Sociedades de advogados ligados à Comunidade Israelita do
Porto fazem dinheiro com sefarditas
Dara Jeffries, vice-presidente da Comunidade Israelita do
Porto, foi sócia de uma das duas sociedades de advogados recomendadas pela
entidade para os candidatos à naturalização portuguesa. Francisco de Almeida
Garrett, figura proeminente deste organismo, é parente de advogada da segunda
sociedade.
Paulo Curado
22 de Julho de
2022, 6:33
Mónica João
Teixeira (MJT) e Yolanda Busse, Oehen Mendes & Associados (YBOM&A)
foram os dois escritórios de advogados indicados pela Comunidade Israelita do
Porto (CIP) para tratarem de processos de nacionalidade de descendentes de
judeus sefarditas. Ambos têm ou tiveram ligações com a entidade religiosa que
os recomenda, de acordo com os dados recolhidos por uma investigação do
PÚBLICO.
Isabel de Almeida
Garrett é advogada e colaboradora da sociedade MJT e a única que não apresenta
o mail no site oficial deste escritório. É também familiar de Francisco de
Almeida Garrett, a figura proeminente da CIP, conforme foi revelado pelo
PÚBLICO, em Fevereiro deste ano. Com o cargo de vogal da direcção, o
descendente directo do romancista e dramaturgo português, é sobrinho de Maria
de Belém Roseira, antiga ministra, deputada e ex-candidata à presidência da
República (2016) – e proponente do artigo da Lei da Nacionalidade que concedeu,
em 2013, a possibilidade de naturalização aos descendentes de judeus
sefarditas.
Por esta
sociedade de advogados – alvo de buscas da Polícia Judiciária (PJ) no dia 15 de
Julho, no âmbito da investigação à naturalização do oligarca russo Roman
Abramovich e aos processos de certificação de judeus sefarditas conduzidos pela
CIP –, passaram inúmeros processos de nacionalidade.
Ao contrário da
Comunidade Israelita de Lisboa (CIL), que começou por recomendar uma lista
alargada de escritórios de advogados aos candidatos à naturalização, decidindo
depois não indicar nenhum por questões éticas, a CIP trabalhava
preferencialmente com a MJT e a YBOM&A. O PÚBLICO teve acesso a vários
emails enviados pela entidade judaica portuense em resposta a perguntas sobre o
processo de certificação de descendentes de judeus sefarditas (um poder
delegado pelo Estado português à CIP e CIL), fundamental para a posterior
atribuição da nacionalidade, que comprovam isso mesmo.
“Uma vez que o
requerente tenha recebido um certificado da Comunidade Judaica do Porto [a CIP]
atestando os seus laços com uma comunidade sefardita judaica de origem
portuguesa, é prudente que procure aconselhamento jurídico na preparação e
apresentação ao Governo português dos documentos necessários para a candidatura
à nacionalidade portuguesa”, começa por sublinhar a CIP num email de
esclarecimento enviado ainda em Fevereiro deste ano. “Existem 30.000 advogados
em Portugal e muitos outros advogados no seu país”, refere de seguida, antes de
indicar duas opções: “Advogados que normalmente trabalham para a Comunidade
Judaica do Porto: Sra. Monica Teixeira (monica@mjt.com.pt) e ‘Yolanda Busse,
Oehen Mendes & Associados’ (http://www.ybom.eu/).”
Em resposta a
perguntas enviadas por escrito pelo PÚBLICO a 10 de Fevereiro, Francisco de
Almeida Garrett, que foi constituído arguido pela PJ em Março, confirmou que a
CIP recorre, “há uma década”, aos referidos escritórios, “quando algum membro
estrangeiro precisa regularizar a sua situação em Portugal”. Em relação à
advogada Isabel de Almeida Garrett, admitiu que “é uma familiar”, com a qual
diz não manter qualquer contacto profissional. “Desconheço que faça direito de
estrangeiros”, referiu, garantindo nunca ter tramitado “um único processo de
nacionalidade” ao longo da sua carreira [de advogado] e não ter “qualquer
relação profissional com quaisquer advogados que o façam”.
Apesar de
garantir não ter qualquer contacto profissional com Isabel de Almeida Garrett,
a advogada exerce também funções na sociedade de advogados do pai de Francisco
de Almeida Garrett (João de Andrade de Almeida Garrett), onde está a sua morada
profissional, de acordo com a Ordem dos Advogados (AO). Trata-se da PGE
Advogados, uma das sociedades mais antigas e reputadas do Porto, fundada nos
anos de 1960. A morada deste escritório é também o endereço profissional do
vogal da direcção da CIP que consta na AO. Ambos partilham o mesmo número de
telefone profissional, que o PÚBLICO tentou contactar esta quinta-feira sem que
ninguém atendesse.
Vice envolvida
Envolvida com a
outra sociedade, a YBOM&A, esteve Dara Jeffreis, vice-presidente da CIP
(pelo menos até Janeiro deste ano), que já pertenceu também ao conselho fiscal
deste organismo religioso. Licenciada em Direito pela Universidade Católica do
Porto, Jeffreis foi sócia sénior desta empresa por mais de 15 anos (apesar de
não ter nenhuma referência à mesma no seu perfil na rede social profissional
Linkedin).
Especialista na
prevenção de crimes de colarinho branco e combate à corrupção, é actualmente
consultora jurídica da White & Case, uma sociedade de advogados
internacional que tem como clientes empresas, governos e instituições. É casada
com Dale Jeffries, um norte-americano, nascido em Nova Iorque, que já foi
presidente da CIP e desempenhou outras funções nesta entidade. Com 68 anos,
Dale Jeffries é músico e viveu 27 anos em Portugal, residindo actualmente em
Miami, no estado americano da Florida.
Segundo o PÚBLICO
apurou, YBOM&A terá sido a primeira sociedade de advogados a trabalhar com
a CIP, numa altura em que Dara Jeffries era secretária da direcção da CIP e o
marido era presidente.
O artigo 10.º do
Código Deontológico dos Advogados proíbe a solicitação ou a angariação de
clientes, “por si [advogado] ou por interposta pessoa”. E acrescenta: “O
advogado não deve aceitar mandato ou prestação de serviços profissionais que,
em qualquer circunstância, não corresponda a uma escolha directa e livre pelo
mandante ou interessado.”

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