OPINIÃO
Conselhos a uma ministra jovem
O excedente em casas vazias é superior a 700.000
alojamentos. A mobilização de uma pequena parte deste excedente, em condições
devidamente reguladas, permitiria multiplicar a habitação disponível.
Helena Roseta
3 de Janeiro de
2023, 15:45
https://www.publico.pt/2023/01/03/politica/opiniao/conselhos-ministra-jovem-2033589
A criação do
Ministério da Habitação, sem mais palavras na designação, é uma inovação
relevante, que finalmente traduz na orgânica do Governo a centralidade da
política pública de habitação. Foram precisos 49 anos para chegar aqui (e só em
11 deles é que houve um ministério com essa palavra no nome). É também a
primeira vez que esta pasta ministerial é entregue, e bem, a uma mulher. Melhor
ainda, a uma mulher jovem, que pode trazer consigo a energia que faz falta.
A escolha de
Marina Gonçalves permite-nos confiar na vontade de cumprir as metas consagradas
no programa do Governo nesta matéria. A habitação irá mobilizar até 2026 mais
de 2600 milhões de euros do PRR (dos quais 1600 a fundo perdido), apontando-se
para um total de cerca de 33.000 fogos públicos a disponibilizar. É um esforço
enorme, quando Portugal tinha em 2021, segundo os censos, pouco mais de 123.000
fogos públicos.
Não basta, porém,
despejar dinheiro para cima dos problemas, é preciso garantir que o dinheiro é
bem gasto e bem escrutinado. Há uma multiplicidade de atores públicos
envolvidos, desde logo os 233 municípios com estratégias de habitação já
aprovadas, [1] o IHRU e demais agentes do sector. Não vai ser fácil coordenar
toda esta mobilização e muito menos garantir a necessária transparência e
fiscalização. É nas assembleias municipais que reside o poder de fiscalizar os
executivos camarários, missão que poucas podem desempenhar por absoluta
desproporção entre as suas condições de atuação e as responsabilidades que lhes
cabem. É um imperativo democrático que a comunicação social, o Parlamento, as
universidades, as associações do sector, as redes ativistas e os cidadãos em geral
redobrem a sua vigilância.
Mas nem o
investimento público é o único instrumento a ter em conta, nem os 33.000 fogos
públicos que se pretende obter chegam para prover habitação condigna a todas as
pessoas e famílias. Em 1974 havia no nosso país mais famílias do que casas,
estimando-se na altura a falta de mais de meio milhão de fogos. Hoje a situação
inverteu-se – há muito mais casas do que famílias. O excedente em casas vazias,
excluindo naturalmente as residências secundárias, é superior a 700.000 alojamentos.
A mobilização de uma pequena parte deste excedente, em condições devidamente
reguladas, permitiria multiplicar a habitação disponível. É altura de pedir à
academia e aos poderes públicos que promovam o estudo aprofundado das razões
para um tão grande e inaceitável desperdício de recursos habitacionais.
A lei de bases da
habitação consagrou os quatro grandes instrumentos que constituem a “mala de
ferramentas” de qualquer política de habitação: o investimento em habitação
pública, as políticas fiscais, a subsidiação e a regulação. É na falta de
regulação dos fogos vazios que se encontra, ainda hoje, uma das maiores
fragilidades das nossas políticas de habitação. As causas são múltiplas, desde
a falta de manutenção e a paralisia por heranças litigiosas até à concentração
patrimonial em fundos imobiliários especulativos ou no sector financeiro.
Combater a desigualdade habitacional passa por uma estratégia nacional para
enfrentar o escândalo desta massa enorme de fogos devolutos.
Há um longo e
difícil caminho a percorrer pelo novo ministério e é pesada a responsabilidade
de Marina Gonçalves e da sua equipa. Como mulher e como cidadã, quero
desejar-lhe força e ânimo. Os resultados não serão imediatos, mas a confiança
constrói-se desde o primeiro dia. Terá consigo todos os cidadãos de boa
vontade.
A autora escreve
segundo o novo acordo ortográfico
[1] Eram 150 em
abril deste ano, segundo o Programa do Governo


Sem comentários:
Enviar um comentário