sábado, 8 de maio de 2021

A pandemia “expôs fragilidades” das cidades que já não podem ser ignoradas

 



A pandemia “expôs fragilidades” das cidades que já não podem ser ignoradas

 

Em entrevista ao PÚBLICO, o geógrafo e especialista em políticas urbanas João Ferrão explica que a pandemia tornou mais evidentes as desigualdades entre a cidade planeada e a cidade inorgânica, onde vive a população socialmente mais frágil. E acredita que, ultrapassada a crise, a nova agenda das cidades terá de responder a esses problemas.

 

Abel Coentrão

18 de Abril de 2021, 21:54

https://www.publico.pt/2021/04/18/local/noticia/pandemia-expos-fragilidades-cidades-ja-nao-podem-ignoradas-1959045?fbclid=IwAR0dfeHFX1vB0POlB8AGwAgdoCHPCSbmV5Th_iluk4bAy2ngfCXg2YX12cw

 

João Ferrão surpreendeu-se com o "atrevimento" com qyue a natureza entrou na cidade, durante a pandemia

Geógrafo, investigador aposentado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, João Ferrão admite ter sido surpreendido pela forma como um vírus suspendeu o funcionamento das cidades. Passado um ano de uma crise que ainda não terminou, o antigo secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades acredita que as fragilidades que a pandemia tornou mais evidentes já não podem ser ignoradas pelos decisores. E acredita que os municípios serão capazes de levar por diante uma nova agenda que dê resposta à crise climática e a alguns dos problemas que a covid-19 exacerbou.

 

A actual pandemia expôs inúmeras fragilidades da nossa organização enquanto sociedade. Como geógrafo, pergunto-lhe o que mais o surpreendeu na forma como a covid-19 afectou as nossas cidades.

O mais extraordinário foi ver como, sobretudo no início, a pandemia suspendeu o funcionamento das cidades. Era uma coisa impensável. Aliás, circularam muitas fotografias com as ruas vazias, e foi quase como se tivéssemos um momento de laboratório, em que disséssemos: vamos agarrar nesta cidade e vamos suspendê-la, para ver o que é que acontece. Vamos ver como ela é vazia e parada. Isto é extraordinário, para o mal e para o bem. Os laboratórios servem para nós percebermos melhor as coisas.

 

E o que é que percebemos?

Desde logo vimos que o vírus suspendeu aquilo que tinha que ver com a actividade humana, mas não suspendeu a natureza, que continuou a funcionar. E isso foi muito curioso. Foi durante pouco tempo, mas vimos a natureza a começar a penetrar na cidade. Eu, nas minhas varandas [em Lisboa], tive pela primeira vez joaninhas, tive pombos a pôr ovos. Tornaram-se mais ousados. E já nem falo na qualidade do ar... A natureza continuou a trabalhar, e ficou a trabalhar até mais à vontade. É pena não termos relatos das outras espécies. O que terão pensado os polinizadores dessa fase de confinamento? Andavam felicíssimos. Mas os pássaros, uns andariam felizes, outros não. Sem as migalhas e tudo o que lhes dão, os pombos, cuja explosão está muito associada ao desenvolvimento urbano, deviam estar tristíssimos. Pelo contrário, os pássaros que viviam à volta da cidade devem ter descoberto aqui um espaço novo. Não sabemos, mas é interessante vestir a pele das outras espécies, e tentar perceber como terão elas lido uma realidade que também lhes deve ter sido surpreendente. Por outras razões.

 

Do ponto de vista humano, também tivemos uma dicotomia entre aqueles que estavam obrigados a ficar em casa, e aqueles que eram obrigados a sair, pelas funções que exerciam. Ficou à vista quais eram as funções essenciais para o funcionamento da cidade?

