quarta-feira, 22 de junho de 2022

GNR, PSP e PJ querem receber pessoal do SEF mas ninguém sabe ainda quem nem quantos

 


SERVIÇO DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRAS

GNR, PSP e PJ querem receber pessoal do SEF mas ninguém sabe ainda quem nem quantos

 

Apenas 19 polícias aceitaram a comissão de serviço para ficarem sob as ordens do SEF no aeroporto de Lisboa. Forças de segurança queixam-se de não terem acesso às 23 bases de dados do SEF, o que dificulta o trabalho de investigação.

 

Maria Lopes

21 de Junho de 2022, 21:00

https://www.publico.pt/2022/06/21/politica/noticia/gnr-psp-pj-querem-receber-pessoal-sef-ninguem-sabe-2010875

 

A avaliar pelas audições dos responsáveis da GNR, PSP, PJ e INR – Instituto dos Registos e Notariado, os elementos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) têm os braços abertos para se mudarem para aquelas duas forças e serviço de segurança e para a entidade administrativa. Mas ninguém sabe especificar quantos inspectores ou administrativos irá receber ou que formação têm, e, em alguns casos, nem ainda se sabe bem quais as competências que essa entidade terá porque a entrada em vigor da lei de reestruturação do SEF foi prorrogada sine die depois de um primeiro adiamento de quatro meses e ainda há regulamentação por publicar.

 

Nessas condições estão a PSP e a GNR que não se entendem sobre a competência nas fronteiras dos terminais de cruzeiros; assim como o INR que também desconhece quais as funções administrativas que passará a ter – se irá apenas renovar autorizações de residência ou também emitir novas. E até o próprio SEF não consegue desenhar cenários: o director admitiu que continua à espera de “algumas peças legislativas sobre a definição de como todo este modelo se vai encaixar” – incluindo quantos inspectores terão que ficar na nova Agência Portuguesa para as Migrações e Asilo (APMA). Fernando Pinheiro da Silva defendeu, no entanto, a tutela: “A pressa não é boa conselheira. O processo levará o tempo que for necessário para que todas as peças encaixem.”

 

Depois, há uma característica comum aos órgãos de polícia criminal, ainda que apenas o director da Polícia Judiciária se tenha queixado das desvantagens que isso traz à sua “casa": o SEF tem actualmente um total de 23 bases de dados mas nenhuma delas está acessível às restantes forças e serviços de segurança, o que prejudica as investigações, e também não há partilha de informação sobre processos (embora Luís Neves saiba que o SEF tem hoje 735 inquéritos abertos).

 

São, entre outras temáticas, bases de dados sobre vistos, residência, registos criminais, nacionalidade, pessoas expostas politicamente (PEP), boletins de alojamento (SIBA), sistema de informação de Schengen. A PSP defende que devem estar sob a gestão do Sistema de Segurança Interna.

 

Outra característica em comum? Todos afirmam não terem “problemas de maior” em receber novas atribuições e responsabilidades, assim como funcionários com estatuto e remuneração diferentes, e prometem dizer “sim, senhor” ao que a tutela decidir. A PSP e a GNR já iniciaram a formação dos seus elementos – mas apenas a concluíram meia centena de elementos.

 

Estas foram algumas das vicissitudes do processo salientadas nesta terça-feira à tarde no Parlamento pelos dirigentes da GNR, PSP, PJ, INR e SEF que foram ouvidos na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias na sequência de um pedido do PSD que tem vários meses – tinha já sido pensado ainda antes da aprovação da lei, na anterior legislatura, e foi sendo sucessivamente adiado.

 

O comandante-geral da GNR, Rui Clero, admitiu que soube dos “contornos” da reestruturação na reunião do Conselho Superior de Segurança Interna de Janeiro de 2021 e que foi dando contributos “de forma silenciosa à tutela”, incluindo sobre a interpretação da letra da lei “que não é absolutamente clara”. “Diz que o controlo das fronteiras marítimas e terrestres é da GNR", mas depois atribui os terminais de cruzeiro à PSP, o que levou a GNR, que já tem um grupo de trabalho a preparar o “assunto SEF”, a questionar a tutela sobre a incoerência – que ainda não respondeu.

 

Filas “inultrapassáveis"

Mas o director nacional da PSP, Manuel Magina da Silva, tem uma proposta para resolver o impasse sem admitir perder atribuições: “Podemos celebrar um protocolo entre a PSP e a GNR para ultrapassar alguma conflitualidade de competências e permitir um relacionamento institucional e o complemento operacional.”

 

Magina contou que desde 20 de Maio o SEF pediu ajuda por duas vezes para o reforço da capacidade operacional nos aeroportos – o plano pressupõe a disponibilização de 168 elementos da PSP durante o Verão – e que dos cerca de 80 agentes que já foram transferidos, apenas 19 aceitaram passar para uma “comissão especial de serviço no SEF”. Mas admitiu que filas como as dos últimos fins-de-semana são “inultrapassáveis”.

 

Com as novas atribuições, a PSP terá que criar uma unidade de segurança aeroportuária e controlo fronteiriço onde irá integrar o pessoal do SEF que vai receber. O director da PSP lamentou a “assimetria remuneratória muito exagerada” entre as várias forças e serviços de segurança e defendeu que se deve “tentar caminhar para o equilíbrio”, já que terá que integrar elementos do SEF que ganham o dobro de polícias com o mesmo tempo de carreira.

 

Filomena Rosa, presidente do INR, admite que não consegue avaliar o impacto que as futuras e “exactas” atribuições terão nos seus serviços enquanto o quadro legal não for definido e demarca-se dos problemas das bases de dados afirmando que hoje é o SEF que acede à informação dos Registos, como os dados sobre passaportes.

 

O actual director do SEF, Fernando Pinheiro da Silva, negou a perda de know how dos elementos da instituição com a extinção do serviço – “os inspectores não vão desaparecer; vão estar noutras entidades a prestar funções com o seu conhecimento acumulado” –; recusou que a extinção seja a "responsabilização colectiva” pela morte de Ihor Homeniuk; e defendeu o novo modelo dizendo ser o maioritário na Europa e o menos dispendioso.

 

“O modelo [de competências distribuídas] tem que garantir a harmonização de procedimentos, boa comunicação entre as várias forças, e a coordenação forte por uma entidade acima delas.” E recorreu a T.S. Elliot para desdramatizar: “Todo o fim é um começo em si.”

 

 Houve algumas perguntas dos deputados que não receberam respostas directas. Nenhum responsável quis fazer qualquer avaliação ou comentário sobre a opção política de extinguir o SEF e distribuir as respectivas competências por tantas entidades. “Não me pronunciarei sobre opções políticas porque a última vez que o fiz correu mal”, justificou-se Magina da Silva, numa alusão à polémica em que se viu envolvido em Dezembro de 2020, com o então ministro Eduardo Cabrita, quando à saída de uma audiência com o Presidente da República defendeu que o processo de reestruturação deveria implicar uma “fusão entre a PSP e o SEF", dando origem a uma “polícia nacional”.

 

Mas se nessa altura deu como exemplos as realidades espanhola, francesa e italiana, nesta terça-feira voltou a insistir na ideia, indo buscar um estudo de 2006 para a reforma do modelo de organização do sistema de segurança interna coordenado por Nuno Severiano Teixeira em que havia um cenário X – o tal da Polícia Nacional que resultaria da agregação da PSP e SEF.

 

Sem comentários: