sexta-feira, 25 de julho de 2025

10 de Junho de 2021: Para a festa errada, Pedro Adão e Silva é o homem certo

 



Para a festa errada, Pedro Adão e Silva é o homem certo

 

Para cozinhar Abril à moda do Rato, convém não errar no chef.

 

João Miguel Tavares

10 de Junho de 2021, 0:14

https://www.publico.pt/2021/06/10/opiniao/opiniao/festa-errada-pedro-adao-silva-homem-certo-1965944

 

Não percebo porque é que está tanta gente abespinhada com a nomeação de Pedro Adão e Silva e respectiva comissão executiva para celebrar os 50 anos da Revolução de Abril. Da mesma maneira que Leonardo Da Vinci desenhou o Homem de Vitrúvio em toda a sua perfeição matemática, também o regime democrático de fachada socialista, se tivesse oportunidade de desenhar o homem perfeito de Abril, rabiscaria o perfil e as medidas de Pedro Adão e Silva. António Costa, que o escolheu, e Marcelo Rebelo de Sousa, que apoiou a sua escolha, estão de parabéns.

 

Pedro é Adão, como o primeiro homem, e Silva, como boa parte dos portugueses. Nasceu em 1974, como a Revolução dos Cravos, e pertence à elite política e mediática lisboeta, como boa parte dos portugueses que se acham bestiais. Licenciou-se no ISCTE, como a família socialista gosta, e é professor no ISCTE, como a endogamia académica recomenda. É especialista em políticas públicas e na reforma do Estado, tendo até lançado vários livros sobre essas matérias, como é próprio das pessoas inteligentes, mas nunca foi para o governo aplicá-las, como é próprio das pessoas sábias.

 

É comentador no Expresso, na TSF, na RTP, no Record e na Sport TV, onde escreve e diz coisas sempre informadas e ponderadas e moderadas e suficientemente independentes para parecer que tem voz própria. Gosta de política, de futebol, de surf, de música alternativa. É cool e suavemente radical. Infelizmente, quando dava jeito que não fosse cool e optasse por ser realmente radical, falhou: acabou envolvido na galáxia Miguel Abrantes e enfiado no bolso esquerdo de José Sócrates, a quem deu uma ajudinha programática no desgraçado ano de 2009, altura em que já era preciso ser bastante vesgo para não perceber quem aquele homem era – mas, até nisso, ele é perfeito para o lugar.

 

Em 2014, numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, Pedro Adão e Silva definiu o governo de Passos Coelho e os anos da troika da seguinte forma: “A marca mais forte destes últimos três anos é a ruptura permanente – uma espécie de PREC de direita. Vamos levar mais tempo a recuperar [disto] do que precisámos para recuperar de alguma [sic] instabilidade das políticas do PREC.” O comissário da revolução acha que Passos e a troika prejudicaram mais o país do que Cunhal e o PREC – é ou não é a pessoa certa para celebrar meio século de Abril em clima de geringonça?

 

Não vale a pena ficar tão chocado com o tamanho da comissão executiva e com os cinco anos e meio que dura a missão. Leiam a resolução do Conselho de Ministros e perceberão a dimensão da ambição. Até final de 2021 é preciso apresentar um programa oficial para festejar o “arco democrático que se iniciou no 25 de Abril de 1974 e que, ao longo do ano de 1976, passou pela aprovação da Constituição, pelas primeiras eleições legislativas, presidenciais e regionais e que culminou com as autárquicas no final desse mesmo ano”.

 

O preâmbulo da resolução classifica tais anos como uma “epopeia colectiva não traumática”, o que tem um pequeno problema: é uma mentira descarada. Isso significa que Pedro Adão e Silva não está apenas contratado para contar a história como ela foi, mas sim para estabelecer a versão neo-socialista e delicodoce dos últimos 50 anos, reinventando um “arco democrático” que foi muito pouco democrático até 25 de Novembro de 1975. É normal que assim fique mais caro.

 

Para cozinhar Abril à moda do Rato, convém não errar no chef. Donde, Pedro Adão e Silva.

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