Lobo Antunes e o martírio dos 350 mil cidadãos
portugueses de segunda
As empresas que não servem os clientes desaparecem. O
cliente acaba por ser o operador da guilhotina. O Ministério dos Negócios
Estrangeiros parece não ter a necessidade de melhorar, aprender, servir melhor
os utentes e, como tal, tem um sistema de atendimento tão frágil que, em
momentos de pressão, como foi o caso do último ano, acaba por se desmoronar.
João Lopes
Português de
segunda. Cidadão preocupado. Residente na Inglaterra.
26 de Abril de
2021, 8:22
A um nível
empresarial, a covid-19 trouxe alguns pontos positivos, uma vez que testou
cadeias de distribuição e procedimentos nas empresas que fazem parte do nosso
quotidiano. Obrigou, também, a criar planos de contingência mais robustos e
formas de trabalhar que ajudam a criar soluções antes que a bola de neve ganhe
dimensões incontroláveis.
O Ministério dos
Negócios Estrangeiros não é uma empresa, mas necessita de aprender com o mundo
empresarial porque, apesar de não ter como foco a geração de capital, tem a
obrigação de apoiar os cidadãos que vivem no estrangeiro e que se encontram em
situações de desespero, como é o meu caso.
As empresas que
não servem os clientes desaparecem. O cliente acaba por ser o operador da
guilhotina. O Ministério dos Negócios Estrangeiros parece não ter a necessidade
de melhorar, aprender, servir melhor os utentes e, como tal, tem um sistema de
atendimento tão frágil que, em momentos de pressão, como foi o caso do último
ano, acaba por se desmoronar.
Em Janeiro de
2019, o PÚBLICO partilhou um artigo que descrevia uma visita à Embaixada de
Portugal em Londres como “um martírio” e que a solução dada por alguns
funcionários para tratar de assuntos como renovação de passaporte era ir a
Portugal.
O meu consulado é
em Manchester e não me sugeriram ir às Agras do Norte, Aveiro, de onde sou
natural, para tratar do passaporte. Mas o martírio foi o mesmo ou pior. O meu
passaporte e cartão de cidadão caducaram durante a pandemia de covid-19 e, ao
tentar solucionar o problema, eis o resultado.
Emails?
Ignorados. Telefonemas? Sou posto continuamente em espera durante 29 minutos.
Ao minuto 30, sem falta, a chamada é desconectada. Sistema de agendamento
online? Não funciona. Pedidos de agendamento de reunião? Ignorados. Pedidos de
escalonamento do problema? Ignorados.
O Governo
português diz também, no infame artigo, que “todos os casos “urgentes” são
resolvidos de imediato”.
O meu caso: três
membros da minha família têm cancro e não vou poder viajar assim que as
fronteiras abrirem.
Vou, dentro em
breve, começar um trabalho novo, depois de quase um ano sem trabalhar por causa
da covid-19. No primeiro dia há que introduzir identificação válida, caso
contrário não posso ser contratado.
Em Maio, tenho o
casamento do meu primo. Necessito de organizar o passaporte para a minha filha,
que nasceu no Reino Unido. Se a Polícia no Reino Unido me pedir documentos
durante uma operação-stop, o que faço?
Será esta uma
posição urgente, senhor embaixador Lobo Antunes?
Uma das coisas
que aprendi durante 18 anos de emigração é que crítica sem solução é ruído.
Como tal, a minha sugestão é a seguinte: apoie os seus cidadãos, reforme o seu
protocolo de atendimento, escute o que os artigos nos jornais e pessoas nos
seus consulados dizem. Olhe para o trabalho de reforço que as empresas fizeram
durante o último ano. Cresça. Melhore. Sirva.
A Inglaterra é o
maior destino de emigração dos últimos dez anos. Somos mais de 350 mil, fora os
que nunca se inscreveram na embaixada ou no consulado. Os vossos números
dizem-vos isso, mas o vosso modus operandi ignora o facto e, assim sendo,
andamos aqui neste martírio de cidadãos de segunda.
Durante a
composição deste texto recebi uma mensagem directa do embaixador (há dois dias
enviei uma nota com a comunicação social em cópia) e uma nota de agendamento
para o dia em que teria o voo para Portugal, caso tivesse sido atendido há
semanas.
EMIGRAÇÃO
Para os portugueses no Reino Unido, "ir ao consulado
é um martírio" e a solução é ir a Lisboa
Renovar um passaporte ou registar um filho em Londres é
uma aventura burocrática marcada por longas esperas, chamadas que não são
atendidas e emails que não são respondidos. Muitos são forçados a viajar para
Portugal tratar dos seus assuntos.
Filipa Almeida
Mendes
11 de Janeiro de
2019, 10:00 actualizado a 11 de Janeiro de 2019, 17:34
"Devido ao
elevado número de chamadas, a sua chamada encontra-se em lista de espera".
