terça-feira, 26 de abril de 2022

Não, caro António Costa, José Sócrates não aldrabou o PS

 



OPINIÃO

Não, caro António Costa, José Sócrates não aldrabou o PS

 

O PS sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas o suficiente. E Costa sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas mais do que o suficiente.

 

João Miguel Tavares

26 de Abril de 2022, 0:25

https://www.publico.pt/2022/04/26/opiniao/opiniao/nao-caro-antonio-costa-jose-socrates-nao-aldrabou-ps-2003747

 

Sete anos e meio após a detenção de José Sócrates no aeroporto de Lisboa, António Costa partilhou finalmente a sua opinião sobre o seu antigo amigo e colega de partido. Fê-lo na versão revista e ampliada da biografia de Mário Soares assinada por Joaquim Vieira, à qual foi agora acrescentado um capítulo onde se aborda a visita à prisão de Évora a 31 de Dezembro de 2014, quando Costa resolveu finalmente visitar Sócrates, acompanhado de Soares.

 

Se bem se recordam, Sócrates tinha sido detido 40 dias antes, a 21 de Novembro, e os jornalistas questionavam o porquê da demora na visita à prisão. António Costa tinha dado mostras de um sangue frio implacável logo após a detenção à chegada de Paris. Sócrates foi preso numa sexta-feira à noite, e no dia seguinte pela manhã os militantes socialistas tinham um SMS de Costa no telemóvel. Manifestava-se “chocado” com a notícia, mas estabelecia logo ali o cordão sanitário: “Os sentimentos de solidariedade e amizade pessoais não devem confundir a acção política do PS, que é essencial preservar”, escreveu. O PS devia “concentrar-se na sua acção de mobilizar Portugal”, a independência da Justiça devia ser respeitada, e era obrigatória uma “demarcação clara” entre “investigação policial” e “vida partidária”.

 

As diferenças em relação à actuação do PS quando o partido se viu envolvido no caso Casa Pia estavam à vista e eram radicais. Isso provou-me três coisas: 1) Costa tinha aprendido a lição e não ia cometer os mesmos erros; 2) Costa sabia que Sócrates podia ser detido; 3) Costa desconfiava que Sócrates não era inocente.

 

Um mês antes, António Costa tinha derrotado António José Seguro nas primárias do PS. Nesse mesmo dia 22, foi eleito secretário-geral. A detenção de Sócrates era uma gigantesca bomba-relógio para ele e para o partido. Costa soube desarmá-la na perfeição – e essa foi a sua primeira grande exibição de génio político.

 

À porta da prisão de Évora, um jornalista perguntou-lhe se tinham dado um abraço e se a visita tinha sido “emocionante”. Costa respondeu: “Como é que são as visitas entre amigos?”Cheias de traições e falsidades, como se vê

 

A demora em visitá-lo a Évora – uma “visita pessoal” e não oficial, como fez questão de frisar – estabeleceu as devidas distâncias entre o PS costista e o PS socratista. Eram obviamente o mesmo PS – e o seu primeiro trabalho foi a separação dos irmãos siameses. O último corte ocorreu à porta da prisão de Évora, graças a uma das frases mais assassinas (e brilhantes) da política portuguesa: “[Sócrates] é um lutador e está certamente em luta por aquilo que acredita ser a sua verdade.”

 

Tradução: a verdade em que ele acredita não é necessariamente a verdade que é para acreditar. Agora, em declarações a Joaquim Vieira, confirma que não é mesmo. António Costa conta o que aconteceu na prisão. Diz que praticamente não falou. Que Sócrates nunca quis ter “uma conversa cara a cara”. Que o quis “condicionar” através de Soares. E conclui: “[Isso] só agravou mais as minhas suspeitas sobre a coisa toda. E depois do que vi já, entretanto, e que o próprio Sócrates não desmente, concluo que ele, de facto, aldrabou-nos [ao PS].”

 

Fim de narrativa. Costa é um mestre, mas aquilo que ele diz não é verdade. Se fosse, era pior: seria inaceitável ter demorado sete anos e meio para o confessar. O PS sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas o suficiente. E Costa sempre soube quem Sócrates era. Não tudo, mas mais do que o suficiente. À porta da prisão de Évora, um jornalista perguntou-lhe se tinham dado um abraço e se a visita tinha sido “emocionante”. Costa respondeu: “Como é que são as visitas entre amigos?”

 

Cheias de traições e falsidades, como se vê.

 

 

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