EDITORIAL
Acabem-se os “vistos gold” do imobiliário
Uma coisa é atrair startups, nómadas digitais ou
empresários, outra coisa é seduzir com um visto que dá acesso à Europa magnatas
focados na especulação imobiliária.
Manuel Carvalho
2 de Novembro de
2022, 21:30
https://www.publico.pt/2022/11/02/opiniao/editorial/acabemse-vistos-gold-imobiliario-2026254
O
primeiro-ministro abriu esta quarta-feira a porta ao fim dos “vistos gold” e
pelo meio explicou o lugar e a forma de estar no mundo que defende para
Portugal: “Ou queremos ser um país fechado ao mundo – e isso é matar a nossa
história, cultura e vocação –, ou queremos ser aquilo que temos vindo a ser: um
país aberto, onde todos se sentem bem-vindos”, disse António Costa. E
acrescentou: “Se queremos ser um país cada vez mais inovador, com empresas que
crescem à escala global, é fundamental termos essa dinâmica.”
Poucos, ou
ninguém, contestam a visão do primeiro-ministro. Portugal tem de ser aberto e
cosmopolita e, num mundo cada vez mais instável, tem óptimas condições para o
ser: é um país seguro, com infra-estruturas de primeiro mundo, barato em termos
internacionais, com uma democracia consolidada, qualidade de vida e um clima
ameno. Essa capacidade de atrair quadros qualificados e empresas inovadoras é
crucial para que o país se liberte da anomia económica que o empobrece há mais
de 20 anos.
Não é de nada
disto que se fala quando se fala de “vistos gold”. Uma coisa é atrair startups,
nómadas digitais ou empresários, outra coisa é seduzir com um visto que dá
acesso à Europa magnatas focados na especulação imobiliária. Os primeiros
trazem inovação, dinâmica e energia a uma sociedade e uma economia sonolentas.
Os segundos, se têm o mérito de injectar capital na economia, contribuem para a
bolha imobiliária que inferniza a vida dos residentes.
Na avaliação que
o Governo tem em curso, esta é uma questão crucial. Os “vistos gold”
beneficiaram até agora um sector, o do imobiliário, que está há muito
sobreaquecido. Os seus investimentos não devem ser considerados inúteis, mas
dificultam as legítimas aspirações dos portugueses que não conseguem ter ou
arrendar casa nas cidades. Banir essa possibilidade, como fez o Canadá, pode
ter um ligeiro impacte económico, mas é um incentivo moral aos que querem viver
no seu país.
Na reflexão sobre
o futuro dos “vistos gold”, o Governo deve ter em conta o seu impacte. Todos os
que criarem riqueza têm de ser bem-vindos. Comprar uma mansão no Estoril para
poder viajar livremente pela Europa está longe de cumprir esse objectivo.
Se nos tempos da
penúria da “troika” fazia sentido captar capital estrangeiro a todo o custo,
hoje, como afirma António Costa, o programa dos “vistos gold” “provavelmente já
cumpriu a função que tinha a cumprir”. Acabe-se com ele na parte do
imobiliário. E invista-se mais na atracção dos que garantem a possibilidade de
Portugal se transformar num país “cada vez mais inovador”.


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