ENTREVISTA A
CARLOS MOEDAS
Carlos Moedas: “A responsabilidade máxima em qualquer
caso de suspeita é do presidente da câmara”
Carlos Moedas tem propostas concretas para um novo modelo
de gestão da Câmara de Lisboa, a que se candidata. “Quero lançar uma assembleia
de cidadãos permanente”, afirma. O objectivo é abrir o diálogo com os
lisboetas.
São José Almeida,
Sofia Rodrigues e João Pedro Pincha
24 de Abril de
2021, 6:00
https://www.publico.pt/2021/04/24/politica/noticia/responsabilidade-maxima-presidente-camara-1959779
Aos 50 anos, o
antigo secretário de Estado adjunto de Pedro Passos Coelho e ex-comissário
europeu da Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, candidata-se a
presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML). O modelo de cidade que propõe é
o de proximidade, em que os lisboetas participem e em que haja multivalências
de espaços. Quanto às políticas de habitação, quer que os grupos sociais
estejam fragmentados. Para recuperar a malha urbana da capital, defende modelos
de renda acessível em que o imobiliário “devoluto” da Câmara de Lisboa seja
colocado no mercado para aumentar a oferta e fazer face às rendas
inflacionadas.
Se vier a ser
presidente da câmara, admite fazer alianças com eleitos do Chega para fazer
passar orçamentos e outras medidas?
Se for eleito, farei
o que é tradição da Câmara de Lisboa. Sempre que tenha uma proposta,
apresentá-la-ei aos vereadores da oposição, desde o PCP ao Chega, e procurarei
encontrar consensos com eles. Penso que a liderança do Chega não se revê no meu
tipo de governação. Mas o que farei é trabalhar com todos aqueles que me
quiserem apoiar em determinadas propostas. É isso que tem sido feito desde
homens como Nuno Krus Abecasis, que consultavam sempre todos os vereadores.
Não teme ser
considerado demagógico e populista por ter como director de campanha um médico
de saúde pública que faz comentários nas televisões em época de pandemia?
Porque não escolheu um fadista?
É interessante
que diga isso, porque as duas prioridades que tenho é a ciência, que Ricardo
Mexia representa muito bem como médico e cientista, e também a cultura. Sou um
homem da ciência, é natural que me rodeie de pessoas da ciência. Poderia ter
sido um fadista, neste caso foi um homem da ciência, que conheci, gostei do
trabalho dele, que está implicado não só na ciência, mas também na política. E
é um grande gestor de equipas e, portanto, é um grande director de campanha.
Teremos também um mandatário que será de outro sector. Porque não da cultura?
Ou uma mandatária.
Consigo na
câmara, Madonna teria vindo para Lisboa?
Acho interessante
trazer pessoas como Madonna, pessoas que transmitem a imagem de Lisboa.
Portanto, Madonna é bem-vinda como outras pessoas da arte, da ciência, da
tecnologia. É nisso que temos de nos concentrar, trazer essas pessoas, mas
depois ter também as nossas Madonnas, os nossos artistas que se revelam lá
fora.
Tenho um projecto que é voltar a ter um teatro em cada
freguesia. E esse teatro que também pode ser uma sala de ensaio, que pode ser
uma sala em que uma banda jovem pode começar a fazer música, tudo isso hoje não
existe em Lisboa
Carlos Moedas
Reagiu às
investigações na CML citando o comentário de Fernando Medina à pronúncia de
José Sócrates. Não é exagero da sua parte essa comparação?
O que é um
exagero é ter um presidente da câmara em exercício que é comentador televisivo.
É um exagero para o qual todos devemos olhar e todos devemos pensar se é
normal. Aquilo que disse foi aquilo que as pessoas pensam. É que esta maneira
de fazer política e estas suspeições são más para a democracia. Termos esta
suspeição numa câmara da dimensão de Lisboa, sobre o Urbanismo de Lisboa, é
péssimo para a democracia. Portanto, isso tem de ser esclarecido rapidamente.
Se fosse
presidente da câmara, teria como colaborador o arquitecto Manuel Salgado?
Não vou falar de
um caso concreto. O que lhe digo é que, como presidente da câmara, nunca terei
a trabalhar em linha directa comigo um vereador que esteja sob suspeita de
qualquer tipo de caso. Não estou a falar de suspeita de não pagar uma multa ou
de fazer um erro que qualquer cidadão pode fazer, mas sob suspeita de um crime,
ter alguém na minha equipa directa, não teria. A responsabilidade máxima é
sempre do presidente da câmara, seja o urbanismo, seja o ambiente ou as
estradas ou o que for, a responsabilidade máxima em qualquer caso de suspeita é
do presidente da câmara. Portanto, Fernando Medina tem essa responsabilidade.
