OPINIÃO
Costa está a exigir um cheque em branco aos portugueses
António Costa cativa a revelação da política de alianças
que tem na cabeça.
João Miguel
Tavares
4 de Janeiro de
2022, 0:36
https://www.publico.pt/2022/01/04/opiniao/opiniao/costa-exigir-cheque-branco-portugueses-1990671
Há uma velha
tradição da política portuguesa que consiste em escolher a cada eleição um
adjectivo pitoresco para casar com a palavra “maioria”. Os políticos, por
regra, evitam o adjectivo “absoluta”, não só porque é difícil de alcançar, mas
também porque parece um pedido pouco modesto. E também evitam o adjectivo
“relativa”, porque não se faz grande coisa com ele, e parece falho de ambição.
Donde, embora as maiorias ou sejam absolutas ou sejam relativas, ninguém pede
nem uma coisa nem outra, e passam-se meses a brincar com o adjectivo favorito
de cada eleição legislativa.
O adjectivo
favorito de 2022 é “estável”. António Costa nunca diz directamente que quer uma
maioria absoluta. Diz que quer uma “maioria estável”. Ou, em momentos de maior
dispêndio semântico, “uma maioria clara, estável e duradoura”. E que tipo de
maioria é essa, exactamente? “É metade mais um”, explica António Costa. Mas
metade mais um não é a definição de maioria absoluta? Não deve ser, porque
António Costa prefere, ainda assim, maioria estável, maioria clara, maioria
duradoura, maioria reforçada ou maioria progressista, esgotando o dicionário de
sinónimos sem nunca, mas nunca, pronunciar a palavra proibida – o que permite
alimentar o alegado mistério de saber quais os desejos mais íntimos do nosso
primeiro-ministro, aproveitando para passar mais tempo a responder a perguntas
de jornalistas sobre o tamanho da maioria e a hermenêutica da palavra
“estável”, do que sobre aquilo que realmente pretende fazer se ganhar as
eleições
António Costa não
toma essa opção por acaso. Ele não quer usar a palavra “maioria absoluta”
porque sabe que não tem condições para chegar lá – e não quer que essa frustração
de expectativas marque a noite eleitoral. E, ao mesmo tempo, agradece a
conversa de chacha em torno do tamanho da maioria por uma razão muito clara e
estável, mas pouco duradoura: ele acha que qualquer compromisso pré-eleitoral
irá diminuir o número de votos a que pode ambicionar no dia 30 de Janeiro, ou
seja, que qualquer clarificação de possíveis alianças pós-eleitorais, nem que
seja através de meras fórmulas de viabilização de governos (como tem feito Rui
Rio), lhe é prejudicial antes das eleições. Daí o cultivo permanente da
ambiguidade.
Quando perguntam
a António Costa se vai negociar com Rui Rio, ele diz que não. Quando lhe
perguntam se vai promover uma nova “geringonça”, ele diz que não há condições
para isso. E quando lhe perguntam se ele quer uma maioria absoluta, recusa-se a
utilizar tal palavra. Portugal tem neste momento um primeiro-ministro que está
há seis anos no Governo, e que pede estabilidade de cada vez que aparece na
televisão, mas os portugueses só sabem realmente o que vai acontecer se o PS
tiver mais de 45% dos votos (António Costa fica a governar sozinho) ou se tiver
menos votos do que o PSD (António Costa vai-se embora). Tudo o que estiver
entre uma coisa e outra – o mais provável, portanto – é um tiro no escuro.
O mesmo António
Costa que pede insistentemente “uma maioria estável” está, na verdade, a
colocar os portugueses na maior instabilidade, ao recusar clarificar o
comportamento do PS no período pós-eleitoral. Quando tudo indica que os
compromissos serão inevitáveis, António Costa cativa dos portugueses a política
de alianças que tem na cabeça. Isto não é estratégia política. É um cheque em
branco exigido aos eleitores, que o primeiro-ministro de Portugal pretende
gastar a seu bel-prazer.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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