Quem telefona para o Consulado Geral de Portugal em Londres é imediatamente
avisado da falta de capacidade de resposta dos serviços. Depois de mais de 25
minutos em linha de espera, a chamada do PÚBLICO ficou por atender, assim como
têm ficado várias outras chamadas e pedidos da comunidade portuguesa a viver no
Reino Unido.
A Secretaria de
Estado das Comunidades Portuguesas lembra que o Reino Unido constituiu, ao
longo da última década, "o maior destino de emigração portuguesa",
com mais de 120 mil portugueses a emigrarem para o Reino Unido entre 2011 e 2015.
Segundo os dados
mais recentes do Governo, existem 309 mil portugueses detentores do número de
segurança social, “indispensável para garantir os direitos laborais”. Já na
rede consular no Reino Unido, estão 302 mil portugueses inscritos, dos quais 245
mil na área de jurisdição de Londres e 57 mil em Manchester.
Os números
apontam ainda para um crescimento de 52% do número de actos consulares, entre
2013 e 2018, em Londres e em Manchester, passando de 76 mil para 116 mil actos
consulares nos referidos anos. Mensalmente, são praticados 9500 actos
consulares no Reino Unido, o que, segundo a Secretaria de Estado das
Comunidades, “traduz a afluência aos serviços”.
São números tão
grandes quanto numerosas são queixas dos cidadãos portugueses sobre o funcionamento
do consulado português em Londres, entre atrasos na resposta a pedidos de
renovação do passaporte e do cartão de cidadão, registos de nascimento ou
casamento, a mera inscrição na representação diplomática ou o exercício do
direito de voto, o que em alguns casos obriga a viagens de urgência a Portugal.
O Governo
garante, por sua vez, que todos os casos "urgentes" são resolvidos de
imediato. Em resposta enviada ao PÚBLICO por email, a Secretaria de Estado das
Comunidades Portuguesas esclarece ainda que tem vindo a implementar um conjunto
de medidas de forma a melhorar os serviços consulares no Reino Unido, tais como
a contratação de pessoal, a colocação de computadores e a renovação da rede
informática, assim como o reforço das permanências consulares (com funcionários
do consulado a deslocarem-se aos locais mais distantes) e canais para
esclarecer a comunidade sobre o "Brexit".
"É melhor ir
a Portugal fazer os documentos"
Na Internet, as
reclamações chegam às dezenas. Os motivos são vários, desde o tempo de espera à
impossibilidade de agendar uma marcação no site do consulado, ou até mesmo pela
"maneira como falam com as pessoas". Para muitos, a solução tem
passado por viajar até Portugal, com todos os custos que isso acarreta, para
garantir que os documentos fiquem em ordem no próprio dia.
Foi o caso de uma
residente portuguesa, a viver em Londres há mais de 12 anos, cujo passaporte
caducava em Janeiro e que, após dois meses de tentativas infrutíferas para
agendar uma marcação no consulado em Londres e com a paciência esgotada, marcou
viagem para o aeroporto de Lisboa, na próxima segunda-feira, para renovar o
passaporte. "Vou ter que ir a Portugal fazer um passaporte porque o meu
trabalho envolve muitas viagens e tudo isso vai-me custar à volta de 300 euros
entre transportes, voos, a emissão urgente do passaporte [que custa 100 euros]
e ainda se tiver que alugar um hotel", nota ao PÚBLICO uma cidadã
portuguesa que prefere não ser identificada (chamemos-lhe Joana), garantindo
que este procedimento "agora é regra".
"Eu tenho a
possibilidade de ir a Portugal e de o pagar, mas pode haver gente que não
consiga. Como é que isto é suposto ser a regra?", questiona.
Por vezes, é o
próprio consulado que aconselha os cidadãos residentes no Reino Unido a ir a Portugal
resolver os seus problemas. Foi o caso de Maria Inês Pinheiro, que trabalha na
editora Penguin Random House e vive na capital britânica há cinco anos. Foi
assaltada, tendo perdido os seus documentos. Após procurar auxílio junto do
consulado português, em Agosto de 2018, um funcionário respondeu-lhe que
"era melhor ir a Portugal fazer os documentos".
Um sistema
"arcaico" e um incentivo à "cunha"
O problema mais
frequentemente referido entre os portugueses ouvidos pelo PÚBLICO é a
dificuldade na marcação de idas ao consulado. Os agendamentos são feitos
actualmente através de um sistema online, que todos os dias às 16h
disponibiliza 200 vagas de atendimento. E todos os dias às 16h o sistema acaba
por entupir ou "as vagas esgotam num curto espaço de tempo", como
admite o próprio consulado no site, causando frustração aos utilizadores.