O urbanismo
autárquico é apontado como um terreno fértil na corrupção. Como é que pretende
combater esse fenómeno?
Com mais
transparência e com a participação das pessoas. Neste aspecto, há um ponto importantíssimo
para mim. O que vejo, neste momento, é um urbanismo que é contra as pessoas e
não é feito com as pessoas. Uma das coisas que quero lançar é uma assembleia de
cidadãos permanente. Ter a participação dos cidadãos. A maior crítica que ouço
em Lisboa é que as pessoas não participam. Temos de ter a participação das
pessoas e temos de ter a transparência, e essa transparência é importantíssima
para qualquer processo. Quando as pessoas não se sentem incluídas, isso é
terrível para a própria gestão da câmara. Portanto, vou lançar esta ideia de
uma assembleia de cidadãos, que não é original, vê-se já noutras cidades – em
França isso foi feito a nível nacional. Mas diria que no futuro da democracia
vamos ter de deixar de ter os políticos apenas como intermediários, mas também
como co-criadores das políticas com as pessoas – e aí a transparência aumenta,
de facto.
Nos mecanismos de
diálogo com a população da cidade, pensa introduzir referendos municipais para
aprovar decisões ou medidas?
A minha visão é
mais à frente do referendo ou da escolha. É a co-criação, ver como é que
fazemos com as pessoas para criar uma determinada política. Isto que estou a
dizer não é referendo, é a construção de uma ideia. O cidadão comum, se quer
ter uma palavra a dizer, vai ter de dar o seu tempo, vai ter de estar numa
assembleia em que vai ter de construir essas políticas. Sou a favor de ter
também referendos, mas não é essa a ideia-base de uma assembleia de cidadãos. É
um pouco o que Macron fez em França a nível nacional e que se está a passar em
Madrid.
Como vai fazer
regressar malha urbana a Lisboa?
Lisboa perdeu 50
mil pessoas nos últimos dez anos, perdeu uma parte da população porque as
pessoas já não conseguem viver com as rendas actuais. E ao mesmo tempo temos
uma quantidade enorme de imóveis devolutos da câmara municipal que não estão a
ser utilizados. Tenho andado a ver onde estão esses imóveis devolutos e como é
que podemos utilizá-los hoje. O problema é que, ao não haver oferta, os preços
sobem. Fernando Medina tinha prometido seis mil fogos de renda acessível, e não
aconteceu. Temos de fazer com que haja mais oferta e que esses fogos de renda
acessível possam existir.
Uma das coisas
que quero lançar é uma assembleia de cidadãos permanente
Como pensa
fazê-lo?
Utilizando mais a
estratégia destes fogos devolutos dos quais a câmara nunca deu sequer uma lista
ou um mapeamento, mas que todos sabemos que são muitos, muitos milhares de
metros quadrados que podem ser utilizados, trabalhados para trazer para Lisboa
a classe média de jovens casais, que é importantíssima para a malha da cidade.
Vi isso em cidades como Paris, como Londres, em que de repente em certas partes
da cidade só vivem ou pessoas muito, muito ricas ou pessoas que herdaram dos
pais ou então estrangeiros milionários que podem comprar a qualquer preço.
Isso conjuga-se
com o conceito que tem defendido da cidade dos 15 minutos, mas em Lisboa, como
no país, houve um grande investimento das pessoas na aquisição de habitação e
isso só se fará com flexibilidade no arrendamento. Como é que pensa contornar
este problema?
Tem duas partes
na cidade dos 15 minutos. Tem uma parte que não tem que ver com o residencial,
mas com os espaços. Essa parte é dizer que Lisboa vai ter de ter espaços
urbanísticos mais flexíveis. Ou seja, posso ser uma escola durante o dia e um
teatro à noite ou uma sala de ensaio. Tenho, aliás, um projecto que é voltar a
ter um teatro em cada freguesia. E esse teatro que também pode ser uma sala de
ensaio, que pode ser uma sala em que uma banda jovem pode começar a fazer
música, tudo isso hoje não existe em Lisboa. Depois tem a parte residencial,
nesta temos de conseguir que nas zonas que, sobretudo, hoje têm esses prédios
devolutos tenham mais oferta. E depois, obviamente, temos de ter rendas
acessíveis. Isso pode ser feito utilizando os privados, utilizando os imóveis
públicos. E quando sairmos da pandemia, há muitos escritórios que já não vão
ser utilizados, então temos de ter um urbanismo mais transparente, mais
inclusivo, mas também que tenha usos multifacetados.
