“Estamos a ficar com uma cidade feia
a nível de comércio”: uma vaga de despejos imparável
12.06.2018 às 18h00
http://expresso.sapo.pt/…/2018-06-12-Estamos-a-ficar-com-um…
Quarteirão da pastelaria Suíça foi vendido por 62 milhões de
euros a espanhóis. O futuro é incerto
NUNO BOTELHO
Ouvidos esta manhã no Parlamento, os patrões do comércio,
restauração e serviços antecipam uma nova vaga de despejos em lojas históricas
- só em Lisboa, há pelo menos 60 casos em avaliação. Além da suspensão
temporária dos despejos e indemnizações por cada contrato de arrendamento
rescindido, o sector reclama planeamento do urbanismo comercial
ELISABETE MIRANDA
São “dados inquietantes” aqueles que continuam a chegar ao
conhecimento das associações que representam as lojas de comércio, restauração
e serviços. Com os preços das rendas a aumentar e as rescisões de contratos de
arrendamento a chegarem às caixas de correio, antecipa-se uma nova vaga de
despejos em Lisboa e no Porto. O problema é económico, social mas também
urbanístico, porque “estamos a ficar com uma cidade feia a nível de comércio”,
lamenta o sector.
As mensagens alarmantes sobre a situação do arrendamento comercial
foram lançadas esta terça-feira na Assembleia da República por cinco
confederações e associações patronais, onde está a ser revisto o regime de
arrendamento urbano. O problema não é novo mas, tirando soluções pontuais que
pretenderam pôr algumas lojas históricas a salvo do apetite do investimento
estrangeiro, ele persiste e há novas casas emblemáticas ameaçadas de fecho. É o
caso da pastelaria Suíça, cujo quarteirão foi comprado pela empresa espanhola
MABEL CAPITAL, ou da Casa da Sibéria, cujo prédio foi comprado por um fundo de
investimento francês que se terá recusado a renegociar o preço da renda.
O mistério das lojas asiáticas
O perigo de
generalizações exige-nos prudência e cautela, mas também não nos pode conduzir
à paralisação e à apatia.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
12 de Julho de 2017, 6:06
Este artigo é totalmente baseado e sustentado por citações e
constitui um convite aos ilustres jornalistas para traduzirem estas perguntas e
questões em investigações, que possam contribuir para o desvendar deste
mistério.
“Durante o primeiro período de trabalho de campo havia 60
lojas de bangladechianos nesta zona de Lisboa. Em 2006 eram já 80 ao longo da
Avenida Almirante Reis, Rua da Palma, Calçada dos Cavaleiros, Rua do
Benformoso, Largo do Intendente, Rua de São Lázaro e nos centros comerciais
Mouraria e Martim Moniz. Em 2008, ocupavam já mais de 150 lojas, entre a Praça
Martim Moniz e imediações, os Anjos e a baixa lisboeta (onde, só no último ano,
abriram mais de 30 lojas).”
Isto afirma José Mapril em 2010 num estudo académico
publicado na Etnográfica Revue. Num levantamento desenvolvido pelo sociólogo
Guilherme Pereira ele assinala que desde 2010/12, na zona da Baixa, as lojas de
souvenirs low-cost (LLC) de fabrico massificado e pretensamente português ou
representativos de Lisboa passaram de nove para 90!
Muito recentemente, Carla Salsinha (2017), a presidente da
UACS, avisava com pertinência e urgência: “Todos os tipos de comércio têm
direito a existir”, mas confessou ter dificuldade em entender a concentração de
lojas de recordações turísticas de baixo custo e de kebabs, “em locais onde os
comerciantes portugueses não conseguem sobreviver”. Apesar das rendas cada vez
mais altas, só na Baixa haverá 97 lojas de souvenirs detidas por cidadãos do
Bangladesh, disse a presidente da UACS. E depois, para além dessas, há todo um
mundo de lojas muito caras e das grandes cadeias multinacionais. Tudo isto
estará a criar um quadro muito desfavorável para o comércio convencional.
Salsinha denuncia uma total ausência de planeamento
estratégico por parte da CML, do chamado Urbanismo Comercial nos
licenciamentos, de forma a garantir um equilíbrio. Além disso, os produtos de
fabrico massificado e pretensamente “portugueses” garantem um tsunami de
plástico e quinquilharia híbrida, que afecta e domina largamente o ambiente e a
imagem de uma zona que se pretendia como a historicamente central e nobre de
Lisboa.
Em 2014, a conceituada e respeitada professora Raquel
Varela, especialista nas questões do Trabalho, já tinha referido o efeito
nocivo e incompreensível deste fenómeno: “As mercearias asiáticas em Portugal
fazem dumping como fazem as empresas-monopólio portuguesas cujos preços e a
produção é inteiramente — e sem qualquer livre concorrência que não a da
aparência jurídica — por estas fixada. Não faço ideia se as ditas mercearias
são indianas, do Bangladesh, ou do Paquistão, nem me interessa, se fossem
alentejanas e fizessem dumping eram as mercearias alentejanas que, como fazem
dumping, não podem vender produtos de qualidade nem ter trabalhadores com
condições dignas. Entram em Lisboa, e noutras cidades, com salários mais
baixos, horários não controlados por ninguém e condições laborais desconhecidas
— muitas com um regime fiscal abonatório durante cinco anos.”
Seguindo esta linha de questões, a jornalista Sónia Simões
publicava um artigo no Observador (18 Março 2016): “Nos últimos meses, o número
de mercearias e frutarias tem crescido abruptamente nas ruas dos bairros
históricos de Lisboa. E não só. Já se começam a fazer notar noutros concelhos.
