Para a festa errada, Pedro Adão e Silva é o homem certo
Para cozinhar Abril à moda do Rato, convém não errar no
chef.
João Miguel
Tavares
10 de Junho de
2021, 0:14
https://www.publico.pt/2021/06/10/opiniao/opiniao/festa-errada-pedro-adao-silva-homem-certo-1965944
Não percebo
porque é que está tanta gente abespinhada com a nomeação de Pedro Adão e Silva
e respectiva comissão executiva para celebrar os 50 anos da Revolução de Abril.
Da mesma maneira que Leonardo Da Vinci desenhou o Homem de Vitrúvio em toda a
sua perfeição matemática, também o regime democrático de fachada socialista, se
tivesse oportunidade de desenhar o homem perfeito de Abril, rabiscaria o perfil
e as medidas de Pedro Adão e Silva. António Costa, que o escolheu, e Marcelo
Rebelo de Sousa, que apoiou a sua escolha, estão de parabéns.
Pedro é Adão,
como o primeiro homem, e Silva, como boa parte dos portugueses. Nasceu em 1974,
como a Revolução dos Cravos, e pertence à elite política e mediática lisboeta,
como boa parte dos portugueses que se acham bestiais. Licenciou-se no ISCTE, como
a família socialista gosta, e é professor no ISCTE, como a endogamia académica
recomenda. É especialista em políticas públicas e na reforma do Estado, tendo
até lançado vários livros sobre essas matérias, como é próprio das pessoas
inteligentes, mas nunca foi para o governo aplicá-las, como é próprio das
pessoas sábias.
É comentador no
Expresso, na TSF, na RTP, no Record e na Sport TV, onde escreve e diz coisas
sempre informadas e ponderadas e moderadas e suficientemente independentes para
parecer que tem voz própria. Gosta de política, de futebol, de surf, de música
alternativa. É cool e suavemente radical. Infelizmente, quando dava jeito que
não fosse cool e optasse por ser realmente radical, falhou: acabou envolvido na
galáxia Miguel Abrantes e enfiado no bolso esquerdo de José Sócrates, a quem
deu uma ajudinha programática no desgraçado ano de 2009, altura em que já era
preciso ser bastante vesgo para não perceber quem aquele homem era – mas, até
nisso, ele é perfeito para o lugar.
Em 2014, numa entrevista
a Anabela Mota Ribeiro, Pedro Adão e Silva definiu o governo de Passos Coelho e
os anos da troika da seguinte forma: “A marca mais forte destes últimos três
anos é a ruptura permanente – uma espécie de PREC de direita. Vamos levar mais
tempo a recuperar [disto] do que precisámos para recuperar de alguma [sic]
instabilidade das políticas do PREC.” O comissário da revolução acha que Passos
e a troika prejudicaram mais o país do que Cunhal e o PREC – é ou não é a
pessoa certa para celebrar meio século de Abril em clima de geringonça?
Não vale a pena
ficar tão chocado com o tamanho da comissão executiva e com os cinco anos e
meio que dura a missão. Leiam a resolução do Conselho de Ministros e perceberão
a dimensão da ambição. Até final de 2021 é preciso apresentar um programa
oficial para festejar o “arco democrático que se iniciou no 25 de Abril de 1974
e que, ao longo do ano de 1976, passou pela aprovação da Constituição, pelas
primeiras eleições legislativas, presidenciais e regionais e que culminou com
as autárquicas no final desse mesmo ano”.
O preâmbulo da
resolução classifica tais anos como uma “epopeia colectiva não traumática”, o
que tem um pequeno problema: é uma mentira descarada. Isso significa que Pedro
Adão e Silva não está apenas contratado para contar a história como ela foi,
mas sim para estabelecer a versão neo-socialista e delicodoce dos últimos 50
anos, reinventando um “arco democrático” que foi muito pouco democrático até 25
de Novembro de 1975. É normal que assim fique mais caro.
Para cozinhar
Abril à moda do Rato, convém não errar no chef. Donde, Pedro Adão e Silva.


Sem comentários:
Enviar um comentário