OPINIÃO
Florestas: entre os milhões e o desastre
Venham as centenas de milhões de euros, mas actue-se
sobre os instrumentos e as medidas de política, para assegurar que não se
alimenta mais um ciclo de desastre. Para tal, existem propostas várias.
Paulo Pimenta de
Castro
14 de Outubro de
2020, 0:30
https://www.publico.pt/2020/10/14/opiniao/opiniao/florestas-milhoes-desastre-1934840
Nesta semana,
assinala-se o terceiro ano sobre os grandes incêndios de Outubro de 2017.
A par do que
ocorreu nos demais incêndios desse ano, bem como nos do presente quinquénio,
pouco ou nada foi feito para que em dimensão similar tais catástrofes não se
voltem a repetir. A referência à não mudança não respeita a deitar dinheiro
sobre o problema ou a propagandear pseudo-alterações nos comportamentos. A
referência respeita sim a alterações na orgânica do Estado, em instrumentos de
política, e no ordenamento do território, em medidas de política ajustadas às
efectivas capacidades atribuídas a tais instrumentos. Isto, tendo presentes o
combate ao êxodo rural, às alterações climáticas, à perda de coberto arbóreo e
da biodiversidade. A aposta política, de curta visão, tem sido em
projectos-piloto e em “inovação” ministerial: agora a aposta já não é na
“grande reforma das florestas”, agora é na alteração da paisagem. Semântica,
para alegrar os tolos!
Neste último
quinquénio (2016-2020), embora ainda com dados provisórios referentes a 2020,
arderam cerca de 850 mil hectares em território nacional. Sendo um facto que no
quinquénio de 2001-2005 se ultrapassaram os um milhão e cem mil hectares,
também é um facto que é no actual quinquénio que a área arborizada ardida
ultrapassou a área de matos queimados. Desde que há registos, nunca tal tinha
acontecido. Ou seja, sempre a área ardida em matos foi superior à área ardida
em florestas e plantações arbóreas. Assim foi nos quinquénios de 1996-2000,
2001-2005, 2006-2010 e 2011-2015, respectivamente, com áreas ardidas em matos
superiores em 256 mil, 105 mil, 177 mil e 161 mil hectares. No quinquénio
actual a área arborizada ardida registou um diferencial de cerca de 155 mil
hectares superior à de outra ocupação.
O facto é
preocupante! Sobretudo, pelo impacto que tem na perda continuada de áreas de
floresta autóctone, no agravamento do abandono de plantações e na proliferação
pelo território de espécies exóticas e invasores. Para além de potenciar
futuros incêndios, potencia uma contínua perda de solos, de capacidade de
armazenamento de água, de biodiversidade, mas também de postos de trabalho e de
riqueza, em especial junto das populações rurais.
Passados três
anos anunciam-se mais centenas de milhões de euros para o sector
silvo-industrial e para as florestas. Mas, tal permite algum sossego? Não, pelo
contrário, pode assegurar-nos a continuação do desastre. Só na última década,
entre 2011 e 2020, têm sido múltiplos os anúncios de centenas de milhões para
esta área. Desde os 540 milhões do tempo da ex-ministra Assunção Cristas,
anunciadas pelo então secretário de Estado, até aos 700 milhões do ex-ministro
Capoulas Santos. Temos agora, em 2020, mais um anúncio de centenas de milhões
de euros, desta vez protagonizado por membro do actual Governo.
Nunca houve tanto
dinheiro disponível para o sector silvo-industrial nacional, sejam em subsídios
directos, seja em benefícios fiscais. Nunca houve tanta destruição de florestas
e tanto abandono de plantações lenhosas. Ou seja, nunca o esforço dos
contribuintes, nacionais e europeus, alimentou tanta destruição e património
natural em Portugal como nos últimos cinco quinquénios.
Vamos continuar
nesta senda? Obviamente, tudo depende das escolhas que se fazem. Há sempre alternativa.
Também é certo que as escolhas são influenciadas e mexem com interesses
instalados. Não é novidade! A questão actual é saber que interesses irão
prevalecer, se os de quem financia o “sistema”, se dos que dele se aproveitam
para benefício próprio.
Venham as
centenas de milhões de euros, mas actue-se sobre os instrumentos e as medidas
de política, para assegurar que não se alimenta mais um ciclo de desastre. Para
tal, existem propostas várias. Propostas de intervenção na orgânica do Estado,
propostas (internacionais) de privilegiar sistemas culturais mais resilientes
às alterações climáticas, mas que, sobretudo, quebrem o ciclo de destruição da
biodiversidade. Dependemos dela para a nossa sobrevivência.
Engenheiro silvicultor

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