sábado, 24 de abril de 2021

Conversão de garagem modernista em Continente gera críticas

 


LISBOA

Conversão de garagem modernista em Continente gera críticas

 

PCP, BE e Fórum Cidadania lamentam aprovação do projecto e pedem maior debate sobre a Almirante Reis. BE diz que as obras arrancaram sem licença, Sonae desmente e a câmara encontrou “trabalhos de limpeza”.

 

João Pedro Pincha

24 de Abril de 2021, 7:32

https://www.publico.pt/2021/04/24/local/noticia/conversao-garagem-modernista-continente-gera-criticas-1959844?fbclid=IwAR3A_bk2_RKuM6eisG9buYPk8hg66snhmPnKVJJVBw6hfBluaJOQRcPzYPo

 

Uma garagem modernista da Rua da Palma que está classificada como Imóvel de Interesse Público vai ser transformada num supermercado Continente. O projecto de arquitectura foi aprovado na semana passada pela Câmara de Lisboa e motivou críticas do PCP, do BE e do Fórum Cidadania Lx.

 

A Garagem Liz situa-se junto ao Chafariz do Desterro e encontra-se em avançado estado de degradação, embora ainda lá funcionem alguns negócios. Segundo a proposta aprovada na autarquia com os votos favoráveis do PS, do CDS e do PSD, a Modelo Continente Hipermercados (Sonae MC) é uma das inquilinas do espaço e pretende transformá-lo num supermercado com parque de estacionamento no piso superior. Está prevista “a substituição das caixilharias exteriores, mantendo o desenho do alçado original, a demolição da compartimentação interior existente” e “a reconstrução da cobertura”, lê-se no documento que foi a votos.

 

Esta não é a primeira vez que a cadeia de retalho do grupo Sonae (também proprietário do PÚBLICO) instala superfícies comerciais em antigas garagens. Aconteceu, por exemplo, na Av. Defensores de Chaves. Mas tratando-se de um edifício modernista de 1933, projectado por Hermínio Barros com pormenores Arte Nova, que está classificado como Imóvel de Interesse Público desde 1983 e que integra a Carta Municipal do Património, várias vozes se levantaram contra o projecto.

 

João Ferreira, vereador do PCP e candidato autárquico pela CDU, foi uma delas. “Estamos a falar de um edifício classificado que vai sofrer uma alteração profunda. Recomendava-se um outro tipo de uso que não um supermercado”, opina. Para além das dúvidas que lhe suscita o projecto arquitectónico, o eleito comunista diz que “há um conjunto de problemas de tráfego que não estão resolvidos” porque, apesar de não ter “a dimensão de um supermercado”, “estamos perante mais uma grande superfície”.

 

Sobre este ponto, João Ferreira acrescenta ainda que “o impacto no comércio local não foi acautelado”, o que testemunha “uma total ausência de planeamento para um eixo estruturante da cidade como é a Almirante Reis”. O vereador acusa o executivo de Fernando Medina de ter “uma visão que deixa nas mãos do promotor o desenvolvimento da cidade”, lembrando que mais acima foi aprovado o projecto para o quarteirão da Portugália que prevê 25% de uso turístico. “Uma via estruturante da cidade é o que o mercado quer que seja”, critica. “Temos mesmo de pensar no que queremos para ali.”

 

O BE foi mais longe ao afirmar em comunicado, assinado pela candidata autárquica Beatriz Gomes Dias, que “as obras no local iniciaram-se antes de o projecto ser aprovado” e que “vai questionar formalmente Fernando Medina sobre a legalidade deste início de obras”. Questionada pelo PÚBLICO, a Sonae MC diz que “ainda não iniciou as obras na Garagem Liz” e que estas “terão início após licenciamento”. Ainda só foi aprovado o projecto de arquitectura, faltando a autarquia pronunciar-se sobre os projectos de especialidades antes de emitir o alvará de construção.

 

Já a câmara informou que “a fiscalização deslocou-se hoje [sexta-feira] ao local e foi possível visualizar a existência de trabalhos de limpeza e zonas desactivadas”. Contudo, “não se encontrava ninguém no local”, pelo que o município decidiu “notificar o proprietário para aceder ao imóvel e aferir devidamente a natureza da intervenção e adoptar medidas”, “por forma a garantir que não está em causa a destruição de valores patrimoniais eventualmente existentes”.

 

No mesmo comunicado, o BE diz também – erradamente – que este é um dos processos urbanísticos que está a ser investigado pelo Ministério Público e que levou inspectores da Polícia Judiciária a fazer buscas na autarquia esta terça-feira. Mas o “edifício Continente” referido pela câmara no comunicado que lançou sobre essas buscas é outro, fica no Lumiar. Fonte bloquista justifica que se baseou numa notícia do Expresso.

 

Beatriz Dias acusa Fernando Medina de ter “uma política urbanística de mãos dadas com os grandes negócios” e de ter aprovado o projecto “à medida do grande investidor”, referindo que tanto a Direcção-Geral do Património Cultural como o departamento de Mobilidade da câmara emitiram pareceres com condicionantes antes de o supermercado ser aprovado. “O Bloco mantém que esta obra não deve continuar e o património deve ser preservado”, diz o comunicado, que também “exige a máxima transparência” sobre o assunto.

 

O Fórum Cidadania Lx, por sua vez, lamentou em carta endereçada a Medina que a câmara não tenha exercido o direito de preferência para adquirir a garagem e reabilitá-la para “oferecê-la à população como estacionamento para residentes e comerciantes”. O movimento cívico diz-se preocupado com a intervenção prevista no imóvel. “É preciso que todos tenhamos a consciência [de] que não é apenas a fachada que está classificada mas sim o edifício como um todo, por ser um testemunho notável de um momento histórico particular, com a sua cuidada proposta estética e técnica plasmada num novo sistema construtivo que se celebrava com orgulho.”

 

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