A pandemia “expôs fragilidades” das cidades que já não
podem ser ignoradas
Em entrevista ao PÚBLICO, o geógrafo e especialista em
políticas urbanas João Ferrão explica que a pandemia tornou mais evidentes as
desigualdades entre a cidade planeada e a cidade inorgânica, onde vive a
população socialmente mais frágil. E acredita que, ultrapassada a crise, a nova
agenda das cidades terá de responder a esses problemas.
Abel Coentrão
18 de Abril de
2021, 21:54
João Ferrão
surpreendeu-se com o "atrevimento" com qyue a natureza entrou na
cidade, durante a pandemia
Geógrafo,
investigador aposentado do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa, João Ferrão admite ter sido surpreendido pela forma como um vírus
suspendeu o funcionamento das cidades. Passado um ano de uma crise que ainda
não terminou, o antigo secretário de Estado do Ordenamento do Território e das
Cidades acredita que as fragilidades que a pandemia tornou mais evidentes já
não podem ser ignoradas pelos decisores. E acredita que os municípios serão
capazes de levar por diante uma nova agenda que dê resposta à crise climática e
a alguns dos problemas que a covid-19 exacerbou.
A actual pandemia
expôs inúmeras fragilidades da nossa organização enquanto sociedade. Como
geógrafo, pergunto-lhe o que mais o surpreendeu na forma como a covid-19
afectou as nossas cidades.
O mais
extraordinário foi ver como, sobretudo no início, a pandemia suspendeu o
funcionamento das cidades. Era uma coisa impensável. Aliás, circularam muitas
fotografias com as ruas vazias, e foi quase como se tivéssemos um momento de
laboratório, em que disséssemos: vamos agarrar nesta cidade e vamos
suspendê-la, para ver o que é que acontece. Vamos ver como ela é vazia e
parada. Isto é extraordinário, para o mal e para o bem. Os laboratórios servem
para nós percebermos melhor as coisas.
E o que é que
percebemos?
Desde logo vimos
que o vírus suspendeu aquilo que tinha que ver com a actividade humana, mas não
suspendeu a natureza, que continuou a funcionar. E isso foi muito curioso. Foi
durante pouco tempo, mas vimos a natureza a começar a penetrar na cidade. Eu,
nas minhas varandas [em Lisboa], tive pela primeira vez joaninhas, tive pombos
a pôr ovos. Tornaram-se mais ousados. E já nem falo na qualidade do ar... A
natureza continuou a trabalhar, e ficou a trabalhar até mais à vontade. É pena
não termos relatos das outras espécies. O que terão pensado os polinizadores
dessa fase de confinamento? Andavam felicíssimos. Mas os pássaros, uns andariam
felizes, outros não. Sem as migalhas e tudo o que lhes dão, os pombos, cuja
explosão está muito associada ao desenvolvimento urbano, deviam estar
tristíssimos. Pelo contrário, os pássaros que viviam à volta da cidade devem
ter descoberto aqui um espaço novo. Não sabemos, mas é interessante vestir a
pele das outras espécies, e tentar perceber como terão elas lido uma realidade
que também lhes deve ter sido surpreendente. Por outras razões.
Do ponto de vista
humano, também tivemos uma dicotomia entre aqueles que estavam obrigados a
ficar em casa, e aqueles que eram obrigados a sair, pelas funções que exerciam.
Ficou à vista quais eram as funções essenciais para o funcionamento da cidade?
Apesar de tudo,
acho que a pandemia trouxe à luz do dia uma outra tensão muito mais forte, o
facto de termos pessoas que tinham condições para ficar em casa, e outras que
não tinham condições nenhumas para ficar em casa. Nem estou a falar dos que não
têm casa – dizer a um sem-abrigo para ficar em casa é paradoxal. Refiro-me às
pessoas que vivem em habitações sobreocupadas, sem condições, sem nenhum espaço
público mínimo à volta. Esta talvez tenha sido uma oposição muito clara que
veio ao de cima e que do ponto de vista do planeamento é muito interessante.
