segunda-feira, 10 de maio de 2021

Tribunal condena inspectores do SEF a sete e nove anos de prisão mas deixa cair homicídio

 


Tribunal condena inspectores do SEF a sete e nove anos de prisão mas deixa cair homicídio

 

Três inspectores do SEF foram a julgamento acusados de homicídio qualificado de Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020. Em tribunal, o Ministério Público pedira condenação por crimes menos graves: ofensas à integridade física qualificada com resultado morte.

 

Joana Gorjão Henriques

10 de Maio de 2021, 15:19

https://www.publico.pt/2021/05/10/sociedade/noticia/tribunal-condena-inspectores-sef-sete-nove-anos-prisao-1961878?fbclid=IwAR2u3IJa2bEG7HcnmPh1BYSstEGlmMWSWylAC_NLkKmuwyFjBEUGK8t4mFw

 

O Tribunal Criminal de Lisboa condenou os três inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteira (SEF) a nove anos e sete anos pelo crime, em co-autoria, de ofensa a integridade física grave qualificada, agravada pelo resultado, pela morte do ucraniano Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020. O juiz mandou ainda extrair certidão para investigação de seguranças, inspectores, chefes e coordenadorees que nada fizeram para o auxiliar.

 

Duarte Laja e Luís Silva foram condenados a nove anos por terem mais anos de serviço e Bruno Sousa a sete anos. Fora ilibados do crime de posse de arma ilegal porque, apesar de as armas que transportaram serem pessoais, o SEF permite que os funcionários as usem.

 

O juiz considerou que os arguidos Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa provocaram lesões traumáticas que, juntamente com a posição em que o deixaram algemado atrás das costas, conduziu a asfixia mecânica, provocando-lhe a morte, tal como vinha descrito na acusação. Sabiam, pela formação que tiveram, que o modo como colocaram as algemas iria causar dores físicas, psicológicas e dificuldades respiratórias e fizeram-no com o propósito de o sujeitar àquele tratamento desumano, acusou o juiz. Mas não ficou provado, segundo Rui Coelho, que tinham conhecimento que isso iria causar a morte por isso deixou cair a acusação de homicídio.

 

 

 No final da leitura da sentença, dirigindo-se aos arguidos, o juiz afirmou: “Os senhores ao agirem como agiram tiraram a vida a uma pessoa e arruinaram as vossas”.  Os arguidos vão continuar a aguardar em prisão domiciliária até que a decisão transite em julgado. 

 

Duarte Laja, Luís Silva e Bruno Sousa foram a tribunal acusados de homicídio qualificado de Ihor Homenyuk a 12 de Março de 2020, mas a procuradora do Ministério Público que acompanhou o julgamento, Leonor Machado, pediu a condenação por ofensas à integridade física grave qualificada por considerar que não se tinha provado a intenção de os inspectores matarem o cidadão ucraniano que fora barrado de entrar em Portugal a 10 de Março, ficando detido no centro de instalação temporária do aeroporto de Lisboa.

 

Nessa altura, a procuradora deixou a intenção de extrair certidões contra outros intervenientes, nomeadamente chefias, antes da leitura da sentença.

 

A 7 de Abril, antecipando a decisão, o presidente do colectivo de juízes já referira que iria ponderar a hipótese de condenar os inspectores por crimes menos graves.

 

Esta foi a 13.ª sessão do julgamento. Ao longo de 11 sessões, que começaram no início de Fevereiro, foram ouvidas dezenas de testemunhas — inspectores, chefes, coordenadores, seguranças, médicos, enfermeiros e outros profissionais.

 

No despacho de acusação de 30 de Setembro, embora critique outros inspectores e os seguranças, o procurador Óscar Ferreira não acusou mais ninguém, algo que a investigação da Polícia Judiciária já apontava, ilibando os seguranças ou qualquer outro interveniente. Aquele procurador mandou extrair certidão com inquérito para averiguar a prática de outros crimes, nomeadamente falsificação de documento e a responsabilidade de mais intervenientes — agora, com o fim do julgamento, deverão ser deduzidas novas acusações.

 

Em tribunal, o MP tinha proposto uma pena não inferior a 13 anos para Luís Silva e Duarte Laja, e de mínimo de oito anos para Bruno Sousa, por considerar que este tinha menos experiência e poderia ter sido influenciado pelos outros.

 

Os magistrados consideraram que, embora os factos imputados na acusação sustentem o crime de ofensas à integridade grave, a qualificação jurídica poderia ser alterada. A grande diferença entre os dois crimes está naquilo que o tribunal entendeu ser a intenção dos arguidos relativamente à morte de Ihor Homenyuk.

 

No despacho de acusação de 30 de Setembro, o procurador Óscar Ferreira considerou que houve dolo. Acusou os inspectores de agredirem Ihor Homenyuk provocando-lhe lesões em zonas mortais e de o deixarem algemado numa posição que podia resultar na morte — refere que os inspectores sabiam-no e que se “conformaram” com esse facto.