Apesar de tudo, acho que a pandemia trouxe à luz do dia uma outra tensão muito mais forte, o facto de termos pessoas que tinham condições para ficar em casa, e outras que não tinham condições nenhumas para ficar em casa. Nem estou a falar dos que não têm casa – dizer a um sem-abrigo para ficar em casa é paradoxal. Refiro-me às pessoas que vivem em habitações sobreocupadas, sem condições, sem nenhum espaço público mínimo à volta. Esta talvez tenha sido uma oposição muito clara que veio ao de cima e que do ponto de vista do planeamento é muito interessante. Ainda não foi estudado, mas parece claro que a pandemia opôs as áreas planeadas (quer as de classe média, média-alta, quer de classe mais popular, mas que tinham um mínimo de planeamento), às áreas sem qualquer planeamento. Nestas não há espaço público, as habitações são muito piores. A cidade inorgânica era, aqui, a parte mais frágil, pela forma como está organizada, e pelo tipo de pessoas que vivem nessas áreas.

 

Estamos a falar de uma exposição, magnificação, de fragilidades que já lá estavam. O vírus exacerbou essas debilidades?

Sim, é o efeito revelador da pandemia. No mar, uma maré extremamente vazia mostra-nos coisas que estavam lá e não são visíveis. Mas que não são invisíveis para quem faça mergulho. As pessoas que estudam estas coisas conhecem-nas, mas a pandemia veio torná-las evidentes para todos. Essas situações deixaram de poder ser ignoradas.

 

Passado um ano, parece-lhe que foi prestada, por parte de quem gere o território, uma maior atenção a esses espaços, e a essas debilidades? Ou ficamos apenas a olhar para elas?

Não podemos generalizar. O que me parece é que surgiram, um pouco por todo o lado, aquilo a que chamamos soluções de urbanismo táctico. Por pressão das pessoas, dos comerciantes, todos os autarcas perceberam que era preciso criar uma espécie de limiar mínimo de espaço público que pudesse funcionar num contexto de fortes restrições. E isso passava pelas esplanadas, pelos passeios um pouco mais largos, pela intensificação da abertura de ciclovias, por intervenções em espaços verdes que já existiam. Essa foi a resposta possível, imediata. Mas os problemas estruturais exigem soluções estruturais. E essas demoram tempo, são lentas e muito complexas. É fácil imaginar a distância, do ponto de vista da possibilidade de concretização, entre fazer intervenções de urbanismo táctico nas áreas para classe média, que são mais espaçosas, e têm passeios, etc., e entre intervenções nos bairros inorgânicos. Aí pode-se fazer alguma coisa, mas é muito difícil.

 

 

Nas últimas décadas a política pública dedicou grande atenção e investimento aos espaços centrais das cidades – os tais que agora se esvaziaram de turistas, e entraram também em crise. Com esta lupa ainda activa, a mostrar-nos esses problemas de que fala nas periferias, não seria tempo de mudar o centro da nossa atenção?

É verdade, mas isso levanta um problema complicado. Quando tudo é importante, nós temos que ser muito mais selectivos. Nós temos que ter uma visão de cidade, e é em função dessa visão que definimos prioridades. É claro que toda a gente percebe que, entre vários problemas, havia um importante, que era a desvitalização dos centros das cidades, e a degradação física em que estes espaços se encontravam. Estavam a morrer. E a reabilitação dos centros, e depois o turismo, apareceram como as grandes soluções para resolver um problema real. A solução criou novos problemas, mas aparentemente resolveu outros. Passou a haver mais vida, edifícios reabilitados. Essa menor pressão, sobretudo quando já víamos alguns efeitos positivos mas sem os excessos do turismo, permitiu também que do lado da academia, dos activistas, e das próprias autarquias, se colocasse mais no centro a pergunta: e as periferias, e os subúrbios? O que fazemos aí? Agora, com esta crise, a da pandemia, temos uma certa igualização dos problemas. Toda a cidade tem problemas. São é diferentes.

 

Duas das cidades-estrela da Europa, Paris e Barcelona, aceleraram um processo de transformação do espaço público em favor de uma ideia de proximidade, com os conceitos da Cidade de 15 minutos, e os super-quarteirões de Barcelona. Outras estão a seguir o exemplo. A valorização da proximidade é algo que veio para ficar?