Ainda não foi estudado, mas parece claro que a pandemia opôs as áreas planeadas
(quer as de classe média, média-alta, quer de classe mais popular, mas que
tinham um mínimo de planeamento), às áreas sem qualquer planeamento. Nestas não
há espaço público, as habitações são muito piores. A cidade inorgânica era,
aqui, a parte mais frágil, pela forma como está organizada, e pelo tipo de
pessoas que vivem nessas áreas.
Estamos a falar
de uma exposição, magnificação, de fragilidades que já lá estavam. O vírus
exacerbou essas debilidades?
Sim, é o efeito
revelador da pandemia. No mar, uma maré extremamente vazia mostra-nos coisas
que estavam lá e não são visíveis. Mas que não são invisíveis para quem faça
mergulho. As pessoas que estudam estas coisas conhecem-nas, mas a pandemia veio
torná-las evidentes para todos. Essas situações deixaram de poder ser
ignoradas.
Passado um ano,
parece-lhe que foi prestada, por parte de quem gere o território, uma maior
atenção a esses espaços, e a essas debilidades? Ou ficamos apenas a olhar para
elas?
Não podemos
generalizar. O que me parece é que surgiram, um pouco por todo o lado, aquilo a
que chamamos soluções de urbanismo táctico. Por pressão das pessoas, dos
comerciantes, todos os autarcas perceberam que era preciso criar uma espécie de
limiar mínimo de espaço público que pudesse funcionar num contexto de fortes
restrições. E isso passava pelas esplanadas, pelos passeios um pouco mais
largos, pela intensificação da abertura de ciclovias, por intervenções em
espaços verdes que já existiam. Essa foi a resposta possível, imediata. Mas os
problemas estruturais exigem soluções estruturais. E essas demoram tempo, são
lentas e muito complexas. É fácil imaginar a distância, do ponto de vista da
possibilidade de concretização, entre fazer intervenções de urbanismo táctico
nas áreas para classe média, que são mais espaçosas, e têm passeios, etc., e
entre intervenções nos bairros inorgânicos. Aí pode-se fazer alguma coisa, mas
é muito difícil.
Nas últimas
décadas a política pública dedicou grande atenção e investimento aos espaços
centrais das cidades – os tais que agora se esvaziaram de turistas, e entraram
também em crise. Com esta lupa ainda activa, a mostrar-nos esses problemas de
que fala nas periferias, não seria tempo de mudar o centro da nossa atenção?
É verdade, mas
isso levanta um problema complicado. Quando tudo é importante, nós temos que
ser muito mais selectivos. Nós temos que ter uma visão de cidade, e é em função
dessa visão que definimos prioridades. É claro que toda a gente percebe que,
entre vários problemas, havia um importante, que era a desvitalização dos
centros das cidades, e a degradação física em que estes espaços se encontravam.
Estavam a morrer. E a reabilitação dos centros, e depois o turismo, apareceram
como as grandes soluções para resolver um problema real. A solução criou novos
problemas, mas aparentemente resolveu outros. Passou a haver mais vida,
edifícios reabilitados. Essa menor pressão, sobretudo quando já víamos alguns
efeitos positivos mas sem os excessos do turismo, permitiu também que do lado
da academia, dos activistas, e das próprias autarquias, se colocasse mais no
centro a pergunta: e as periferias, e os subúrbios? O que fazemos aí? Agora,
com esta crise, a da pandemia, temos uma certa igualização dos problemas. Toda
a cidade tem problemas. São é diferentes.
Duas das
cidades-estrela da Europa, Paris e Barcelona, aceleraram um processo de
transformação do espaço público em favor de uma ideia de proximidade, com os
conceitos da Cidade de 15 minutos, e os super-quarteirões de Barcelona. Outras
estão a seguir o exemplo. A valorização da proximidade é algo que veio para
ficar?
Sim,
mas...Cuidado com duas coisas: as dicotomias, e as pendulações. A história das
cidades e do urbanismo sempre oscilou entre a lógica da proximidade e a lógica
da circulação. E há períodos em que a aposta é numa ou na outra, como num
pêndulo. Em Portugal, tardiamente, nos anos da década de 90 chegou a lógica da
circulação, com os centros comerciais, os parques de escritórios e serviços
junto aos nós, o abandono dos centros e dos bairros. Mas curiosamente, antes de
começar a pandemia, as principais insígnias já estavam a desenvolver o comércio
de bairro, nos mesmos lugares onde contribuíram, antes, para o colapso do
pequeno comércio. Devemos aprender com estas dicotomias e oscilações. Com a
pandemia, passámos a valorizar, outra vez, a questão da proximidade geográfica,
mas a cidade dos 15 minutos tem que ser articulada com a cidade da circulação.
