terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Um “submundo” no centro do Porto: insegurança, ruído e vandalismo preocupam moradores

 



SEGURANÇA

Um “submundo” no centro do Porto: insegurança, ruído e vandalismo preocupam moradores

 

Junto à discoteca Eskada, na Rua da Alegria, as madrugadas são ruidosas e violentas. Moradores dizem-se “abandonados” e reclamam intervenção da autarquia e autoridades

 

Mariana Correia Pinto (texto) e Paulo Pimenta (fotografia)

3 de Janeiro de 2023, 6:40

https://www.publico.pt/2023/01/03/local/noticia/submundo-centro-porto-inseguranca-ruido-vandalismo-preocupam-moradores-2033457

 

Moradores queixam-se de ruído e insegurança nas imediações da discoteca Eskada

A história acontece de segunda a sábado há já muitos anos, mas acentuou-se depois de a pandemia dar tréguas. Na Rua da Alegria, em frente à discoteca Eskada, dezenas de frequentadores do espaço juntam-se nos passeios – e no meio da rua – madrugada dentro. O botellón é, por ali, “desenfreado”. O ruído impede o descanso de moradores da zona, eminentemente residencial, mas está longe de ser o único problema. Há violência entre quem está na rua e ameaças a moradores, assaltos a prédios e carros, venda e consumo de droga, sexo na via pública e até corridas de automóveis em contramão, relatam vários moradores com quem o PÚBLICO falou.

 

A Câmara do Porto “está a par dos problemas”, mas argumenta que a situação foge, no essencial, da sua responsabilidade. Na “grande maioria das vezes”, explica, as ocorrências são registadas pela Polícia Municipal, mas encaminhadas para a PSP, por considerar que “as queixas apresentadas não são da sua competência”. Já a PSP, através da comandante do Comando Metropolitano do Porto, Maria dos Anjos, garante que a zona tem recebido “uma atenção particular no que respeita à segurança”.

 

Quem por ali mora tem outra percepção. “Sentimo-nos abandonados”, lamenta João R., falando numa situação que se perpetua e de queixas caídas em saco roto. Ao lado, outro morador da zona desbloqueia o telemóvel para mostrar a lista das últimas chamadas telefónicas. São quase todas para a Polícia de Segurança Pública, na madrugada anterior à entrevista, mas “nenhuma foi atendida”, denuncia Rodrigo J. Ele é um dos moradores que já fizeram exposições formais do assunto – mas “nada mudou”. É um dos motivos pelos quais muitos, como Alberto V., já desistiram de o fazer: “Na maior parte das vezes não atendem. Outras perguntam se queremos apresentar queixa.”

 

O medo de represálias – razão pela qual todos os entrevistados têm nomes fictícios neste artigo – também pesa. Mas as provas do que ali se passa estão guardadas em dezenas de fotografias e vídeos vistos pelo PÚBLICO. O cenário é semelhante ao da zona nocturna da Baixa do Porto: dezenas de pessoas a beber e a conviver na rua e muito ruído. As cenas de agressões entre quem está na rua são frequentes, a interferência com o trânsito também. Há vários casos de vandalismo, assaltos a casas e carros. Muito lixo no chão.

 

O problema é tanto maior quanto maior a proximidade à discoteca. Mas os incómodos chegam aos vizinhos mais e menos próximos, entre as ruas da Alegria, D. João IV, Santa Catarina e Rampa da Escola Normal.

 

Por email, responsáveis da discoteca (pertencente à empresa Feito d’Estrelas, com sede em Vizela) dizem desconhecer a situação: “O Grupo Eskada não tem conhecimento de qualquer tipo de problema de segurança com impacto na vida dos moradores da zona circundante do estabelecimento.” O grupo, acrescentam, “está disponível para ouvir os moradores das imediações do Eskada Porto e ajudar a resolver os problemas de segurança, caso realmente existam.”

 

A porta de entrada do prédio da Cooperativa dos Pedreiros, mesmo em frente, foi arrombada várias vezes nos últimos meses. Ainda há uma semana houve assaltos aos carros na garagem. Entrar ou sair do prédio a partir da meia-noite e durante as manhãs pode ser um problema, ora porque há gente sentada ou a dormir à porta, ora porque há urina e fezes no chão. O problema é comum a vários prédios da zona, mas os sinais de degradação deste icónico edifício da cooperativa que construiu os Paços do Concelho e até já recebeu a medalha de ouro da cidade são notórios.

