EDITORIAL
O outro “abanão” de António Costa
Depois do “abanão” com o alerta para o avanço da
pandemia, o Governo decidiu no mesmo dia dar outro “abanão” ao discurso
“Estado-cêntrico” do Bloco e do PCP e reequilibrou, mesmo que ao de leve, as
suas prioridades
MANUEL CARVALHO
15 de Outubro de
2020, 22:46
https://www.publico.pt/2020/10/15/economia/editorial/abanao-antonio-costa-1935432
Há menos de três
semanas, escrevemos em editorial, a propósito dos primeiros planos para aplicar
os 12,9 mil milhões de euros de subvenções europeias, que as prioridades do
Governo estavam erradas. Porque mobilizavam o essencial do investimento para o
Estado e a Administração Pública, quando o maior problema do país “não é a
qualidade do Estado ou dos seus serviços”, mas “a persistência de uma economia
frágil e, em muitas áreas, anacrónica”. E sublinhávamos o erro dessa intenção
dizendo que “um Estado de primeira com uma economia de terceira será sempre uma
receita ideal para a persistência da pobreza, para o défice e a dívida e, em
última instância, para a nossa dependência externa”.
Na versão deste
capítulo do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que o Governo apresentou
esta quarta-feira em Lisboa e levou no dia seguinte a Bruxelas, boa parte
destes receios dissipou-se. O primeiro-ministro deu conta de “evoluções que
fizemos tendo em conta algumas críticas, designadamente a necessidade de haver
um reforço do investimento na área empresarial”. Não se sabe se esse reforço
passa apenas pela crença de que basta haver investimento público para as
empresas executarem ou se implica também apoios reais à transformação digital
ou à descarbonização, de acordo com as regras europeias. Sabe-se, sim, que
houve uma mudança no discurso. Ao ponto de António Costa ter admitido que o Governo
considera a possibilidade de recorrer aos empréstimos europeus, que tinha
recusado, para investir 1250 milhões de euros na capitalização de empresas e no
Banco de Fomento.
A área da
economia, afastada das prioridades políticas por um Governo forçado a negociar
temas de uma esquerda que não esconde a sua aversão à iniciativa privada, não
pode ficar apenas circunscrita às moratórias ou aos créditos fiscais ou aos
layoffs. O PRR é uma oportunidade única para que o país aproveite o seu
potencial de recursos humanos e encontre alternativas aos sectores que
sobrevivem à custa da precariedade e dos salários baixos. Juntamente com apoios
à transição para uma economia moderna e sustentável, é indispensável que o
Governo seja capaz de equilibrar as apologias do Estado e dos apoios sociais
com uma preocupação profunda com a criação de riqueza capaz de sustentar as
políticas públicas e a protecção social.
Depois do
“abanão” com o alerta para o avanço da pandemia, o Governo decidiu no mesmo dia
dar outro “abanão” ao discurso “Estado-cêntrico” do Bloco e do PCP e
reequilibrou, mesmo que ao de leve, as suas prioridades. Não fez o suficiente
para colocar o crónico problema do “atraso português” no lugar onde merece,
mas, ao menos, arrepiou caminho.

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