Sim, mas...Cuidado com duas coisas: as dicotomias, e as pendulações. A história das cidades e do urbanismo sempre oscilou entre a lógica da proximidade e a lógica da circulação. E há períodos em que a aposta é numa ou na outra, como num pêndulo. Em Portugal, tardiamente, nos anos da década de 90 chegou a lógica da circulação, com os centros comerciais, os parques de escritórios e serviços junto aos nós, o abandono dos centros e dos bairros. Mas curiosamente, antes de começar a pandemia, as principais insígnias já estavam a desenvolver o comércio de bairro, nos mesmos lugares onde contribuíram, antes, para o colapso do pequeno comércio. Devemos aprender com estas dicotomias e oscilações. Com a pandemia, passámos a valorizar, outra vez, a questão da proximidade geográfica, mas a cidade dos 15 minutos tem que ser articulada com a cidade da circulação. Porque uma cidade não é um conjunto de aldeias. E seria um equívoco pensar que é. Porque não é nem pode ser. E o próprio conceito de cidade de circulação tem de ser repensado. Porque mais do que a circulação automóvel, hoje em dia ele conjuga explicitamente aquilo que a cidade moderna escondeu, e passou a incluir, para além do sistema cinzento, o sistema azul e o sistema verde. Todas as grandes entradas e saídas da cidade foram construídas em cima de linhas de água que, nalguns casos, estavam a ser recuperadas há dez ou vinte anos. Há um regresso da natureza que foi acelerado com a pandemia.

 

Uma oportunidade para as cidades médias

A pandemia pode de alguma forma ter feito algo para tornar mais atraentes nas nossas cidades médias, que sofrem menos de alguns dos problemas exacerbados pela covid-19?

Em França houve quem achasse que a pandemia permitiu a vingança das cidades médias face às metrópoles. E houve algumas que desencadearam campanhas publicitárias muito bem feitas, a tentar atrair franceses. O grupo de reflexão Fabrique de La Cité fez um trabalho sobre essa “fantasia” da fuga das metrópoles. Mas a verdade é que há uma oportunidade para as cidades médias, não apenas por ser mais barato lá viver mas pelo facto de que, hoje em dia, garantem, sob todos os pontos de vista, qualidade de vida que muitas vezes não existe na cidade metropolitana. As cidades não podem ser vistas como a smart city levada ao limite, com sensores por todo o lado, apenas centrada na acessibilidade digital, nem como uma visão romântica da aldeia – as aldeias tinham conflitos enormes, sobretudo por causa da água – nem como o lugar centrado na acessibilidade automóvel. Nós temos que fazer uma nova combinação destes factores, num horizonte estratégico diferente. Isso é que é novo, os elementos não são novos.

 

E acredita que vamos tirar ilações desta pandemia.

Eu sou optimista. Como académico, tenho de estudar isto. Do ponto de vista da administração, as autarquias hoje têm melhores técnicos que a administração central. Conhecem muito bem o que as outras fazem e aprendem umas com as outras. A capacidade de aprendizagem hoje é rapidíssima, e fora de Lisboa, Porto, ou Cascais, não é difícil encontrar um autarca e 13 técnicos que fazem parte de uma rede qualquer europeia e estão a pôr em prática iniciativas interessantes. Há dez anos, as hortas urbanas eram uma excepção. No início deste ciclo de fundos comunitários, quem é que falava de economia circular? Ninguém. E hoje toda a gente fala, porque há uma narrativa em torno dessa ideia e há um pacote de financiamento. A mesma coisa com as ciclovias, com as soluções de base natural, com a transição digital e verde. Eu acredito que, embora de forma muito diferenciada, há uma agenda nova que vai ser construída pós-pandemia. Não é nova nos ingredientes todos, mas na forma como combina e valoriza elementos que já estavam no terreno. Esta nova agenda é muito mais facilmente protagonizável a nível local do que a nível central, onde a máquina é mais pesada e sectorializada.

 

Uma vantagem é que algumas das ferramentas presentes nesta agenda também servem para mitigar os efeitos das alterações climáticas, uma outra crise que, este ano, desapareceu da agenda.

Na câmara de Lisboa fizemos um primeiro encontro [de urbanismo] dedicado às crises sistémicas. Vamos ter de fazer mais, até porque elas têm uma característica, a de serem hiper sistémicas, por estarem inter-relacionadas. Não era evidente para as pessoas a relação entre crise climática, crise pandémica e ciberataques. Mas elas estão claramente relacionadas entre si, com a primeira a criar condições para zoonoses, que nos podem trazer pandemias. E com esta tivemos uma explosão do mundo digital, que nos deixou muito mais expostos aos ciberataques.