 

O juiz e a procuradora entenderam que os arguidos não tiveram intenção directa de matar Ihor Homenyuk. Rui Coelho referiu, aliás, que se fosse essa a intenção o teriam feuro no imediato mas que ninguém os mandou ao CIT para matar Ihor.

 

Criticou os que intervieram com Ihor como os seguranças Paulo Marcelo e Manuel Correia que o amarram como um saco, seguranças que nada fizeram para auxiliar Ihor apesar do estado em que se encontrava como Ana Lobo e Cátia Branco; chefias que, sabendo que havia um passageiro algemado e tendo até presenciado a intervenção dos inspectores como o chefe João Agostinho  e o próprio director de Fronteiras de Lisboa, António Sérgio Henriques, entretanto demitido.

 

Inspectores sempre negaram

 

Os três inspectores negaram a acusação de homicídio qualificado e afirmaram que nem sequer agrediram Ihor Homenyuk. Os seus advogados defenderam que estes inspectores estiveram apenas 30 minutos com Ihor quando foram vários os profissionais que com ele se cruzaram.

 

A estratégia de defesa passou por implicar seguranças e outros inspectores — a de Luís Silva argumentou mesmo que deveriam ser constituídos arguidos dois seguranças e dois inspectores — mas também por alegar que foi a ausência de assistência médica e as condições de detenção do SEF que levaram Ihor à morte. Ao tribunal, os seguranças contaram uma versão diferente da que relataram à investigação e foram processados pelos advogados dos três arguidos, por falso testemunho.

 

A defesa de Luís Silva e de Bruno Sousa queria uma nova perícia à autópsia, e queria também chamar a depor outros peritos em Medicina Legal, que defendiam falhas no trabalho do médico Carlos Durão, mas o juiz indeferiu o pedido, alegando que não era necessário. O corpo de Ihor foi entretanto cremado e as cinzas enviadas para a Ucrânia.

 

Óscar Ferreira mencionou um enfermeiro (que assistiu Ihor por volta da 1h30 de dia 12 de Março) que sugeriu aos inspectores do SEF que o transportassem ao hospital, depois de administrar um calmante, recomendação que não foi seguida — Ihor já tinha estado no Hospital de Santa Maria na noite de dia 11. E acusa: sem que tivessem “autorização e competência para tal”, dois vigilantes “algemaram-no com fita adesiva à volta dos tornozelos e dos braços”.

 

Há mais críticas a outros inspectores do SEF que não os arguidos e que, durante a madrugada, pelas 4h41, viram Ihor imobilizado, tendo substituído as algemas de fita-cola por lençóis, “agravando dessa forma o seu suposto estado de ansiedade, o que constitui procedimento anómalo, dado que os passageiros com ordem de retorno não podem nem devem ser privados da liberdade, como era o caso”.

 

Para o procurador Óscar Ferreira, não houve dúvidas de que os arguidos chegaram à sala onde estava Ihor pelas 8h15 e um deles disse para a segurança: “Atenção, você não vá colocar aí os nossos nomes, OK?”. Depois de o algemarem com as mãos atrás das costas e de lhe amarrarem os cotovelos com ligaduras, desferiram-lhe socos e pontapés. Já com Ihor prostrado no chão, continuaram a dar-lhe pontapés e pancadas no tronco, “enquanto aos gritos, lhe exigiam que permanecesse quieto”. Vinte minutos depois, abandonaram o local e disseram: “Agora ele está sossegado.” Um deles afirmou: “Isto, hoje, já nem preciso de ir ao ginásio...”

 

Concluiu que os inspectores deixaram o ofendido num “estado de grande prostração e algemado”, e não teve dúvidas, com base no relatório de autópsia, de que “as fracturas dos arcos costais associadas às demais lesões contundentes foram provocadas pela aplicação de um peso tal nas costas” de Ihor “[que obrigou] o tórax a esmagar-se contra o solo”. E acrescenta: “Os pontapés e pancadas provocaram a fractura dos arcos costais, potenciados pela imobilização do ofendido, com os braços manietados nas costas, em posição de decúbito ventral, causaram a violenta constrição do tórax, promovendo a asfixia mecânica que foi causa directa e necessária da morte.”

 

Os inspectores, sublinhou o MP na acusação de Setembro e reiterou a procuradora que acompanha o julgamento, sabiam, pela formação profissional que lhes é ministrada, que manietar alguém “com os braços atrás das costas e deitado” pode provocar “dificuldades respiratórias” e “que, por essa razão, poderiam causar-lhe a morte”. Agiram em “comunhão de esforços e intentos”, sujeitando-o “a um tratamento desumano e violando gravemente os deveres inerentes às suas funções”, conclui o MP na altura.

 

Já a Inspecção-Geral da Administração Interna (IGAI), num relatório sobre o sucedido, sugeriu a instauração de 12 processos disciplinares a inspectores do SEF.

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