 

Há alguns anos, um grupo de moradores fez um abaixo-assinado a reclamar medidas que conciliassem a diversão nocturna com o seu direito ao descanso. Mas o problema, dizem, só se tem agravado.

 

A PSP avança que estão a decorrer “inquéritos judiciais, que foram participados junto das autoridades judiciárias”, relativos a “prática de crimes contra as pessoas e contra o património”. Para já, tem realizado "operações de prevenção criminal" com vários objectivos, diz a comandante Maria dos Anjos: "Combate aos crimes contra as pessoas e contra o património, fiscalização rodoviária, combate ao tráfico de estupefacientes, permanência ilegal em território nacional, fiscalização do exercício da actividade de segurança privada, fiscalização de venda ambulante ilegal, assim como na diminuição das causas de contestação da população ali residente, no que diz respeito à prática de incivilidades, comportamentos anti-sociais ou ruído na via pública."

 

Da parte da autarquia, acusam os moradores, há apenas uma “operação de cosmética” às oito da manhã, quando o camião do lixo passa e faz desaparecer o lixo depositado no chão. Há embalagens de refrigerantes, copos, vidros, garrafas de cerveja, maços de tabaco. No jardim José Moreira da Silva, a poucos metros, é habitual haver vidros e sujidade. “É impossível estar lá com crianças ou andar de sandálias no tempo quente”, denuncia Alberto V.

 

As queixas pelo ruído já motivaram visitas de uma equipa camarária para fazer medições. Mas nessas datas, o ruído “desapareceu milagrosamente”, conta João R., partilhando a sua convicção: “Alguém os avisou.”

 

De dentro do estabelecimento Eskada, aberto desde 2013, o ruído já foi, apesar de tudo, bem mais acentuado. Se antes Alberto V. conseguia apontar as letras das músicas, agora ouve apenas a batida e as vibrações. Na rua, no entanto, a história é outra. E é exponenciada pela presença de uma carrinha branca que estaciona à porta do Eskada a vender cachorros-quentes até de manhã.

 

Quando a Câmara do Porto anunciou a intenção de rever o regulamento da movida, os moradores recuperaram alguma esperança: talvez aquela zona da cidade pudesse ser incluída na geografia da movida e passar, por isso, a obedecer a regras mais rígidas. Nenhum dos moradores com quem o PÚBLICO falou participou no período de discussão pública, por medo de represálias, mas alguns fizeram ouvir as suas preocupações através dos vereadores do PS.

 

Os socialistas propuseram ao município o alargamento do mapa e das regras da movida à “Rua da Alegria, Rua de Santa Catarina e Rua de D. João IV, onde existem estabelecimentos que, pela sua dimensão e impacto na vida dos moradores, devem ser regulamentados como estabelecimentos integrados na movida”. Mas o executivo de Rui Moreira não concordou.

 

Porquê? “O perímetro da movida, no que toca à gestão do ruído, tem razão num contexto em que as reclamações ou a concentração de estabelecimentos seja de tal modo densa, e a socialização no exterior seja de tal modo impactante, que impeça uma individualização de contributos com recurso a medição pelo laboratório municipal de ruído”, responde ao PÚBLICO o gabinete de comunicação. Na situação em causa, acrescenta, “faz sentido procurar controlar de forma transversal e integrada as fontes amplificadas com limitador ou ajustar horários”.

 

São justificações incompreensíveis para quem ali mora e tem de lidar diariamente com o problema, como Rodrigo J.: “Se algum autarca tivesse esta discoteca à porta, provavelmente já tinha sido fechada.” Para João R., o vereador com a pasta das Actividades Económicas, Ricardo Valente, tem mais explicações a dar: “Ou é incompetente ou algo nos escapa. A Câmara do Porto não quer saber destes moradores.”

 

A violência é de tal forma, em algumas noites, que traz à memória de João R. o ambiente vivido no final de 2007, quando a Operação Noite Branca, na sequência de vários homicídios entre gangs da noite, assustou a cidade: “Isto pode transformar-se numa nova Noite Branca”, avisa.

 

Durante as madrugadas, há ainda corridas de automóveis em contramão, passando pela Rua da Alegria, Rampa da Escola Normal, Rua de Santa Catarina e Marquês, garantem vários moradores. “Estou sempre à espera de ouvir um estrondo”, diz Rodrigo J., contando que as ambulâncias são frequentes, no seguimento de agressões ou excesso de consumo de álcool. Muitos dos frequentadores do espaço aparentam ser menores de idade, concordam também os moradores entrevistados pelo PÚBLICO. “Isto é um submundo”, remata Rodrigo J.

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