OPINIÃO
Não, caro António Costa, José Sócrates não aldrabou o PS
O PS sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas o
suficiente. E Costa sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas mais do que o
suficiente.
João Miguel
Tavares
26 de Abril de
2022, 0:25
Sete anos e meio
após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, António Costa
partilhou finalmente a sua opinião sobre o seu antigo amigo e colega de
partido. Fê-lo na versão revista e ampliada da biografia de Mário Soares
assinada por Joaquim Vieira, à qual foi agora acrescentado um capítulo onde se
aborda a visita à prisão de Évora a 31 de Dezembro de 2014, quando Costa
resolveu finalmente visitar Sócrates, acompanhado de Soares.
Se bem se
recordam, Sócrates tinha sido detido 40 dias antes, a 21 de Novembro, e os
jornalistas questionavam o porquê da demora na visita à prisão. António Costa
tinha dado mostras de um sangue frio implacável logo após a detenção à chegada
de Paris. Sócrates foi preso numa sexta-feira à noite, e no dia seguinte pela
manhã os militantes socialistas tinham um SMS de Costa no telemóvel.
Manifestava-se “chocado” com a notícia, mas estabelecia logo ali o cordão
sanitário: “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem
confundir a acção política do PS, que é essencial preservar”, escreveu. O PS
devia “concentrar-se na sua acção de mobilizar Portugal”, a independência da
Justiça devia ser respeitada, e era obrigatória uma “demarcação clara” entre
“investigação policial” e “vida partidária”.
As diferenças em
relação à actuação do PS quando o partido se viu envolvido no caso Casa Pia
estavam à vista e eram radicais. Isso provou-me três coisas: 1) Costa tinha
aprendido a lição e não ia cometer os mesmos erros; 2) Costa sabia que Sócrates
podia ser detido; 3) Costa desconfiava que Sócrates não era inocente.
Um mês antes,
António Costa tinha derrotado António José Seguro nas primárias do PS. Nesse
mesmo dia 22, foi eleito secretário-geral. A detenção de Sócrates era uma
gigantesca bomba-relógio para ele e para o partido. Costa soube desarmá-la na
perfeição – e essa foi a sua primeira grande exibição de génio político.
À porta da prisão de Évora, um jornalista perguntou-lhe
se tinham dado um abraço e se a visita tinha sido “emocionante”. Costa
respondeu: “Como é que são as visitas entre amigos?”Cheias de traições e
falsidades, como se vê
A demora em
visitá-lo a Évora – uma “visita pessoal” e não oficial, como fez questão de
frisar – estabeleceu as devidas distâncias entre o PS costista e o PS
socratista. Eram obviamente o mesmo PS – e o seu primeiro trabalho foi a
separação dos irmãos siameses. O último corte ocorreu à porta da prisão de
Évora, graças a uma das frases mais assassinas (e brilhantes) da política
portuguesa: “[Sócrates] é um lutador e está certamente em luta por aquilo que
acredita ser a sua verdade.”
Tradução: a
verdade em que ele acredita não é necessariamente a verdade que é para
acreditar. Agora, em declarações a Joaquim Vieira, confirma que não é mesmo.
António Costa conta o que aconteceu na prisão. Diz que praticamente não falou.
Que Sócrates nunca quis ter “uma conversa cara a cara”. Que o quis
“condicionar” através de Soares. E conclui: “[Isso] só agravou mais as minhas
suspeitas sobre a coisa toda. E depois do que vi já, entretanto, e que o
próprio Sócrates não desmente, concluo que ele, de facto, aldrabou-nos [ao
PS].”
Fim de narrativa.
Costa é um mestre, mas aquilo que ele diz não é verdade. Se fosse, era pior:
seria inaceitável ter demorado sete anos e meio para o confessar. O PS sempre
soube quem Sócrates era. Não tudo, mas o suficiente. E Costa sempre soube quem
Sócrates era. Não tudo, mas mais do que o suficiente. À porta da prisão de
Évora, um jornalista perguntou-lhe se tinham dado um abraço e se a visita tinha
sido “emocionante”. Costa respondeu: “Como é que são as visitas entre amigos?”
Cheias de
traições e falsidades, como se vê.


Sem comentários:
Enviar um comentário