EDITORIAL
Finalmente, a excepção ibérica na energia
Foi preciso uma guerra para Bruxelas reconhecer a
Portugal e Espanha a condição de “ilha energética” e lhes dar ferramentas para
actuar. É uma vitória para os países do Sul.
Tiago Luz Pedro
27 de Março de
2022, 5:30
https://www.publico.pt/2022/03/27/opiniao/editorial/finalmente-excepcao-iberica-energia-2000289
Seria difícil
imaginar há apenas um par de meses que um Conselho Europeu como o da última
sexta-feira produzisse de forma tão rápida os resultados a que se chegou:
reunidos em Bruxelas para concertar uma resposta em bloco à subida desenfreada
dos preços da energia, agravada pela trágica guerra na Ucrânia e pelas
consequências das sanções económicas à Rússia, os líderes dos 27 reconheceram
finalmente o lugar de excepção dos países ibéricos neste sector. Caiu mais um
tabu, desta vez com inegáveis vantagens imediatas para Portugal.
Na prática, o que
esta decisão significa é que Portugal e Espanha vão poder intervir no mercado
único de energia – e nas suas regras tidas por intransponíveis – e impor tectos
temporários ao preço do gás usado para gerar electricidade, o que permitirá
fazer baixar de forma significativa a factura eléctrica nos seus mercados.
Trata-se de uma opção que foi sempre negada pelos países do Norte, em
particular a Alemanha, que nunca se mostrou disponível para alterações no
mecanismo comunitário de fixação de preços – em que o gás define o preço de
tudo e em que países que dão cartas nas renováveis, muito mais baratas, são
fortemente penalizados –, e para a qual a mera sugestão de ter Estados a
intervir isoladamente no mercado livre foi sempre vista como uma aberração.
A medida que em
boa hora o Conselho Europeu agora aprovou é-nos particularmente favorável, mas
está longe de esgotar a bateria de iniciativas com que a União pretende
inaugurar uma era de soberania energética, que ignorámos durante décadas.
Outras medidas se seguirão, como a compra conjunta de gás para assegurar melhor
oferta a melhores preços – replicando o modelo de sucesso das vacinas contra a
covid –, a utilização ao máximo da capacidade de armazenamento europeia já a
pensar no próximo Inverno ou a aceleração das interligações energéticas que
estão por concretizar, e em que, uma vez mais, Portugal só tem a ganhar.
Para além das
decisões históricas saídas desta cimeira, e da necessidade imperiosa de as
fazer chegar rapidamente ao terreno para baixar a conta a pagar por empresas e
famílias, há nelas um simbolismo que importa sublinhar. Numa Europa que
praticamente outorgou aos países do Norte o papel de regente com o privilégio
exclusivo de ditar as leis na economia, desta vez o Sul mobilizou-se, bateu o
pé e falou a uma voz. Devemo-lo sobretudo a Pedro Sánchez, o primeiro dos
líderes sulistas a pôr a questão na agenda e a quem coube o papel de levar
dramatismo q.b. a uma cimeira dura e incerta. O eterno amigo António Costa, com
quem Sánchez partilhou os louros da vitória final, tem a quem agradecer.


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