A câmara tem
actualmente um modelo de renda acessível que envolve os privados. Concorda com
o modelo?
O que está a
acontecer é que este modelo não está a funcionar, há um problema de execução,
os tais seis mil fogos prometidos não foram realizados. A renda acessível não
podem ser torres de 12 andares só com renda acessível. Aquilo que defendo é uma
maior fragmentação, para que a cidade tenha a malha mais equilibrada. Senão
temos todas as pessoas de renda acessível numas torres, depois as pessoas em
situação de sem abrigo todas no mesmo sítio. E as cidades que fizeram isso
falharam redondamente. Em cidades como Copenhaga ou Oslo, aquilo que se faz é
ter as pessoas sem abrigo em casas com 15 ou 20 pessoas, não estão 150 ou 200.
Tudo isto mostra que temos uma gestão camarária muito de cima para baixo.
Após a pandemia,
o turismo não voltará a atingir a dimensão que teve. Qual deve ser a aposta da
cidade?
Pelas funções que
tive, reconheci sempre e vejo o grande valor do turismo, não só em Lisboa, mas
na Europa. O turismo é uma das maiores indústrias, mas não pode ser a única.
Aquilo que dá a vida a uma cidade, aliás, para ter turismo, é um desígnio que
tem que ver com a ciência e com a cultura. As cidades que apostaram nestas duas
áreas têm também um óptimo turismo. O turismo é essencial, é uma condição
necessária, mas não é suficiente. E o que vimos é que, de repente, vem a
pandemia e, como só dependíamos de um sector, ficámos sem nada. Onde estava a
nossa capacidade de ter em Lisboa o conhecimento, para imediatamente se
conseguir avançar nas vacinas, nesta área científica? Não o conseguimos porque
não tínhamos essa capacidade. Outras cidades tiveram.
“Fiz uma escolha
difícil, mas consciente”
Ex-comissário
europeu assume que a candidatura a Lisboa é a “missão” da sua vida e garante:
“Não estou aqui como número dois de ninguém.”
Tem dito que o
seu projecto político é apenas a Câmara de Lisboa, que será vereador, mesmo que
não ganhe. Por que razão é que está a cortar as asas ao seu próprio futuro?
Não há asas
nenhumas a cortar. Eu sempre fui uma pessoa de missões e esta é a missão da
minha vida. Sinto que as cidades hoje são a missão mais interessante para o
futuro. As cidades estão a tornar-se nos grandes centros de mudança mais do que
os países. Esta ambição de pensar o que foi o meu passado, da ciência e da
tecnologia, e como é que eu posso fazer uma transformação numa cidade que
adoro.
Insisto: uma pessoa
com a sua idade acha que o que tem de dar à política, por muito nobre que seja
essa missão, é ser presidente da câmara? Mais 12 anos e depois?
Já não sou tão
novo quanto isso. A minha vida profissional já não tem a mesma distância de
quando eu tinha 40. Fiz uma escolha difícil, mas consciente. Nos próximos dez
anos da minha vida quero dar tudo aquilo que aprendi, o que vivi à minha
cidade. É isso que quero fazer.
Por agora.
Agora e naquilo
que é este projecto.
Nasceu para a
política com Passos Coelho, mas tornou-se uma das principais apostas de Rui
Rio. Acha que Rio soube preservar o legado de Passos?
Não estou aqui
como número dois de ninguém. A visão de Pedro Passos Coelho sobre a política é
muito diferente da de Rui Rio, mas o partido é o mesmo. É um partido em que
sempre me senti em casa, nos seus princípios basilares, da liberdade, do
humanismo. Um partido que trata o público e o privado da mesma maneira, que
trata as pessoas por igual, que na minha terra, no Alentejo, é dos pequenos
comerciantes e das pessoas que lutam. Sou candidato a Lisboa e não tenho
comentários a fazer sobre as diferenças entre eles.
Passos Coelho
ainda pode voltar a ser líder do partido ou o PSD deve voltar-se para uma
geração mais nova?
Isso tem de
perguntar ao dr. Pedro Passos Coelho, quais são as intenções dele no futuro. É
um amigo, é um homem que eu por quem tenho uma admiração profunda, tem sempre
um lugar na política na sociedade, onde ele achar e quiser. E depois também há
uma geração nova, com gente boa.
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