Porque uma cidade não é um conjunto de aldeias. E seria um equívoco pensar que
é. Porque não é nem pode ser. E o próprio conceito de cidade de circulação tem
de ser repensado. Porque mais do que a circulação automóvel, hoje em dia ele
conjuga explicitamente aquilo que a cidade moderna escondeu, e passou a incluir,
para além do sistema cinzento, o sistema azul e o sistema verde. Todas as
grandes entradas e saídas da cidade foram construídas em cima de linhas de água
que, nalguns casos, estavam a ser recuperadas há dez ou vinte anos. Há um
regresso da natureza que foi acelerado com a pandemia.
Uma oportunidade
para as cidades médias
A pandemia pode
de alguma forma ter feito algo para tornar mais atraentes nas nossas cidades
médias, que sofrem menos de alguns dos problemas exacerbados pela covid-19?
Em França houve
quem achasse que a pandemia permitiu a vingança das cidades médias face às
metrópoles. E houve algumas que desencadearam campanhas publicitárias muito bem
feitas, a tentar atrair franceses. O grupo de reflexão Fabrique de La Cité fez
um trabalho sobre essa “fantasia” da fuga das metrópoles. Mas a verdade é que
há uma oportunidade para as cidades médias, não apenas por ser mais barato lá
viver mas pelo facto de que, hoje em dia, garantem, sob todos os pontos de
vista, qualidade de vida que muitas vezes não existe na cidade metropolitana.
As cidades não podem ser vistas como a smart city levada ao limite, com
sensores por todo o lado, apenas centrada na acessibilidade digital, nem como
uma visão romântica da aldeia – as aldeias tinham conflitos enormes, sobretudo
por causa da água – nem como o lugar centrado na acessibilidade automóvel. Nós
temos que fazer uma nova combinação destes factores, num horizonte estratégico
diferente. Isso é que é novo, os elementos não são novos.
E acredita que
vamos tirar ilações desta pandemia.
Eu sou optimista.
Como académico, tenho de estudar isto. Do ponto de vista da administração, as
autarquias hoje têm melhores técnicos que a administração central. Conhecem
muito bem o que as outras fazem e aprendem umas com as outras. A capacidade de
aprendizagem hoje é rapidíssima, e fora de Lisboa, Porto, ou Cascais, não é
difícil encontrar um autarca e 13 técnicos que fazem parte de uma rede qualquer
europeia e estão a pôr em prática iniciativas interessantes. Há dez anos, as hortas
urbanas eram uma excepção. No início deste ciclo de fundos comunitários, quem é
que falava de economia circular? Ninguém. E hoje toda a gente fala, porque há
uma narrativa em torno dessa ideia e há um pacote de financiamento. A mesma
coisa com as ciclovias, com as soluções de base natural, com a transição
digital e verde. Eu acredito que, embora de forma muito diferenciada, há uma
agenda nova que vai ser construída pós-pandemia. Não é nova nos ingredientes
todos, mas na forma como combina e valoriza elementos que já estavam no
terreno. Esta nova agenda é muito mais facilmente protagonizável a nível local
do que a nível central, onde a máquina é mais pesada e sectorializada.
Uma vantagem é que
algumas das ferramentas presentes nesta agenda também servem para mitigar os
efeitos das alterações climáticas, uma outra crise que, este ano, desapareceu
da agenda.
Na câmara de
Lisboa fizemos um primeiro encontro [de urbanismo] dedicado às crises sistémicas.
Vamos ter de fazer mais, até porque elas têm uma característica, a de serem
hiper sistémicas, por estarem inter-relacionadas. Não era evidente para as
pessoas a relação entre crise climática, crise pandémica e ciberataques. Mas
elas estão claramente relacionadas entre si, com a primeira a criar condições
para zoonoses, que nos podem trazer pandemias. E com esta tivemos uma explosão
do mundo digital, que nos deixou muito mais expostos aos ciberataques.