 

Esta crise fragilizou algumas concepções sobre as nossas próprias capacidades?

O que esta pandemia fez foi abalar um certo conceito de modernidade que nos deslumbrou: uma modernidade tecnológica, de consumo, material. E se tudo isto é importante, não nego, não podemos deixar que nos cegue em relação a uma visão muito mais rica e exigente do planeta, das sociedades, e das economias. Este abanão foi muito forte. Dura há um ano, e ainda não parou. Como sempre, há quem sonhe com um voltar ao passado, mas essa é outra forma de romantismo. Há aspectos parcialmente reversíveis, mas nunca voltaremos totalmente ao que éramos antes. Como acontece em todos os choques, ao longo da história, os temas que eram marginais, passam a ser centrais. E este empurrão veio dar mais centralidade a essas iniciativas cidadãs, a esses novos valores, e à medida que eles são socializados, tornam-se fortes o suficiente para construir uma nova agenda, socialmente aceite. Porque também aprendemos, ao longo destes anos, e com a própria pandemia, que o remédio, em excesso, pode tornar-se um veneno. E vimos isso com o excesso de turismo, com o excesso de dependência externa, o excesso da confiança na tecnologia. Ser contra o turismo é um disparate. Ser pela autarcia, contra as relações com o exterior, é um disparate. Mas não é por acaso que se voltou a falar de soberania alimentar, por exemplo, e a fazer uma crítica ao excesso de dependência de cadeias globais. É certo que não estaríamos aqui se não fossem essas soluções ditas modernas, mas o caminho não pode continuar a ser o mesmo.

 

Os movimentos cívicos ganharam mais visibilidade

As prioridades são normalmente decididas a um nível político e técnico, com pouco envolvimento dos cidadãos. Pareceu-lhe ter mudado algo, neste ano, em que vimos alguns movimentos a exigir outra forma de fazer, de pensar a cidade?

Sim, por várias razões. Primeiro, como aconteceu com quase tudo, isto não apareceu do nada, já estava em movimento, e foram é muito aceleradas. Este choque externo, ao tornar mais evidente uma série de falhas e limitações, também tornou esses movimentos mais activos e eles ganharam visibilidade. Mas depois também há movimentos e activismos de tipo diferente. Desde aquilo a que eu chamaria os “NIMBY 2.0” [do inglês not in my back yard], que aceitam alternativas, desde que não seja no quintal deles, até o outro extremo das pessoas que acreditam que temos de mudar as sociedades e a economia, e para isso, nada melhor que começar por mudar o sítio onde vivemos.

 

Ainda há dias vimos um conjunto de origens geográficas e sectoriais muito diferentes terminar um processo de reflexão colectiva, de dois anos, um deles em pandemia, com a publicação de uma “Carta aberta pelo direito ao lugar”.

 

Acompanhei isso. Mas antes de lhe responder, queria voltar a outra questão. É verdade que académicos e activistas tornaram-se mais activos, ganharam maior visibilidade e, eventualmente, maior capacidade de influência. Mas também é verdade que esse activismo e essa intervenção não pode correr o risco de acentuar uma divergência entre esse tipo de pessoas e o cidadão comum, que não sabe nem tem de saber, por exemplo, o que é uma visão holística, ou pós-antropocêntrica de cidade. Não estou a dizer que temos de prescindir destas palavras, que têm um sentido, porque são conceitos importantes para quem tem a missão de pensar estas coisas, e tomar decisões. Mas temos aqui de novo a questão da tradução. Se, por um lado, temos políticas pensadas globalmente e que nós importamos acriticamente, por outro, neste caso, podemos ter duas camadas que não se contactam, que não se compreendem, num fenómeno de dissociação.

 

É preciso melhorar a comunicação?

