“Lamento
imenso se o CCB tem de mudar de direcção sempre que muda o governo”
António
Lamas foi ao Parlamento explicar por que razão não se demitiu do
CCB e garantir que ouviu a autarquia antes de dar por concluído o
seu plano para o eixo Belém-Ajuda
Lamas
deixou claro que considerava que o seu afastamento tinha motivações
políticas e não técnicas
Lucinda
Canelas/ 31-3-2016 / PÚBLICO
António Lamas
chegou às 17h30, como estava marcado, com documentos e uma
declaração inicial que resumia em pouco mais de cinco minutos o seu
currículo enquanto professor universitário e gestor público.
Durante as duas horas seguintes respondeu às perguntas dos deputados
da Comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e
Desporto.
Estava ali a pedido
do PSD para dar a sua versão dos acontecimentos que levaram o
ministro da Cultura, João Soares, a afastá-lo da presidência do
Centro Cultural de Belém (CCB), na sequência de um processo muito
mediatizado que começou com a extinção de uma estrutura chefiada
por Lamas que criou um plano estratégico para revitalizar o eixo
Belém-Ajuda, a zona monumental mais visitada do país, e acabou com
o ministro a recebê-lo no seu gabinete, a 29 de Fevereiro, para lhe
entregar uma cópia do despacho de exoneração, cumprindo naquela
noite um ultimato que lhe fizera três dias antes, nas páginas dos
jornais.
Ontem, Lamas não se
referiu uma única vez ao seu sucessor, Elísio Summavielle, um homem
que tem feito carreira no património e no serviço público, como o
expresidente do CCB, e colaborador de longa data de João Soares. Mas
deixou claro que considerava que o seu afastamento tinha motivações
políticas e não técnicas, e que o argumento usado para chumbar o
seu plano estratégico para Belém — o de que a Câmara Municipal
de Lisboa (CML) não fora consultada enquanto se elaborava a proposta
— não era verdadeiro.
No final, Lamas
haveria de dizer aos jornalistas que Fernando Medina, o socialista
que preside à autarquia, temera a falta de “protagonismo” da
câmara, mas que a decisão de a confinar à comissão de
acompanhamento da estrutura de missão encarregue de executar o plano
fora do Governo de Passos Coelho e não sua.
“Atitude birrenta”
O ex-presidente do
CCB, que durante anos liderou a Parques de Sintra — Monte da Lua, a
empresa que gere os monumentos daquela vila património mundial, foi
à AR na sequência de um requerimento apresentado por dois deputados
do PSD, Sérgio Azevedo e Pedro Pimpão. Foi precisamente o primeiro
que começou por acusar o ministro da Cultura de tratar a questão da
substituição do presidente do CCB de “uma forma despropositada”
e de ter tomado uma decisão puramente política. Vânia Dias da
Silva, do CDS-PP, alinhou nas críticas e defendeu que a extinção,
por parte do Governo de António Costa, da estrutura de missão que
Lamas dirigia é produto de uma “atitude birrenta” do executivo,
do seu “fervor destrutivo”.
Lamas aproveitou
para refutar, a cada intervenção, as acusações que a tutela lhe
foi fazendo nas últimas semanas através da comunicação social.
“Fui conduzido na praça pública a um empurrão para me demitir.
Eu achei que não o devia fazer porque não concordei com as razões”,
disse, rejeitando uma vez mais que o seu plano estratégico para
Belém seja um “disparate total” (foi João Soares que assim o
classificou). “É um trabalho que me orgulho de ter apresentado ao
Governo.”
Aos que nos jornais
atribuíram a sua recusa em se demitir não a uma posição de
princípio, mas à “indemnização choruda” que lhe caberá por
ter sido exonerado antes de 2017 (foi o primeiro presidente do centro
a sê-lo desde que nasceu, há 23 anos), respondeu: “A minha
indemnização já foi calculada pela Fundação CCB — não chega a
11 mil euros.” Gabriela Canavilhas, do PS, saiu naturalmente em
defesa de João Soares, lembrando a legitimidade do ministro para
escolher o presidente do CCB, um cargo de confiança política, e
argumentando que este “não é o momento nem a oportunidade
adequada para avaliar a proposta [de Lamas] para o eixo Belém-Ajuda”.
