POLÍTICA CULTURAL
Um maná para o património e um novo modelo de apoio às
artes na cartola do Conselho de Ministros
O Estatuto do Trabalhador da Cultura polarizou nos
últimos meses as atenções de um sector que a pandemia deixou ainda mais débil.
Mas há outros diplomas estruturantes na agenda que o Governo leva esta
quinta-feira para Mafra – e 150 milhões de euros que podem tapar vários dos
buracos com que o gabinete de Graça Fonseca se vem confrontando.
Inês Nadais
22 de Abril de
2021, 6:29
A discussão sobre
o Estatuto do Trabalhador da Cultura que o primeiro-ministro, António Costa, se
comprometeu a aprovar no Conselho de Ministros desta quinta-feira roubou o palco
de uma reunião com que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, espera afirmar
politicamente um Ministério da Cultura (MC) bastante desgastado junto da
opinião pública, e cuja agenda vai bem para lá do polémico articulado com que
se pretende regular o sector. Para isso, a ministra fará sair da cartola alguns
diplomas estruturantes que estão pendurados desde o início do ano e um
inesperado envelope financeiro vindo de um Plano de Recuperação e Resiliência
(PRR) que começou por nada trazer à Cultura, mas que afinal lhe reservará 243
milhões de euros para converter até 2025 em reabilitação do património e
modernização tecnológica de equipamentos culturais da rede pública.
Nas últimas
semanas, o Governo esforçou-se por centrar todas as atenções nesta novidade que
de algum modo vem responder não só à chuva de críticas com que a primeira
versão do PRR foi recebida pelos meios culturais, como também a notícias
recentes sobre o estado avançado de degradação das instalações de alguns dos
principais museus tutelados pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC),
entre os quais o de Arte Antiga e o do Azulejo, ambos em Lisboa. Os
destinatários dos 150 milhões de euros alocados ao plano de investimento de
curto médio prazo em reabilitação do património já estarão, aliás,
identificados: são 49 equipamentos, entre museus, monumentos, palácios e
teatros nacionais, cujas necessidades já haviam sido inventariadas, tendo em
vista um programa de intervenção a dez anos (em Setembro, numa entrevista ao
PÚBLICO, a secretária de Estado adjunta e do Património Cultural, Ângela
Ferreira, fixava em 47 os equipamentos dependentes da DGPC e das direcções
regionais de Cultura a necessitar de reabilitação).
Ironicamente, a
pandemia veio dar um inusitado avanço a este projecto que em condições normais
se depararia com mais sérias dificuldades de execução – em Janeiro do ano
passado, Ângela Ferreira assumira no Parlamento que o Estado estava à procura
de fontes de financiamento “alternativas”, entre elas a Lotaria do Património e
o mecenato, para viabilizar este plano.
Os restantes 93
milhões que choverão do PRR reverterão, por sua vez, para a transição digital
da oferta cultural pública, o que passará pelo upgrade da infra-estrutura
tecnológica de teatros, cineteatros, museus, centros de arte, bibliotecas e
laboratórios de conservação e restauro (Cinemateca Portuguesa, Biblioteca
Nacional e Arquivo Nacional Torre do Tombo incluídos), mas também pela
capacitação dos seus recursos humanos e pela digitalização dos acervos que têm
à sua guarda.
Outra medida que
deve sair deste Conselho de Ministros é a formalização de mais um compromisso
recentemente anunciado por António Costa, numa visita ao Teatro Nacional de São
Carlos: a consignação de 1% do valor da empreitada dos grandes investimentos
futuros em infra-estruturas públicas à encomenda ou compra de obras de arte,
tendo em vista a criação de um roteiro de arte pública disseminado por todo o
território nacional.
Combater a
precariedade
Embora a agenda
da reunião desta quinta-feira no Convento de Mafra não tenha sido divulgada, é
certo, confirmou o PÚBLICO junto do MC, que servirá também para desbloquear
dois decretos-lei – o novo modelo de apoio às artes e a regulamentação da rede
de teatros e cineteatros – que Graça Fonseca se comprometera a fazer aprovar no
primeiro trimestre deste ano. Ambos acabaram por sair mudados da consulta
pública a que foram submetidos em Dezembro – no caso do modelo de apoio às
artes, não avança afinal a estruturação do financiamento sustentado em ciclos
renováveis de três anos com que ainda há dois meses, em entrevista ao PÚBLICO,
a ministra previa garantir “uma estabilidade completamente diferente” ao tecido
artístico. Mantêm-se, pois, os actuais ciclos de apoio bienais e quadrienais,
estes últimos passíveis de renovação sem concurso, mediante parecer positivo
das comissões de acompanhamento. Outra novidade é a criação de patamares fixos
de financiamento, que os candidatos aprovados receberão por inteiro – actualmente,
o apoio está indexado à pontuação de cada candidatura em concurso, pelo que uma
estrutura avaliada em 80% recebe igual percentagem do montante solicitado.
Os projectos
apoiados no quadro dos concursos da Direcção-Geral das Artes (DGArtes) terão também
via verde na nova Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, que esta
quinta-feira passará a existir formalmente – o processo de credenciação dos
membros desta rede que, a correr conforme os planos, terá pelo menos uma lança
em todas as NUT II, deverá avançar imediatamente, prevendo-se que no Outono a
DGArtes possa abrir o primeiro concurso de apoio financeiro às entidades
credenciadas, que disporá de dotação orçamental própria. A ideia é que
estruturas de programação como os teatros municipais, por exemplo, deixem de
disputar com os artistas as mesmas linhas de financiamento.
Tal como a
regulamentação da nova rede de teatros e cineteatros, a revisão do modelo de
apoio às artes foi pensada como ferramenta adicional de combate à precariedade
nas relações laborais: em ambos os casos serão bonificadas as candidaturas das
estruturas que privilegiem contratos de trabalho.
O Conselho de Ministros temático desta quinta-feira deve ainda aprovar a constituição de uma nova rede de arte contemporânea que junte os vários centros – públicos, privados ou mistos – dispersos pelo país, alguns dos quais ligados a espólios relevantes de artistas portugueses, permitindo a sua articulação com a Colecção de Arte do Estado. E espera-se também que saia de Mafra o prolongamento até 2023 do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, mecanismo de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual e de captação de filmagens internacionais que entre 2018 e 2020, segundo um relatório do Instituto do Cinema e do Audiovisual, terá feito entrar no país 80 milhões de euros, para um valor total de incentivos (cash-rebate) de 20 milhões

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