Esta crise
fragilizou algumas concepções sobre as nossas próprias capacidades?
O que esta
pandemia fez foi abalar um certo conceito de modernidade que nos deslumbrou:
uma modernidade tecnológica, de consumo, material. E se tudo isto é importante,
não nego, não podemos deixar que nos cegue em relação a uma visão muito mais
rica e exigente do planeta, das sociedades, e das economias. Este abanão foi
muito forte. Dura há um ano, e ainda não parou. Como sempre, há quem sonhe com
um voltar ao passado, mas essa é outra forma de romantismo. Há aspectos parcialmente
reversíveis, mas nunca voltaremos totalmente ao que éramos antes. Como acontece
em todos os choques, ao longo da história, os temas que eram marginais, passam
a ser centrais. E este empurrão veio dar mais centralidade a essas iniciativas
cidadãs, a esses novos valores, e à medida que eles são socializados, tornam-se
fortes o suficiente para construir uma nova agenda, socialmente aceite. Porque
também aprendemos, ao longo destes anos, e com a própria pandemia, que o
remédio, em excesso, pode tornar-se um veneno. E vimos isso com o excesso de
turismo, com o excesso de dependência externa, o excesso da confiança na
tecnologia. Ser contra o turismo é um disparate. Ser pela autarcia, contra as
relações com o exterior, é um disparate. Mas não é por acaso que se voltou a
falar de soberania alimentar, por exemplo, e a fazer uma crítica ao excesso de
dependência de cadeias globais. É certo que não estaríamos aqui se não fossem
essas soluções ditas modernas, mas o caminho não pode continuar a ser o mesmo.
Os movimentos
cívicos ganharam mais visibilidade
As prioridades
são normalmente decididas a um nível político e técnico, com pouco envolvimento
dos cidadãos. Pareceu-lhe ter mudado algo, neste ano, em que vimos alguns
movimentos a exigir outra forma de fazer, de pensar a cidade?
Sim, por várias
razões. Primeiro, como aconteceu com quase tudo, isto não apareceu do nada, já
estava em movimento, e foram é muito aceleradas. Este choque externo, ao tornar
mais evidente uma série de falhas e limitações, também tornou esses movimentos
mais activos e eles ganharam visibilidade. Mas depois também há movimentos e
activismos de tipo diferente. Desde aquilo a que eu chamaria os “NIMBY 2.0” [do
inglês not in my back yard], que aceitam alternativas, desde que não seja no
quintal deles, até o outro extremo das pessoas que acreditam que temos de mudar
as sociedades e a economia, e para isso, nada melhor que começar por mudar o
sítio onde vivemos.
Ainda há dias
vimos um conjunto de origens geográficas e sectoriais muito diferentes terminar
um processo de reflexão colectiva, de dois anos, um deles em pandemia, com a
publicação de uma “Carta aberta pelo direito ao lugar”.
Acompanhei isso.
Mas antes de lhe responder, queria voltar a outra questão. É verdade que
académicos e activistas tornaram-se mais activos, ganharam maior visibilidade
e, eventualmente, maior capacidade de influência. Mas também é verdade que esse
activismo e essa intervenção não pode correr o risco de acentuar uma
divergência entre esse tipo de pessoas e o cidadão comum, que não sabe nem tem
de saber, por exemplo, o que é uma visão holística, ou pós-antropocêntrica de
cidade. Não estou a dizer que temos de prescindir destas palavras, que têm um
sentido, porque são conceitos importantes para quem tem a missão de pensar
estas coisas, e tomar decisões. Mas temos aqui de novo a questão da tradução.
Se, por um lado, temos políticas pensadas globalmente e que nós importamos
acriticamente, por outro, neste caso, podemos ter duas camadas que não se
contactam, que não se compreendem, num fenómeno de dissociação.
É preciso
melhorar a comunicação?
