quarta-feira, 4 de agosto de 2021

Estado vai tornar-se no único accionista da TAP este ano

 


EMPRESAS

Estado vai tornar-se no único accionista da TAP este ano

 

Comissão Europeia diz que haverá uma redução do capital para limpar prejuízos, assumindo depois o Estado 100% do grupo, no qual irá aplicar 2726 milhões de euros em capital até 2022. Bruxelas diz que medidas do plano do Governo são “insuficientes”.

 

Luís Villalobos

4 de Agosto de 2021, 6:08

https://www.publico.pt/2021/08/04/economia/noticia/estado-vai-tornarse-unico-accionista-tap-ano-1972955

 

O Estado português vai passar a ser o único accionista da TAP, depois de uma operação para limpar os prejuízos que ocorrerá ainda este ano e que irá envolver os accionistas privados, onde estão incluídos o empresário Humberto Pedrosa e pequenos investidores e trabalhadores. O plano implica ainda a aplicação total de 2726 milhões de euros de dinheiro público no capital da TAP.

 

A informação consta de um documento da Comissão Europeia, que avançou para uma investigação mais aprofundada ao pedido de apoio à companhia feito pelo Governo. De acordo com o documento, datado de 16 de Julho e agora divulgado no âmbito da consulta pública, o Governo notificou Bruxelas, no dia 10 de Junho deste ano, de que pretendia aplicar 3200 milhões de euros na companhia, valor que já inclui os 1200 milhões emprestados à TAP no ano passado.

 

Segundo a Comissão Europeia, a concretização do valor foi acompanhada de uma versão actualizada do plano de reestruturação entregue a 10 de Dezembro do ano passado, e de outros documentos adicionais. Desses 3200 milhões de euros, 2726 milhões seriam aplicados “através de medidas de capital ou quase capital”, entre este ano e o ano que vem.

 

O valor divide-se em 1200 milhões do empréstimo já concedido ao grupo em 2020 - e que será convertido em capital este ano —, uma injecção ou garantia estatal a conceder no segundo semestre deste ano e que será convertível em capital em Junho de 2022 (se não for logo aplicada), e uma outra injecção a realizar no mesmo ano. Os valores de cada operação não foram revelados.

 

Além destes 2726 milhões de euros, há uma referência a outros 512 milhões de euros que poderiam ter a forma de garantia estatal, facilitando a empresa ir ao mercado financiar-se. No entanto, a Comissão Europeia diz que Portugal realçou que, num cenário mais adverso, este valor também poderia ser aplicado através de uma injecção de capital. Por outro lado, o Governo português já fez saber que poderá prescindir desta verba de modo a reduzir o apoio público e equilibrar o contributo do grupo e do Estado para o plano de reestruturação.

 

Isto porque, de acordo com as regras de Bruxelas, o contributo da entidade apoiada deve estar próximo ou acima de 50%, e está na casa dos 36%. Entre as medidas de corte de custos está a redução do número de trabalhadores, incluindo o despedimento colectivo em curso.  

 

Assim, não parece haver lugar a empréstimos reembolsáveis, ou mesmo garantias, concentrando-se o apoio do Estado na injecção de capital na companhia.

 

Este ano, o Estado já aplicou 462 milhões de euros na TAP SA, passando a deter 92% da transportadora área (principal activo do grupo), após Bruxelas ter autorizado esse apoio no âmbito das ajudas à pandemia e por causa dos impactos das restrições aéreas entre Março e Junho de 2020. O Estado detém também 72,5% da TAP SGPS, depois de ter adquirido os 22,5% que estavam com David Neeleman.

 

Limpeza de prejuízos

De acordo com a Comissão Europeia, e para assegurar que o fardo é também suportado pelos accionistas da companhia liderada por Christine Ourmières-Widener, as prestações acessórias de Humberto Pedrosa (dono de 22,5% da holding via HPGB) e as detidas pelo Estado vão ser convertidas em capital, e, logo depois, haverá uma redução do capital social para ajudar a limpar os prejuízos acumulados (a TAP SA tinha um capital próprio negativo de 1288 milhões no final de 2020, valor que evolui para -2127 milhões na SGPS).

 

Do lado do Estado, estão 55 milhões de euros, cabendo a Pedrosa 169 milhões de euros em prestações acessórias. A Comissão Europeia remete, no entanto, para o acordo estabelecido entre o Governo e Pedrosa em Outubro do ano passado, não se percebendo se o empresário conseguiu garantir algum tipo de protecção do valor em causa (ou parte dele).

 

Com esta operação, que terá uma dimensão expressiva, a Comissão Europeia diz que o Estado “ficará nesta fase como o único accionista” da TAP SGPS, através da Direcção Geral do Tesouro e Finanças (DGTF). Nessa altura, haverá então um aumento de capital subscrito pelo Estado. Quanto à TAP SA, esta também será alvo de uma redução de capital para efeitos de limpeza de prejuízos. Será na sequência destas operações que o empréstimo de 1200 milhões de euros será convertido em capital da empresa.   