Para tal, também contribuíram as leis portuguesas. Por um lado, como sublinhou
ao Observador o vereador Duarte Cordeiro com o pelouro da Economia e Inovação
da Câmara de Lisboa, o Licenciamento Zero, que vem simplificar a vida aos
empresários que queiram abrir um negócio. Por outro, refere o responsável pelo
SEF, a própria Lei dos Estrangeiros, que dispensa os vistos de trabalho para a
autorização de residência no país.
Assim, qualquer cidadão estrangeiro que obtenha um contrato
de trabalho e faça descontos para a Segurança Social consegue automaticamente
uma autorização de residência — o que não acontece noutros países da Europa.
‘Temos indícios de que algumas lojas possam estar a ser usadas para esse fim’,
reconhece o investigador. Sempre que os serviços de fiscalização do SEF se
deparam com vários contratos de trabalho em nome de uma mesma empresa, abrem um
inquérito para apurar se existe, de facto, uma relação laboral, ou se é uma
relação fictícia. Daí as empresas estarem frequentemente ‘a rodar’. Isto é, a
abrir e a fechar, mas mantendo os mesmos espaços comerciais.”
Para terminar, o perigo de generalizações grosseiras e de
estigmatizações ou mesmo de inaceitáveis discriminações de grupos étnicos
exige-nos prudência e cautela, mas também não nos pode conduzir a uma
paralisação e apatia impedidora, inibidora e neutralizadora dos mais básicos
princípios de análise, dedução e discernimento daquilo que é evidente. Trata-se
do equilíbrio e futuro de Lisboa!
As lojas tradicionais da Baixa:
desafios presentes e futuros
Finalmente, os
proprietários das Lojas Tradicionais encontraram-se em Lisboa, e estabeleceram
contacto através de uma plataforma de “cidadania”.
ANTÓNIO SÉRGIO ROSA DE CARVALHO
25 de Junho de 2015, 2:39
Este é o exacto título de um artigo da minha autoria,
inserido no volume intitulado “Reabilitação Urbana: bases para uma intervenção
de salvaguarda”, publicado em Junho de 2005 pela CML, com a coordenaçào
editorial de João Mascarenhas Mateus, exemplo de um completo estudo de
conteúdo, no contexto preparatório da classificação da Baixa a Património
Mundial.
Isto é relevante, agora que a CML anunciou a sua intenção de
reactivar a ideia da Classificação, estendendo-a aos bairros históricos e
simultaneamente voltar a repetir a ideia/intenção, tantas vezes repetida, de
promover o programa “Lojas com História”, onde se pretende simultaneamente
defender as características culturais/patrimoniais dos estabelecimentos
históricos e promover o comércio tradicional.
Ora, precisamente no artigo acima referido e também em
artigo publicado no PÚBLICO em 16/07/2006 Made in Portugal, eu descrevo as
experiências que tive oportunidade de desenvolver em lojas tradicionais com
interiores de valor histórico, em permanente colaboração com a Unidade de
Projecto Baixa-Chiado e o então IPPAR.
Assim, na antiga alfaitaria Rosado Pires, na Rua Augusta,
conseguiu-se convencer o novo proprietário a manter todo o interior intacto,
utilizando a sua autenticidade como uma mais valia. Pena que, com o tempo, uma
parte do mobiliário original tenha desaparecido e o interior tenha sido
“funcionalizado”. O mesmo foi conseguido na Perfumaria Pompadour, com projecto
de interiores de Raúl Lino (agora Swarovski /Rua Garret ) assim como na
farmácia Normal na Rua da Prata.
Isto serve apenas para ilustrar que, embora estes processos
tenham conhecido avanços e recuos paradoxais e inexplicáveis, existe uma base
de conhecimento já considerável e aproveitável.
Um bom exemplo destes paradoxos constitui a recusa de
classificação, por parte do IPPAR neste período, da Ourivesaria Aliança,
juntamente com outros importantes estabelecimentos que constavam nos dossiers
completos desenvolvidos pelo Núcleo dos Estudos do Património da CML.
No entanto, posteriormente, sobre a pressão da Opinião
Pública e Comunicação Social, Manuel Salgado exigiu e garantiu a preservação
deste notável e insubstituível estabelecimento.
A vigilância e o contacto entre os interessados é portanto
fundamental.
Mas, e aqui chego ao objectivo deste artigo, há que manter
objectividade e pragmatismo nos objectivos imediatos.
O acontecimento mais importante no que respeita a
salvaguarda concreta perante a ameaça progressiva que constitui a Lei das Rendas,
tomou lugar no Porto no Hotel Intercontinental, numa conferência intitulada
Reabilitar para Revitalizar (PÚBLICO 20/09/2014) onde Rui Moreira exprimiu as
suas preocupações de forma confrontadora perante uma assembleia de
empreendedores e proprietários, ameaçando chegar ao ponto de expropriar
edifícios, caso os insubstituíveis estabelecimentos históricos instalados no
mesmos fossem ameaçados e consequentemente extintos, pelo aumentos das rendas.
Ora, finalmente, os proprietários das Lojas Tradicionais
encontraram-se em Lisboa, e estabeleceram contacto através de uma plataforma de
“cidadania”.
Se isto fizer algum sentido será, não apenas na troca de
informações e de postais “culturais”, ficando “entretidos” num circulo
inefectivo, enquanto a espada ameaçadora da Lei das Rendas continua a descer
sobre as suas cabeças, mas precisamente numa acção coordenada e sistemática de
forma a levarem Medina e Salgado a
tomarem uma posição explícita e pública de compromisso na defesa das Lojas
Tradicionais, perante a ameaça crescente para a sua existência e sobrevivência,
que a Lei das Rendas constitui.
Historiador de Arquitectura
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