OPINIÃO
O “ReNascer
Pedrógão” no contexto do colapso do eucaliptal
Num colapso em curso, eis que surge da cartola esta
nano-acção. Em Pedrógão Grande, claro! Pelo simbolismo, com as memórias mais
desvanecidas. Mas o que esperar da replantação de uma “migalha” num “bolo” em
colapso?
Paulo Pimenta de
Castro
17 de Junho de
2022, 0:20
A associação da
indústria papeleira lançou em Pedrógão Grande uma nano-acção de “recuperação de
ardidos”. O vídeo promocional tem todos os “ingredientes”: biodiversidade,
sustentabilidade, rentabilidade… Mas o “cozinheiro” tem má fama!
O modelo de
negócio silvo-industrial associado ao eucalipto colapsou. Ao assentar numa
lógica, por décadas, meramente extractivista, sem ambição na gestão e
replantação em áreas mais produtivas, suportada na maximização de área,
independentemente da capacidade técnica e financeira de quem detém a maioria
das plantações, envolve esta ocupação territorial em cada vez mais área ardida
e na proliferação de pragas e de doenças.
É bizarro pensar,
não fosse trágico, que um negócio assente na manutenção, há décadas, do preço
de aquisição industrial da rolaria de eucalipto, apesar do enorme aumento dos
custos na produção, não acabaria por colapsar. É ainda bizarro pensar que um
negócio com impacto sobretudo em minifúndio teria sucesso ao assentar em
demonstração de “rendimento” envolvendo apenas parte do ciclo produtivo. Basta
analisar o simulador financeiro disponibilizado pelas celuloses para ver que
compreende apenas dois cortes (o de alto fuste e a primeira em talhadia). E
depois? Depois de mais um corte, quem assume os custos de replantação ou
reconversão dos solos? Quase ninguém quando em minifúndio!
O facto é que 2/3 da área de plantações de eucalipto em
Portugal estão ao abandono ou sob inadequada gestão. A produtividade média
unitária nacional é miserável. Estas plantações acabam a potenciar incêndios,
situação que tende a agravar-se, num contexto de crise climática, de
aquecimento global. Por exemplo, em 2016, 50% do que ardeu em “floresta”
envolveu estas plantações. No grande incêndio de Pedrógão Grande, a taxa de
envolvimento do eucalipto na área ardida em “povoamento florestal” foi de 63%.
Num colapso em
curso, eis que surge da cartola esta nano-acção. Em Pedrógão Grande, claro!
Pelo simbolismo, com as memórias mais desvanecidas. Mas o que esperar da
replantação de uma “migalha” num “bolo” em colapso? O que representam pouco
mais de uma centena de hectares numa amálgama de eucaliptos e de acácias por
milhares de hectares, com impacto catastrófico na região do Centro?
A intenção pode
parecer louvável, mas a realidade é crua. Tomemos por “boa” a gestão das
plantações de eucalipto assumida directamente pelas celuloses: de que lhes
serviu no contexto dos incêndios de 2017? Afinal, ardeu-lhes o equivalente à
superfície do concelho de Lisboa, de Santa Maria de Belém a Santa Maria dos
Olivais, da frente ribeirinha à Ameixoeira. “Migalhas” num contexto territorial
de “bolo” em colapso são isso mesmo, “migalhas”!
Vai a nano-acção
“ReNascer Pedrógão” marcar a diferença na redução do risco de grandes e
mega-incêndios na região? Vai ter impacto na diminuição da contaminação por
cinzas das águas da bacia do Zêzere, que dão de beber a Lisboa, ou na redução
do risco de poluição causada pela pluma dos incêndios, que afecta gravemente a
saúde pública, também na Área Metropolitana de Lisboa? Haja fé!
Vai esta
nano-acção contribuir para a valorização deste território de baixa densidade
populacional? Com certeza, um negócio meramente extractivista, assente num
mercado a funcionar em concorrência imperfeita, jamais conseguirá atingir um
bom objectivo neste domínio.
Fica a perspectiva de que a governação continua a primar
pela omissão. Omissão que tem sido induzida. Uma indução arquitectada pelas
celuloses e pelas portas-giratórias que alimenta
Afinal, o que
representa esta nano-acção? Mero “show-off”? Acção pontual ou as celuloses vão
prolongá-la ao longo do ciclo produtivo? Terá efeitos no aumento do preço de
aquisição da rolaria? Afinal de contas, “ter a criança” pode ser mais ou menos
difícil, mas “criá-la” envolve um esforço prolongado por décadas. Ora, o risco
está exactamente na fase da condução cultural (ou na falta dela), na
necessidade de apoio técnico e, sobretudo, no estabelecimento de um preço que
garanta a rentabilidade deste uso do solo. Rentabilidade calculada para todo o
ciclo produtivo, não apenas em parte como decorre dos simuladores antes referidos.
Existem outras
opções, mas envolvem grande investimento do Estado. Um resgate territorial! Um
resgate que não se vê no PRR, no PDR ou noutros instrumentos financeiros
públicos. Aliás, fica a perspectiva de que a governação continua a primar pela
omissão. Omissão que tem sido induzida. Uma indução arquitectada pelas
celuloses e pelas portas-giratórias que alimenta.
Engenheiro silvicultor
Sem comentários:
Enviar um comentário