Em Londres, há pouco tempo, destruiu-se um troço até bastante recente de uma ciclovia, apesar de haver um apoio político forte (incluindo por parte de Boris Johnson), a este tipo de iniciativas. Mas ali houve uma coligação negativa muito interessante, sobre a qual vale a pensar, e que juntava activistas contra a gentrificação, que acham que as ciclovias favorecem mais as classes médias que as classes populares, os taxistas e motoristas, que se queixam do espaço que lhes é retirado e um terceiro pólo, desorganizado, que é o do cidadão comum, que diz que precisa de levar os filhos à escola, cumprir outras rotinas, e que não o faz em bicicleta. Formou-se uma coligação com uma força tal que a estrada voltou à condição anterior. Por isso, há aqui um perigo, que estando identificado, temos de aprender a lidar com ele, para evitar esta disjunção entre activismo/academia e o cidadão comum. Que não entende o vocabulário, a retórica, que não aceita que falem por ele e que, com ou sem razão – há aqui um problema de percepção – pensa, ou suspeita, que vai ser prejudicado pelo que esses estão a defender. Esta disjunção é terrível. Não podemos ter grupos cada vez mais sofisticados do ponto de vista da sua ambição, das suas expectativas, etc., mas cada vez mais longe daquilo que pensa o cidadão comum.

 

No documento de reflexão sobre os desafios que a pandemia traz às cidades, que ajudou a produzir a partir dos Encontros do Urbanismo de Lisboa de 2020, e que apresentaram na semana passada, esse aspecto merece um capítulo próprio, dedicado à participação dos cidadãos nos processos de planeamento e decisão. Se não melhorarmos o envolvimento das pessoas, nesta fase em que os desafios de mudança são enormes, estaremos, como diz um académico experimentado nestas andanças, José Carlos Mota, condenados a “pregar para os convertidos”, os tais académicos e activistas. Como é que se envolve nisto os não convertidos?

É preciso atribuir mais importância a estas frentes, e relacioná-las mais entre si. Que frentes? A escola, que tem de ser completamente diferente, trazer os miúdos cá para fora, para pensar e resolver problemas práticos. Do outro lado, temos a participação nos processos formais, que tem que acontecer à cabeça, e não depois. Não se pode consultar as pessoas depois de tomadas as decisões, sobre projectos que elas não entendem, por serem demasiado complicados. Elas têm de ser incorporadas no processo de decisão. E no meio, há um papel que é muito importante, para várias instituições, incluindo a academia. Que é o de saber falar, saber envolver os cidadãos. É preciso desenvolver capacidade de escuta mas também, no caso das escolas, criar competências e, no âmbito dos processos formais, criar capacidade de influenciar a decisão. E aqui a linguagem é muito importante. Por exemplo, enquanto o debate sobre o direito à cidade é muito intelectual, abstracto, sofisticado, o direito ao lugar, expresso nesse documento sobre o qual me perguntava, é uma coisa muito mais intuitiva, por ser até ambígua, o que é interessante. Para uns é a rua onde moram, para outros é o bairro, pode ser a aldeia, a vila, ou a cidade. E essa ambivalência é interessante, porque inclui. Essa carta, que conheço bem, por ter acompanhado o processo, é curiosa, porque fica a meio caminho…

 

E toca nas coisas mais simples do nosso dia-a-dia, a casa, o jardim, a rua.

Eles trabalharam muito com associações locais, e os temas, bem como a linguagem, são muito acessíveis. Do ponto de vista académico poderia pensar-se que o documento é ingénuo, mas isso não interessa, porque a carta não é para académicos, nem para activistas super-bem informados que sabem tudo o que se passa no mundo. Não é para esses. É uma aproximação ao cidadão comum. Há uns anos, quando todo o mundo falava das cidades globais, saiu um livro, Ordinary Cities, que foi no fundo um alerta muito importante. Então e nós? Não somos Nova Iorque nem Paris, nem queremos fingir que somos. E em relação aos cidadãos, nos últimos anos tem surgido gente a fazer a mesma pergunta. Então e nós? Este sentimento de abandono, de ser ignorado, de não contar, tem de ser muito combatido. A universidade, a administração pública, as empresas, têm de se envolver com a comunidade, regularmente. Ser ouvido é muito bom, mas ser co-protagonista é mais importante.

 

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