“Não há qualquer fundamento político-partidário no seu
afastamento”, nem “qualquer irregularidade” em todo o
procedimento, disse Canavilhas, garantindo que João Soares esperava
que Lamas se demitisse, o que na opinião dos socialistas seria “o
mais correcto”, dada “a relação umbilical” que o então
presidente estabelecia entre o seu plano para Belém e o cargo que
exercia no CCB.
Com o pedido de
audição de Lamas, o PSD quis apenas, acrescentou a deputada, fazer
o “julgamento moral e político” do ministro da Cultura. “Este
assunto devia estar morto”, disse. “Morreu com a extinção do
[plano para o] eixo BelémAjuda.”
CML no centro do
debate
As declarações de
João Soares a 26 de Fevereiro, responsabilizado Lamas por uma
“gestão imprudente” que levara ao esbanjamento de seis milhões
de euros das reservas do CCB — o professor do Instituto Superior
Técnico diz não saber sequer a que se refere o ministro,
convidando-o a olhar para as contas daquele equipamento cultural —,
não ocuparam muito os deputados.
No centro da
discussão estiveram os contactos entre o então presidente e a
autarquia liderada por Medina. Os contactos que João Soares diz que
não existiram, os que Lamas fez questão de discriminar perante os
deputados: várias reuniões com o vereador do Urbanismo e
Planeamento Estratégico, Manuel Salgado, com a vereadora da Cultura,
Catarina Vaz Pinto, e outros técnicos. Isto, sem esquecer o próprio
Medina, com quem disse ter almoçado uma vez, em Dezembro de 2015,
encontrando-se com ele uma segunda vez, numa reunião em que o
presidente da autarquia terá sido “desagradável”.
Findos os
esclarecimentos na comissão parlamentar, clarificaria aos
jornalistas o calendário destes encontros com representantes
camarários, explicando que os contactos com Salgado e Vaz Pinto
aconteceram antes de estar criada a estrutura de missão encarregada
pelo Governo de Passos de criar o plano de revitalização de Belém,
embora as reuniões técnicas se tenham mantido até Setembro de 2015
(o plano estratégico fora divulgado em Agosto no portal do Governo).
Quanto à reunião com Medina, aconteceu já depois de criada a
estrutura, quan-
do Lamas lhe pediu
que nomeasse um representante para a comissão de aconselhamento.
Segundo este gestor
público, o presidente da câmara sentiu que a autarquia estava
“secundarizada” e rejeitou qualquer representação. “O Governo
achou que não devia incluir uma autarquia numa estrutura que
dependia do Conselho de Ministros”, explicou, e Medina optou por se
recusar a participar. “Foi uma recusa política”, concluiu. A de
um autarca PS perante uma proposta encomendada por um governo de
coligação PSD-CDS.
As explicações de
Lamas aos deputados sobre estes contactos tinham posto Sérgio
Azevedo a defender na comissão que “o espectáculo levado à cena
pelo ministro da Cultura” se baseava numa “argumentação falsa”,
já que a câmara fora ouvida várias vezes e conhecia o que se
estava a preparar. “O que está aqui em causa é a substituição
de uma pessoa pura e simplesmente por outra pessoa. Não há uma
divergência de fundo”, afirmou o deputado social-democrata,
dizendo que a única coisa que João Soares demonstrou em todo o
processo é que “é o DDT [dono disto tudo] da Cultura”.
Ana Mesquita do PCP,
admitiu que se pode discutir “a elegância” do afastamento de
Lamas, mas o que importa neste caso é o abandono de um “plano
mercantilista” que abria a porta a um aumento de preços dos museus
e monumentos de Belém e se preparava para vedar a muitos portugueses
o acesso a um património importantíssimo. Na despedida, Lamas pediu
aos deputados que leiam o plano que criou com a sua equipa para o
eixo e que se interessem pelo futuro de Belém, lembrando que deixou
criadas condições para que os dois módulos que faltam para
completar o CCB — em parte destinados a hotéis — sejam
concessionados ainda este ano.
“Não aceitei a
presidência do CCB para dar mais importância a Belém do que à sua
programação”, disse. E concluiu, numa referência directa ao seu
mandato interrompido: “Lamento imenso se o CCB tem de mudar de
direcção sempre que muda o governo. Não foi o que aconteceu até
agora.”