"Isto tem
sido a minha vida todos os dias. Às 15h45 tenho um alarme no telemóvel, meto-me
à frente do computador e estou sempre ali a recarregar a página e, depois, o
site vai abaixo", conta Joana. "Entretanto, uma pessoa liga e ninguém
atende, até porque a partir das 16h o consulado já está fechado. Ligo no dia
seguinte e fico em lista de espera. O sistema é assim", lamenta a
portuguesa a viver em Londres. "Tal é o desespero", conta a cidadã
lusa, que "existem até pessoas a publicarem na Internet o seu número do
passaporte para obterem ajuda".
Outros admitem
ter de recorrer a outros expedientes perante as dificuldades desta plataforma
online. É o caso de Nuno Valinhas, que diz ter tido problemas aquando do
registo dos seus filhos e da renovação de cartões do cidadão. "Numa das
três vezes que tive de contactar o consulado acabei por desbloquear a situação
com uma tradicional cunha", assume.
No próprio posto
consular, e para serviços que não exigem marcação prévia, há portugueses que
ficam horas à espera de atendimento, muitos destes oriundos de cidades e
regiões distantes de Londres. A ansiedade aumenta à medida que se aproxima o
"Brexit", com portugueses contactados pelo PÚBLICO a admitirem recear
não ter os seus documentos em dia no momento em que o Reino Unido abandonar
oficialmente a União Europeia.
"Sadiq Khan
está mais preocupado com os portugueses do que o consulado"
Foi precisamente
com o "Brexit" em mente que Afonso Carrêlo deslocou-se há um ano ao
consulado português, por precaução, para se inscrever junto da representação
diplomática. Até hoje não sabe se a sua inscrição está efectivamente concluída.
No consulado não lhe disseram quando e como iriam informá-lo, fazendo saber que
"não enviam emails e os documentos são processados à mão", como conta
ao PÚBLICO.
Por outro lado,
quando se inscreveu no site da câmara municipal de Londres para receber
informações sobre o "Brexit", diz ter recebido
"imediatamente" um e-mail automático onde Sadiq Khan, o mayor da
capital britânica, se compromete a defender "os direitos do milhão de
europeus londrinos a viver na cidade". "Sadiq Khan está mais
preocupado com os portugueses que por aqui andam do que o nosso
consulado", diz ao PÚBLICO.
O problema do
consulado está num "sistema online arcaico que nunca funcionou",
afirma Márcio Silva, consultor informático a viver no Reino Unido há 11 anos. O
português é outro que já teve de viajar até Lisboa para renovar o passaporte no
próprio dia, para poder realizar uma viagem de trabalho aos Estados Unidos. Já
a sua mulher, Margarida Santos, "depois de ter sido avisada sobre a demora
para agendar marcações", teve de telefonar para o consulado para marcar o
registo de nascimento do filho do casal quando ainda estava grávida.
"O consulado
em Londres está completamente pelas costuras", diz Margarida, que descreve
cada ida ao posto consular como "um martírio".
Processos que
voltam à estaca zero e problemas na hora de votar
Já João Neves e a
mulher, ambos portugueses, não tiveram outra solução senão deslocarem-se
repetidas vezes ao consulado aquando do nascimento da sua filha. Isto porque o
registo da menina implicou a apresentação de inúmeros documentos, entre
registos de casamento e de dissolução de um matrimónio anterior. Para cada
papel, um agendamento, num processo que se prolongou no tempo e que ameaçou
voltar à estaca zero: numa das idas ao consulado, foi-lhes dito que não havia
qualquer informação sobre o seu processo — valeu-lhes a boa memória de uma
funcionária que os reconheceu e que assumiu a responsabilidade pelo seu caso.
"Se não
fosse a senhora reconhecer-nos, não havia qualquer historial e provavelmente a
nossa situação seria considerada irresolúvel", conta Neves, que
responsabiliza a "falta de pessoal" e "falhas
organizacionais".
Carolina Santos,
que se mudou para o Reino Unido em 2015, ano das últimas eleições legislativas,
queixa-se de ter sido impedida de votar no consulado, apesar de se ter inscrito
na representação diplomática logo no dia após a sua chegada a Londres. Após
três horas à espera para exercer o seu direito, foi-lhe apenas dito que não o
poderia fazer. "Foram extremamente rudes e nunca me foi explicado por que
razão não me foi autorizado votar", diz.
"Até hoje,
não voltei lá e evitarei fazê-lo porque foi o consulado do meu país que me
negou um direito básico sem justificação", conta ao PÚBLICO.
Notícia actualizada
às 17h34 com menção às declarações da Secretaria de Estado das Comunidades
Portuguesas sobre as medidas que tem vindo a implementar para dar resposta aos
pedidos consulares no Reino Unido.
tp.ocilbup@sednem.apilif

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