OPINIÃO
Tempo de decisões
Chegamos gradualmente ao ponto em que não se pode adiar
mais o fundamental: a natureza do regime político e do sistema social e
económico. Que parecem consolidados, mas não estão.
António Barreto
7 de Agosto de
2021, 0:10
https://www.publico.pt/2021/08/07/opiniao/opiniao/tempo-decisoes-1973364
Preparemo-nos
para uma longa caminhada. Que teremos de percorrer sem conhecer as
dificuldades, muito menos o resultado. Preparemo-nos para decisões difíceis. É
verdade que todos os tempos são decisivos, é o que se aprende com a política.
Mas há os que são mais do que outros. Estamos agora, como outras vezes na nossa
vida recente, em tempo de escolhas especialmente importantes. Comparáveis às
que tivemos de fazer com a Constituição e o regime democrático; ou com a adesão
à Comunidade Europeia. Com várias eleições e outros tantos orçamentos à nossa
frente, com um poderoso programa europeu de ajuda financeira e com vários
factores de crise a exigir soluções, chegamos gradualmente ao ponto em que não
se pode adiar mais o fundamental: a natureza do regime político e do sistema
social e económico. Que parecem consolidados, mas não estão.
Na verdade, são
decisões excepcionalmente difíceis, porque as adiámos. Mas também porque
difíceis foram os tempos que vivemos neste século XXI. Os portugueses tiveram
especialmente má sorte. Ou atravessaram períodos particularmente difíceis. Uns,
por responsabilidades suas. Outros, porque a sua origem internacional os
ultrapassou. Mas deve reconhecer-se que se tratou de uma série excepcionalmente
difícil ou dolorosa. Os governos de José Sócrates, de triste sina e má fama. A
crise financeira internacional e a crise da divida soberana. A quase bancarrota
nacional e o grave endividamento público e privado. A assistência internacional
e a troika. A pandemia da covid. Dois períodos de muito intenso desemprego e de
elevado número de falências. Muitos outros países partilharam connosco algumas
destas crises. Certos povos tiveram mesmo crises diferentes. Mas reconheçamos
que nos coube um quinhão particularmente pesado. O que faz com que, em vinte
anos, não crescemos, não nos desenvolvemos, nem nos aproximámos da Europa. Em
vinte anos, caminhámos para o último lugar da União.
Depois de alguns
anos de crescimento, de real desenvolvimento e de melhoria das condições de
vida, começámos a verificar que, desde o inicio deste século, as nossas
estruturas produtivas eram muito mais frágeis do que se pensava, muito menos
eficientes do que se imaginava. Aquilo que se designava, nos anos oitenta, pelo
eufemismo “a prosperidade é geral, mas ainda há bolsas de pobreza e de atraso”,
era finalmente uma enorme ilusão. Mais depressa se tratava de “a pobreza é
geral e só há algumas bolsas de riqueza e de desenvolvimento”.
Para sair das crises e para finalmente desenvolver, vai
ser necessário repensar e partir com novas bases. Os últimos anos mostraram que
não se pode nem deve adiar mais. Há muito que não estávamos diante de dilemas
essenciais
Com a sucessão
das crises do século XXI, a realidade ficou intensamente mais nítida e cruel.
São enormes as debilidades do investimento, da criação de novas produções e de
novas vias de exportação consolidada. Estas crises mostraram as fragilidades
fundamentais da economia e da sociedade e a pobreza de ambas. Tornaram mais
visíveis a falta de capital e de ciência, a mediocridade das estruturas
empresariais e a fraqueza dos grupos económicos. Sublinharam a reduzida
competência do Estado e dos governos. Patentearam a venalidade de tantos
políticos democráticos, assim como a corrupção e o nepotismo que parecem ser,
entre nós, costumes impunes ou aceitáveis.
Este último
aspecto, o da corrupção, do nepotismo e do favoritismo, é particularmente cru,
num país com tanta pobreza. A incapacidade do sistema político para combater
tais deficiências e a dificuldade da justiça para punir e prevenir são
especialmente dolorosas num país tão desigual.
Não é seguro que
se confirme em Portugal o velho mito da destruição criadora. Na verdade,
algumas das melhores empresas portuguesas, as mais internacionais, as mais
produtivas e as mais avançadas foram destruídas ou submetidas a grupos e fundos
externos, para os quais a economia e a sociedade portuguesas não são
prioridades nem horizontes. É pouco provável que estas boas empresas voltem ou
renasçam.
Até agora,
resistimos. Ou antes, os portugueses conseguiram sobreviver. Endividados, com
muitos desempregados em cada família, sem poupança nem aforro, com enormes
dificuldades para encontrar emprego para os filhos que entretanto tiveram mais
qualificações e mais instrução, muitos sentiram-se novamente obrigados a
recorrer à emigração. Mas resistimos. Sem pôr em causa a coesão nacional, nem
as instituições democráticas. Alguns serviços públicos aguentaram e resistiram,
com especial relevo para os da saúde. Mesmo se com enorme esforço e com grandes
carências.
Já sabemos que a direita radical quer destruir o regime
democrático. Já sabemos que a esquerda radical quer apoderar-se do regime
democrático. É possível impedir tais intentos. O que não parece possível é
tentar preservar o regime democrático com aqueles que o querem destruir. Nem
com os que dele se querem apoderar
Para sair das
crises, para curar as feridas, para relançar e criar a economia e para
finalmente desenvolver, vai ser necessário repensar e partir com novas bases.
Os últimos anos mostraram que não se pode nem deve adiar mais. Mostraram que as
escolhas são cada vez mais inevitáveis e inadiáveis. Há muito que não estávamos
diante de dilemas essenciais. Como poucas vezes no passado, vamos decidir, nos
próximos dois a três anos, se queremos ou não ter mercado e iniciativa privada.
Se nos organizamos para o desenvolvimento económico. Se damos confiança aos
investidores nacionais e estrangeiros. Se somos capazes de novos grandes
projectos. Se queremos realmente promover a colaboração do público com o
privado. Se queremos cuidar das bases económicas indispensáveis ao Estado
social e à sua consolidação. Se estamos ou não à altura de crescer
economicamente mais do que os restantes países europeus ou grande parte deles.
Teremos de
decidir se somos ou não capazes de criar um poder político que seja capaz das
escolhas difíceis e não se submeta à estratégia da duração e às tácticas da
manutenção. Teremos, em particular, de decidir se aceitamos a lógica infernal
da esquerda contra a direita e da prioridade aos governos sectários.
Já sabemos que a
direita radical quer destruir o regime democrático. Com democracia e com uma
estratégia política de interesse comum, é possível impedir tal intento. Já
sabemos que a esquerda radical quer apoderar-se do regime democrático. Também é
possível impedir tal intenção. O que não parece possível é tentar preservar o
regime democrático com aqueles que o querem destruir. Nem com os que
dele se querem apoderar.


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