GUERRA NA UCRÂNIA
Costa recusa ambiguidade mas põe condições para adesão da
Ucrânia à UE
Primeiro-ministro afirma que Portugal vai acompanhar
recomendação da Comissão Europeia, mas alerta para necessidade de revisão da
arquitectura institucional e financeira da UE. E sublinha que estatuto de
candidato “não resolve nenhum problema dos ucranianos”.
Leonete Botelho
17 de Junho de
2022, 22:22
Sem qualquer
ambiguidade, o primeiro-ministro afirmou esta sexta-feira que Portugal
acompanhará o parecer da Comissão Europeia para aceitar a candidatura da
Ucrânia e da Moldova à União Europeia. Mas também irá deixar claro, no Conselho
Europeu da próxima semana, que qualquer processo de alargamento tem de ser
acompanhado de “uma reflexão sobre a arquitectura institucional e financeira da
UE”, para que não haja no futuro “ricochetes sobre a credibilidade” europeia.
Ao fim da tarde
desta sexta-feira, depois de ter ouvido “um consenso quase unânime” dos
partidos com assento parlamentar sobre o tema, António Costa afirmou que
“Portugal irá acompanhar o parecer da Comissão Europeia quanto à adesão da
Ucrânia e da Moldova”, mas avisou que “vai ser um processo longo, exigente e
incerto”. E sublinhou que o estatuto de candidato não pode fazer “descurar o
que a Ucrânia mais necessita no imediato e que é apoio financeiro, militar e
humanitário”.
Só depois disso
explicitou as suas reservas, ou pré-condições, sobre qualquer processo de
alargamento da União Europeia ao nível da estrutura institucional e financeira
da União Europeia, de forma a garantir que haja “boas condições para termos uma
UE forte, unida, capaz de cumprir os seus objectivos e de acolher bem os seus
candidatos”. “É fundamental que todos os países que acompanhem esta
recomendação da Comissão Europeia o façam de forma consciente para não haver no
futuro um ricochete muito inconveniente na credibilidade da UE, como já
aconteceu no passado”, disse.
Em resposta aos
jornalistas, o primeiro-ministro recusou qualquer ambiguidade na sua posição,
rejeitando a acusação do eurodeputado Paulo Rangel no PÚBLICO: “Portugal nunca
teve uma posição ambígua desde a madrugada de 24 de Fevereiro. Não fomos
ambíguos na forma como temos apoiado a Ucrânia a nível político, financeiro,
militar e humanitário, e também não fomos ambíguos quando dissemos que era
preciso aguardar o parecer da Comissão Europeia”. Em concreto, lembrou os 250
milhões de euros de apoio financeiro, a aquisição de equipamento militar para
ceder à Ucrânia e o mecanismo de acolhimento humanitário cedo criado em
Portugal.
Mas também não
escamoteou as suas dúvidas sobre o alargamento da UE. Embora tenha sublinhado a
“confiança” na avaliação que o executivo europeu liderado por Ursula von der
Leyen faz das condições que os dois países têm para serem candidatos, António
Costa insistiu que o processo será “longo, exigente e incerto” e que não
resolve nenhum problema dos ucranianos “do ponto de vista prático e urgente”. E
repetiu a necessidade de reflectir sobre “o caminho” que a Europa vai seguir.
Questionado sobre
se Portugal estava preocupado, em particular, com a competição dos novos
candidatos em relação aos fundos europeus, António Costa não negou. “Há factos
que não devemos escamotear: a boa integração destes países pressupõe uma
reflexão para saber qual é o caminho que vamos percorrer”, disse, dando como
exemplos das suas preocupações a representatividade de todos os Estados-Membros
da UE na Comissão Europeia e no Parlamento Europeu, mas também saber “se os
actuais [países] contribuintes líquidos estão abertos a aumentar a sua
participação financeira ou se vamos ter o mesmo bolo para dividir por mais
parceiros”.
Costa não se
preocupa se Portugal “fica mais ou menos sozinho” com estas suas posições, mas
recorda que “ainda há pouco tempo o Presidente [francês Emmanuel] Macron dizia
que há muitas formas de ser europeu”, e recordou como a Suíça e até o Reino
Unido são países europeus não integrados na UE. “Os cidadãos europeus têm que
conhecer todas as consequências das suas decisões”, disse, insistindo na
reflexão sobre o alargamento da EU.
E concluiu com
uma frase que soou a recado a Macron: “A minha convicção é que os meus colegas
hoje tão emocionados [com as imagens da Ucrânia] estão cientes que essas
alterações são essenciais”.
PCP e IL criticam
posição “menos clara”
Ao longo de todo
o dia, o primeiro-ministro ouviu dos partidos com assento parlamentar posições
quase todas favoráveis à concessão à Ucrânia do estatuto oficial de país
candidato à União Europeia. A excepção foi o PCP, com Jerónimo de Sousa a
defender que a prioridade face ao conflito na Ucrânia deve ser “o diálogo, o
esforço procurando a paz como solução para o conflito” e “evitar que o nosso
povo e outros povos sofram as consequências económicas” da guerra.
O líder
comunista, aliás, aproveitou para sinalizar a “relativização” do
primeiro-ministro em relação à candidatura da Ucrânia à UE: “Hão-de reparar que
existe uma intenção, mas mesmo aqueles que defendem esse estatuto,
relativizam-no, como tem acontecido, incluindo por parte do senhor
primeiro-ministro na sua consideração de que ‘sim, estatuto associativo, mas em
relação à questão da adesão logo se verá'”, afirmou.
Também o presidente
da IL lamentou a posição “menos clara” assumida pelo Governo, considerando que
não existe, neste momento, “espaço para ambiguidade estratégica na União
Europeia”. Questionado se, neste momento, o primeiro-ministro lhe parece menos
ambíguo, João Cotrim de Figueiredo não respondeu directamente: “O senhor
primeiro-ministro está a misturar os vários planos, a UE é um espaço de
comunhão de valores e princípios. Estes valores vêm, para nós, antes de
quaisquer outros”.
O PSD considerou
“fundamental” a Ucrânia obter o estatuto de candidato mas frisa que este caso
deve ser visto como “excepcional”, enquanto o Livre considerou que o processo
de adesão “terá de ser julgado pelos seus méritos e deméritos” e cumprir as
regras, exigência também referida pelo Bloco de Esquerda. Já o PAN não quer
adiamentos por motivos económicos.
Para esta
sexta-feira estava prevista a votação de um projecto de resolução em que o
Livre recomendava ao Governo o “exprimir [do] seu apoio à atribuição do
estatuto de candidato a Estado-membro da UE à Ucrânia”, sem “interferência das
relações com a Rússia nas relações entre a Ucrânia e a UE”.
A votação do
projecto acabou por ser adiada para dia 22 a pedido do Livre. Ao PÚBLICO, o
deputado único do Livre, Rui Tavares, explicou o adiamento com o objectivo de
“permitir acabar a ronda de consulta aos partidos e o debate sobre as
prioridades da presidência checa, com o primeiro-ministro, na próxima
quarta-feira, após o qual a nossa resolução será votada”. com David Santiago e
Lusa

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