OPINIÃO
O prazer de odiar André Ventura
André Ventura é o Vítor Paneira da política nacional: só
sabe fazer uma finta, mas todos caem nela.
João Miguel
Tavares
6 de Janeiro de
2022, 0:27
https://www.publico.pt/2022/01/06/opiniao/opiniao/prazer-odiar-andre-ventura-1990910
Ventura, Ventura,
Ventura, Ventura, Ventura. O fascista Ventura. O odioso Ventura. O cavernícola
Ventura. Mas sempre: Ventura, Ventura, Ventura, Ventura, Ventura. O candidato
do Chega é o isco irresistível onde toda a fauna mediática vai morder. E para
quê? Para dizer que ele é horrível, detestável, mentiroso, malcriado,
insuportável. É uma reacção pavloviana a um homem que anda há três anos a fazer
o mesmo truque, mas no qual três quartos dos comentadores ainda hoje caem, por
não resistirem à luxúria da indignação. Já dizia Lord Byron: “hatred is by far the
greatest pleasure”. O ódio é
o prazer mais duradouro.
André Ventura é
uma personagem fácil de odiar pelas elites civilizadas, e fácil de amar por
aqueles que odeiam o regime. São duas faces da mesma moeda. Mais difícil é
compreendê-lo e desmontá-lo, porque quem se atreve a tal exercício logo é
acusado de estar a justificar André Ventura. Ainda assim, vale a pena o
esforço, até porque os debates vão continuar, e é fundamental rebater a ideia
imbecil – que vejo diariamente repetida – de que é impossível debater com André
Ventura porque ele é muito mentiroso e malcriado. Como se ser mentiroso e
malcriado fossem qualidades invejáveis em política, que todos os eleitores
apreciassem desmedidamente.
Ridículo. O
truque de Ventura nunca varia: agarra-se a temas cuja formulação mais básica é
chocante – logo, provocam a indignação geral e atraem a atenção mediática –,
mas que, ao mesmo tempo, permitem pontos de fuga em momentos de confrontação
directa. Dou exemplos. Instauração da prisão perpétua – uma barbaridade! Mas,
quando apertado, Ventura pode sugerir (fê-lo no debate com Rui Rio): prisão
perpétua para crimes muito graves com reavaliação regular da pena, coisa que
existe em vários países europeus. Castração química de pedófilos – uma
barbaridade! Mas, quando apertado, Ventura pode dizer: existe por esse mundo
fora, e se for feita com o consentimento do próprio pedófilo, qual é o mal? Mão
dura com os ciganos – uma barbaridade! Mas, quando apertado, Ventura argumenta:
nada contra ciganos bem integrados na sociedade, quero apenas que todos cumpram
as leis do país, como qualquer cidadão.
O truque é sempre
o mesmo e anda sempre à volta de temas irrelevantes. Ninguém quer saber de
prisão perpétua ou de castração química, e não há ciganos problemáticos em
número suficiente para fazer disso drama nacional. Aliás, Ventura só se atira
aos ciganos porque não tem imigrantes. Mas, ao optar pelo fogo-de-artifício das
afirmações interditas, põe toda a gente a falar dele, e ao ser confrontado com
essas afirmações, logo arranja atalhos por onde se esgueirar, enquanto se arma
em “corajoso” por não ter medo de dizer “as verdades”.
Mas quais
verdades? No debate com Catarina Martins, Ventura alcandorou-se em grande
combatente da corrupção ao dizer que quis dobrar penas. Só que o dobro de zero
é zero. O problema da corrupção é não se conseguir condenar ninguém. Se esta
parvoíce passa incólume, o mal é de Ventura ou de quem está a debater com ele?
A sua argumentação está cheia de buracos, truques rasteiros e contradições –
atirem-lhe isso à cara.
Dizia-se do
jogador do Benfica Vítor Paneira que só sabia fazer uma finta. Mas todos caíam
nela. André Ventura é o Vítor Paneira da política nacional. A sua carreira
apenas existe porque quem o enfrenta está sempre a deixá-lo ir à linha de fundo
cruzar para golo. Deixo uma sugestão: cortar nos gritinhos histéricos e começar
a meter o pé.
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