Em Londres, há
pouco tempo, destruiu-se um troço até bastante recente de uma ciclovia, apesar
de haver um apoio político forte (incluindo por parte de Boris Johnson), a este
tipo de iniciativas. Mas ali houve uma coligação negativa muito interessante,
sobre a qual vale a pensar, e que juntava activistas contra a gentrificação,
que acham que as ciclovias favorecem mais as classes médias que as classes
populares, os taxistas e motoristas, que se queixam do espaço que lhes é retirado
e um terceiro pólo, desorganizado, que é o do cidadão comum, que diz que
precisa de levar os filhos à escola, cumprir outras rotinas, e que não o faz em
bicicleta. Formou-se uma coligação com uma força tal que a estrada voltou à
condição anterior. Por isso, há aqui um perigo, que estando identificado, temos
de aprender a lidar com ele, para evitar esta disjunção entre
activismo/academia e o cidadão comum. Que não entende o vocabulário, a
retórica, que não aceita que falem por ele e que, com ou sem razão – há aqui um
problema de percepção – pensa, ou suspeita, que vai ser prejudicado pelo que
esses estão a defender. Esta disjunção é terrível. Não podemos ter grupos cada
vez mais sofisticados do ponto de vista da sua ambição, das suas expectativas,
etc., mas cada vez mais longe daquilo que pensa o cidadão comum.
No documento de
reflexão sobre os desafios que a pandemia traz às cidades, que ajudou a
produzir a partir dos Encontros do Urbanismo de Lisboa de 2020, e que
apresentaram na semana passada, esse aspecto merece um capítulo próprio,
dedicado à participação dos cidadãos nos processos de planeamento e decisão. Se
não melhorarmos o envolvimento das pessoas, nesta fase em que os desafios de
mudança são enormes, estaremos, como diz um académico experimentado nestas
andanças, José Carlos Mota, condenados a “pregar para os convertidos”, os tais
académicos e activistas. Como é que se envolve nisto os não convertidos?
É preciso
atribuir mais importância a estas frentes, e relacioná-las mais entre si. Que
frentes? A escola, que tem de ser completamente diferente, trazer os miúdos cá
para fora, para pensar e resolver problemas práticos. Do outro lado, temos a
participação nos processos formais, que tem que acontecer à cabeça, e não
depois. Não se pode consultar as pessoas depois de tomadas as decisões, sobre
projectos que elas não entendem, por serem demasiado complicados. Elas têm de
ser incorporadas no processo de decisão. E no meio, há um papel que é muito
importante, para várias instituições, incluindo a academia. Que é o de saber
falar, saber envolver os cidadãos. É preciso desenvolver capacidade de escuta
mas também, no caso das escolas, criar competências e, no âmbito dos processos
formais, criar capacidade de influenciar a decisão. E aqui a linguagem é muito
importante. Por exemplo, enquanto o debate sobre o direito à cidade é muito
intelectual, abstracto, sofisticado, o direito ao lugar, expresso nesse
documento sobre o qual me perguntava, é uma coisa muito mais intuitiva, por ser
até ambígua, o que é interessante. Para uns é a rua onde moram, para outros é o
bairro, pode ser a aldeia, a vila, ou a cidade. E essa ambivalência é
interessante, porque inclui. Essa carta, que conheço bem, por ter acompanhado o
processo, é curiosa, porque fica a meio caminho…
E toca nas coisas
mais simples do nosso dia-a-dia, a casa, o jardim, a rua.
Eles trabalharam
muito com associações locais, e os temas, bem como a linguagem, são muito
acessíveis. Do ponto de vista académico poderia pensar-se que o documento é
ingénuo, mas isso não interessa, porque a carta não é para académicos, nem para
activistas super-bem informados que sabem tudo o que se passa no mundo. Não é
para esses. É uma aproximação ao cidadão comum. Há uns anos, quando todo o
mundo falava das cidades globais, saiu um livro, Ordinary Cities, que foi no
fundo um alerta muito importante. Então e nós? Não somos Nova Iorque nem Paris,
nem queremos fingir que somos. E em relação aos cidadãos, nos últimos anos tem
surgido gente a fazer a mesma pergunta. Então e nós? Este sentimento de
abandono, de ser ignorado, de não contar, tem de ser muito combatido. A
universidade, a administração pública, as empresas, têm de se envolver com a
comunidade, regularmente. Ser ouvido é muito bom, mas ser co-protagonista é
mais importante.
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