 

Os argumentos do Governo

No dia 16 de Julho, a Comissão Europeia reiterou a conformidade do empréstimo de 1200 milhões de euros, na sequência da queixa da Ryanair validada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, mas comunicou também que ia iniciar uma investigação para “avaliar se o auxílio à reestruturação que Portugal tenciona conceder à TAP está em conformidade com as regras da UE em matéria de auxílios estatais”.

 

Em particular, destacou Bruxelas, a análise pretende assegurar se o plano de reestruturação “não depende em excesso do financiamento público”, ou seja, se é preciso um maior esforço da empresa ou um menor envolvimento do Estado. E se este será “acompanhado de medidas adequadas para limitar as distorções da concorrência criadas pelos auxílios”.

 

Por parte do Governo, defende-se, entre outros aspectos, que o apoio que venha a ser concedido por ajudas devidas aos impactos da pandemia no segundo semestre de 2020 e primeiro trimestre deste ano deve poder ajudar a equilibrar as contas (não contando como ajuda estatal para o cálculo em causa).

 

Em termos de pessoal, embora inicialmente a empresa identificasse em 3000 o número de trabalhadores em excesso em 2021, a meta de redução foi fixada em 2000 empregos. E, mesmo após o programa de medidas voluntárias, este objectivo só deverá ser atingido por via do despedimento colectivo em curso.

 

Neste capítulo, há também um plano de redução de frota, e de rotas, face ao cenário pré-covid, e o Governo defende que não deve haver lugar a cedência de slots (autorizações de aterragens e descolagens de aviões) no aeroporto de Lisboa porque isso é “desnecessário para promover a concorrência” e “poderá colocar em risco” a recuperação da companhia.

 

De acordo com a TAP, que teve um prejuízo de 1418 milhões ao nível do grupo em 2020 e ainda está a sofrer fortemente com a falta de normalização de voos para países como o Brasil, a transportadora é menos dominadora no aeroporto de Lisboa do que outros concorrentes nos mercados onde são mais fortes, e a concorrência mais directa (como a Ryanair) tem uma maior expressão em Lisboa do que em outras situações semelhantes.

 

Por outro lado, o Governo também já avançou que poderá haver um futuro interessado em entrar no capital da TAP, sinalizando um eventual interesse da Lufthansa (que já esteve em negociações nesse sentido no passado). A transportadora alemã, mesmo interessada, não pode neste momento efectuar operações desse género por ter sido também alvo de apoios estatais. Uma outra hipótese seria um investidor meramente financeiro, sendo que qualquer um ajudaria a equilibrar as contas dos apoios.

 

Há, depois, a questão de cortar o apoio do Estado ao financiamento dos tais 512 milhões de euros, esperando-se que o balanço e a performance da empresa já permitam à companhia ir ao mercado na altura sem esse apoio.

 

Medidas “insuficientes"

Por seu lado, Bruxelas considera que o equilíbrio das medidas entre a TAP e o Estado e as medidas para limitar distorções da concorrência “apresentam-se como insuficientes nesta fase”. Para a Comissão, também não está garantido que o plano assegure o regresso da TAP à viabilidade a longo prazo, sem mais ajudas.

 

Sobre idas da TAP ao mercado para se financiar, a Comissão diz que isso é, neste momento, “hipotético”, logo, não pode ser “considerado real”, numa referência ao corte de 512 milhões no apoio, e nota ainda a ausência de investidores privados no processo (ao contrário de situações como a dona da British Airways e da Iberia, Finnair e Air France).

 

Acerca da alienação de activos, que a TAP está a ponderar, Bruxelas diz ter dúvidas sobre se a venda de negócios que dão prejuízo pode ser considerada como uma medida para atenuar os efeitos de distorção de concorrência pelas ajudas públicas. Quanto às slots, refere-se ser um facto que a TAP tem “uma forte posição” num aeroporto “muito congestionado” e que Portugal não apresentou dados que comprovem que um desinvestimento nesse campo colocaria em risco a recuperação da empresa.

 

De acordo com a Comissão, embora a TAP pretenda vir a manter a sua capacidade operacional abaixo dos níveis pré-covid, não há nada que permita verificar se esta, mesmo assim, “não irá ser excessiva”. Para todos os efeitos, Bruxelas considera que neste momento o apoio estatal “não preenche as condições” necessárias, tendo dado um mês ao Governo para se pronunciar.

 

O PÚBLICO enviou várias questões ao Governo, tendo ao Ministério das Finanças e o Ministério das Infra-estruturas remetido para a posição já assumida a 16 de Julho. “O Governo reafirmou e reafirma que continua com total empenho e disponibilidade a trabalhar com a Comissão Europeia para concluir a aprovação do plano de reestruturação da TAP”, responderam de forma conjunta os dois ministérios. Perguntas do PÚBLICO, como a injecção dos 2726 milhões e a questão das prestações acessórias de Humberto Pedrosa, ficaram sem resposta.

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