quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Acabem-se os “vistos gold” do imobiliário

 


 


EDITORIAL

Acabem-se os “vistos gold” do imobiliário

 

Uma coisa é atrair startups, nómadas digitais ou empresários, outra coisa é seduzir com um visto que dá acesso à Europa magnatas focados na especulação imobiliária.

 

Manuel Carvalho

2 de Novembro de 2022, 21:30

https://www.publico.pt/2022/11/02/opiniao/editorial/acabemse-vistos-gold-imobiliario-2026254

 

O primeiro-ministro abriu esta quarta-feira a porta ao fim dos “vistos gold” e pelo meio explicou o lugar e a forma de estar no mundo que defende para Portugal: “Ou queremos ser um país fechado ao mundo – e isso é matar a nossa história, cultura e vocação –, ou queremos ser aquilo que temos vindo a ser: um país aberto, onde todos se sentem bem-vindos”, disse António Costa. E acrescentou: “Se queremos ser um país cada vez mais inovador, com empresas que crescem à escala global, é fundamental termos essa dinâmica.”

 

Poucos, ou ninguém, contestam a visão do primeiro-ministro. Portugal tem de ser aberto e cosmopolita e, num mundo cada vez mais instável, tem óptimas condições para o ser: é um país seguro, com infra-estruturas de primeiro mundo, barato em termos internacionais, com uma democracia consolidada, qualidade de vida e um clima ameno. Essa capacidade de atrair quadros qualificados e empresas inovadoras é crucial para que o país se liberte da anomia económica que o empobrece há mais de 20 anos.

 

Não é de nada disto que se fala quando se fala de “vistos gold”. Uma coisa é atrair startups, nómadas digitais ou empresários, outra coisa é seduzir com um visto que dá acesso à Europa magnatas focados na especulação imobiliária. Os primeiros trazem inovação, dinâmica e energia a uma sociedade e uma economia sonolentas. Os segundos, se têm o mérito de injectar capital na economia, contribuem para a bolha imobiliária que inferniza a vida dos residentes.

 

Na avaliação que o Governo tem em curso, esta é uma questão crucial. Os “vistos gold” beneficiaram até agora um sector, o do imobiliário, que está há muito sobreaquecido. Os seus investimentos não devem ser considerados inúteis, mas dificultam as legítimas aspirações dos portugueses que não conseguem ter ou arrendar casa nas cidades. Banir essa possibilidade, como fez o Canadá, pode ter um ligeiro impacte económico, mas é um incentivo moral aos que querem viver no seu país.

 

Na reflexão sobre o futuro dos “vistos gold”, o Governo deve ter em conta o seu impacte. Todos os que criarem riqueza têm de ser bem-vindos. Comprar uma mansão no Estoril para poder viajar livremente pela Europa está longe de cumprir esse objectivo.

 

Se nos tempos da penúria da “troika” fazia sentido captar capital estrangeiro a todo o custo, hoje, como afirma António Costa, o programa dos “vistos gold” “provavelmente já cumpriu a função que tinha a cumprir”. Acabe-se com ele na parte do imobiliário. E invista-se mais na atracção dos que garantem a possibilidade de Portugal se transformar num país “cada vez mais inovador”.

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