EDITORIAL
O SNS não sobrevive com planos de contingência
Chegou a hora de o Governo rever tudo de alto a baixo e
deixar de acreditar nas ilusões dos planos de contingência como o que a
ministra Marta Temido anunciou esta segunda-feira.
Manuel Carvalho
14 de Junho de
2022, 21:30
https://www.publico.pt/2022/06/14/sociedade/editorial/sns-nao-sobrevive-planos-contingencia-2010066
Há anos que os
problemas nas urgências do Serviço Nacional de Saúde se repetem e há anos que
diferentes governos prometem uma parafernália de soluções para os superar. Até
agora, estas repetições não bastaram para pôr em causa a qualidade ou a
confiança dos cidadãos no seu SNS. Mas começa a pressentir-se no ar a sensação
de que estamos condenados a ter um serviço público pior. Chegou assim a hora de
o Governo rever tudo de alto a baixo e deixar de acreditar nas ilusões dos
planos de contingência como o que a ministra Marta Temido anunciou esta
segunda-feira.
Os problemas da
Saúde situam-se no contexto das carências que as funções públicas que exigem
quadros mais qualificados enfrentam, como tantos textos da série que o PÚBLICO
lançou sobre “O estado do Estado” comprovam. No caso do SNS, a situação é
gritante. A saída expressiva de médicos para a Europa e para o sector privado ou
a incapacidade de contratar novos profissionais mostram uma tendência
assustadora. O facto de 24% dos médicos terem mais de 65 anos revela um cenário
deprimente.
Claro que o país
não tem condições para competir com os salários pagos no Reino Unido ou até em
muitas unidades privadas. O Estado social de qualidade exige uma economia
moderna, um tema lateral nas prioridades políticas dos últimos anos. Mas, como
em tudo na vida, tem de haver prioridades. O envelhecimento da população e a
pobreza que afecta um em cada cinco portugueses não podem ser encarados sem se
colocar o seu direito à Saúde na primeira linha das prioridades.
Remunerar melhor
os médicos, garantir-lhes perspectivas de carreira, enfrentar de vez esse
incompreensível desfasamento entre a produtividade dos hospitais do Porto e os
de Lisboa, pagar horas extras por igual a tarefeiros e profissionais do quadro
são de imediato medidas que o Governo pode aprovar para proteger o SNS. Uma
tarefa imensa que é impossível de resolver de um dia para o outro.
Entretanto, era
bom que se acabasse com a ideia de que manter parcerias com privados é um crime
hediondo, que só países irresponsáveis como a Alemanha ou os Países Baixos
toleram. Face aos problemas nas urgências como os que vivemos por estes dias, a
ideologia deve confrontar-se com o pragmatismo. Se o Governo e a sua esquerda
querem garantir o acesso universal à Saúde, e se esse acesso passar pelos
privados (como já passa através dos tarefeiros), porque não ir por aí? Muito
pior será ver o SNS afogado em dramas e deixar instalar a sensação de que, a
prazo, só os mais ricos terão direito à Saúde.
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