidas, por
escrito, entre insultos e ameaças de agressão física.
No duelo com a
opinião pública, a 30 de Dezembro de 2020, o Novo Banco comunica que vai criar
uma "task force" para responder, o mais rápido possível, “a todos os
pedidos relacionados com a comissão parlamentar de inquérito e as auditorias em
curso”.
Os serviços de
assessoria de Magalhães e Lucena, juntos, custaram mais de meio milhão de euros
ao NB.
"Projecto 31
de Março"
No final de 2019,
a almofada de capital público estava a caminho de ser esgotada. Dos 3,9 mil
milhões, 2976 milhões de euros tinham sido já levantados e, destes, 2130
milhões tinham origem em empréstimos do Tesouro. Todos os montantes tiveram
impacto nas contas públicas, como foi alertando o Tribunal de Contas ao longo
dos anos.
No duelo com a
opinião pública a propósito dos indícios de ausência de transparência nas
decisões de gestão, com repercussões na esfera pública, a 30 de Dezembro de
2020, o Novo Banco comunica que vai criar uma task force para responder, o mais
rápido possível, “a todos os pedidos relacionados com a comissão parlamentar de
inquérito e as auditorias em curso”.
“O Novo Banco
acredita que esta sobreposição de auditorias e inquéritos constitui uma
oportunidade para encerrar de vez as polémicas artificiais criadas durante o
ano de 2020, permitindo divulgar em total transparência os diversos contratos
firmados em 2017”, explica o banco no comunicado.
A task force é
baptizada de “Projecto 31 de Março” e mobilizará 40 pessoas, incluindo quatro
executivos: o próprio CEO; Rui Fontes (o ex-director de risco de Ricardo
Salgado); a jurista Luísa Soares da Silva; e Mark Bourke, o nome que o Lone
Star escolheu para substituir Ramalho. O NB comunica que a iniciativa se vai
traduzir num custo de mais de três milhões de euros e que estima enviar para a
CPI mais de um milhão de páginas.
Em entrevista ao
PÚBLICO, em Outubro de 2021, o redactor das conclusões do relatório final da
CPI, o socialista Fernando Anastácio, acaba a expressar-se nestes termos:
“Achei interessantíssima a forma de abordagem do NB com a CPI. Passou a
mensagem para a comunicação social de que enviou e-mails, recursos e que pôs um
director exclusivamente dedicado a tratar da colaboração com a CPI, usou a
velha técnica de ‘encharca-os de informação para ver se eles não a conseguem
consumir'”. O que Ramalho quis dizer à CPI foi: “vocês não vão conseguir ir ao
âmago do problema”, completa.
O Novo Banco
nunca foi um dossier bem explicado nem bem compreendido pela opinião pública. A
operação Cartão Vermelho, que investigou as relações de Luís Filipe Vieira com
a banca, acabou a expor a actuação da gestão do NB enquanto decorria a CPI. E é
a António Ramalho que as autoridades, no âmbito da investigação, atribuem o
papel de alegado “promotor de uma estratégia”, planeada e articulada com a
estruturas internas e alguns devedores chamados a depor na CPI, com o intuito
“de controlar os depoimentos”, omitindo a informação relevante e
desqualificando as intenções de escrutínio dos deputados.
Em Dezembro de
2020, para o ajudar a afinar a sua estratégia nos termos entretanto conhecidos,
o NB contratou a agência de António Cunha Vaz que aparece a preparar alguns das
audições de protagonistas chamados à CPI. Um dos que ficou na lista de treino
de Cunha Vaz foi Luís Filipe Vieira, grande devedor do BES e que o NB “terá
protegido” com operações de reestruturação de dívidas.
Não que Cunha Vaz
fosse uma novidade para Luís Filipe Vieira. Antes das revelações da Operação
Cartão Vermelho, Cunha Vaz dava assessoria ao Benfica e a Luís Filipe Vieira.

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