quinta-feira, 22 de abril de 2021

Um maná para o património e um novo modelo de apoio às artes na cartola do Conselho de Ministros


 

POLÍTICA CULTURAL

Um maná para o património e um novo modelo de apoio às artes na cartola do Conselho de Ministros

 

O Estatuto do Trabalhador da Cultura polarizou nos últimos meses as atenções de um sector que a pandemia deixou ainda mais débil. Mas há outros diplomas estruturantes na agenda que o Governo leva esta quinta-feira para Mafra – e 150 milhões de euros que podem tapar vários dos buracos com que o gabinete de Graça Fonseca se vem confrontando.

 

Inês Nadais

22 de Abril de 2021, 6:29

https://www.publico.pt/2021/04/22/culturaipsilon/noticia/mana-patrimonio-novo-modelo-apoio-artes-cartola-conselho-ministros-1959532

 

A discussão sobre o Estatuto do Trabalhador da Cultura que o primeiro-ministro, António Costa, se comprometeu a aprovar no Conselho de Ministros desta quinta-feira roubou o palco de uma reunião com que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, espera afirmar politicamente um Ministério da Cultura (MC) bastante desgastado junto da opinião pública, e cuja agenda vai bem para lá do polémico articulado com que se pretende regular o sector. Para isso, a ministra fará sair da cartola alguns diplomas estruturantes que estão pendurados desde o início do ano e um inesperado envelope financeiro vindo de um Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que começou por nada trazer à Cultura, mas que afinal lhe reservará 243 milhões de euros para converter até 2025 em reabilitação do património e modernização tecnológica de equipamentos culturais da rede pública.

 

Nas últimas semanas, o Governo esforçou-se por centrar todas as atenções nesta novidade que de algum modo vem responder não só à chuva de críticas com que a primeira versão do PRR foi recebida pelos meios culturais, como também a notícias recentes sobre o estado avançado de degradação das instalações de alguns dos principais museus tutelados pela Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC), entre os quais o de Arte Antiga e o do Azulejo, ambos em Lisboa. Os destinatários dos 150 milhões de euros alocados ao plano de investimento de curto médio prazo em reabilitação do património já estarão, aliás, identificados: são 49 equipamentos, entre museus, monumentos, palácios e teatros nacionais, cujas necessidades já haviam sido inventariadas, tendo em vista um programa de intervenção a dez anos (em Setembro, numa entrevista ao PÚBLICO, a secretária de Estado adjunta e do Património Cultural, Ângela Ferreira, fixava em 47 os equipamentos dependentes da DGPC e das direcções regionais de Cultura a necessitar de reabilitação).

 

Ironicamente, a pandemia veio dar um inusitado avanço a este projecto que em condições normais se depararia com mais sérias dificuldades de execução – em Janeiro do ano passado, Ângela Ferreira assumira no Parlamento que o Estado estava à procura de fontes de financiamento “alternativas”, entre elas a Lotaria do Património e o mecenato, para viabilizar este plano.

 

Os restantes 93 milhões que choverão do PRR reverterão, por sua vez, para a transição digital da oferta cultural pública, o que passará pelo upgrade da infra-estrutura tecnológica de teatros, cineteatros, museus, centros de arte, bibliotecas e laboratórios de conservação e restauro (Cinemateca Portuguesa, Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional Torre do Tombo incluídos), mas também pela capacitação dos seus recursos humanos e pela digitalização dos acervos que têm à sua guarda.

 

Outra medida que deve sair deste Conselho de Ministros é a formalização de mais um compromisso recentemente anunciado por António Costa, numa visita ao Teatro Nacional de São Carlos: a consignação de 1% do valor da empreitada dos grandes investimentos futuros em infra-estruturas públicas à encomenda ou compra de obras de arte, tendo em vista a criação de um roteiro de arte pública disseminado por todo o território nacional.

 

Combater a precariedade

Embora a agenda da reunião desta quinta-feira no Convento de Mafra não tenha sido divulgada, é certo, confirmou o PÚBLICO junto do MC, que servirá também para desbloquear dois decretos-lei – o novo modelo de apoio às artes e a regulamentação da rede de teatros e cineteatros – que Graça Fonseca se comprometera a fazer aprovar no primeiro trimestre deste ano. Ambos acabaram por sair mudados da consulta pública a que foram submetidos em Dezembro – no caso do modelo de apoio às artes, não avança afinal a estruturação do financiamento sustentado em ciclos renováveis de três anos com que ainda há dois meses, em entrevista ao PÚBLICO, a ministra previa garantir “uma estabilidade completamente diferente” ao tecido artístico. Mantêm-se, pois, os actuais ciclos de apoio bienais e quadrienais, estes últimos passíveis de renovação sem concurso, mediante parecer positivo das comissões de acompanhamento. Outra novidade é a criação de patamares fixos de financiamento, que os candidatos aprovados receberão por inteiro – actualmente, o apoio está indexado à pontuação de cada candidatura em concurso, pelo que uma estrutura avaliada em 80% recebe igual percentagem do montante solicitado.

 

Os projectos apoiados no quadro dos concursos da Direcção-Geral das Artes (DGArtes) terão também via verde na nova Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses, que esta quinta-feira passará a existir formalmente – o processo de credenciação dos membros desta rede que, a correr conforme os planos, terá pelo menos uma lança em todas as NUT II, deverá avançar imediatamente, prevendo-se que no Outono a DGArtes possa abrir o primeiro concurso de apoio financeiro às entidades credenciadas, que disporá de dotação orçamental própria. A ideia é que estruturas de programação como os teatros municipais, por exemplo, deixem de disputar com os artistas as mesmas linhas de financiamento.

 

Tal como a regulamentação da nova rede de teatros e cineteatros, a revisão do modelo de apoio às artes foi pensada como ferramenta adicional de combate à precariedade nas relações laborais: em ambos os casos serão bonificadas as candidaturas das estruturas que privilegiem contratos de trabalho.

 

O Conselho de Ministros temático desta quinta-feira deve ainda aprovar a constituição de uma nova rede de arte contemporânea que junte os vários centros – públicos, privados ou mistos – dispersos pelo país, alguns dos quais ligados a espólios relevantes de artistas portugueses, permitindo a sua articulação com a Colecção de Arte do Estado. E espera-se também que saia de Mafra o prolongamento até 2023 do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema, mecanismo de incentivo à produção cinematográfica e audiovisual e de captação de filmagens internacionais que entre 2018 e 2020, segundo um relatório do Instituto do Cinema e do Audiovisual, terá feito entrar no país 80 milhões de euros, para um valor total de incentivos (cash-rebate) de 20 milhões

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